Há pouquíssimo tempo escrevi aqui sobre um estudo que sugere que os polvos sentem dor não apenas física, mas emocional também. A descoberta, feita pelo neurobiólogo Robyn Crook, da San Francisco State University, nos Estados Unidos, revelou que esses moluscos marinhos, assim como os vertebrados, exibem comportamentos cognitivos e espontâneos indicativos de experiência de dor afetiva.
Os polvos são considerados como os invertebrados com o sistema nervoso mais complexo do planeta. E agora, uma pesquisa realizada por cientistas brasileiros aponta mais um comportamento intrigante dessas criaturas: assim como outras espécies do mundo animal, os polvos também apresentam diferentes estados de sono.
Em um artigo científico públicado no final de março na iScience, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, descrevem suas observações ao acompanhar o sono de quatro indivíduos da espécie Octopus insularis em laboratório.
De acordo com as gravações, enquanto dormem os polvos têm um sono mais lento e outro mais ativo, muito parecido daquele do ser humano, o não-REM e o REM, este último com atividade cerebral mais rápida e quando acontecem movimentos rápidos dos olhos (daí a sigla do inglês – Rapid Eye Movements, REM).
Segundo os cientistas, os dois estados diferem em cor e textura da pele e movimento dos olhos e manto. Enquanto estão no sono lento, os polvos se mantem praticamente imóveis, com sua coloração original. Já no estado mais agitado, eles mexem os olhos e trocam de cor.
As gravações indicaram ainda que os ciclos se repetiram em intervalos de cerca de 30 a 40 minutos. Para estabelecer que esses estados realmente representavam o sono, os pesquisadores inseriram nos tanques onde os animais estavam elementos de estimulação visual e tátil. Os resultados mostraram que nos estados ‘ativo’ e ‘sono tranquilo’, os polvos precisaram de um forte estímulo para ter uma resposta comportamental em comparação com o estado de alerta. Ou seja, eles realmente estavam dormindo.
“A alternância dos estados de sono observada no Octopus insularis parece bastante semelhante à nossa, apesar da enorme distância evolutiva entre cefalópodes e vertebrados, com uma divergência precoce de linhagens há cerca de 500 milhões de anos”, diz Sylvia Medeiros, pós-doutoranda em PsicoBiologia, e principal autora do estudo.
Os pesquisadores acreditam que essa alternância entre fases do sono pode indicar que os polvos experimentem, assim como os humanos, algo semelhante aos “sonhos“.
“Não é possível afirmar que eles sonham porque não podem nos dizer isso, mas nossos resultados sugerem que durante o ‘sono ativo’ o polvo pode experimentar um estado análogo ao sono REM, que é o estado durante o qual os humanos mais sonham”, diz Sylvia. “Se os polvos realmente sonham, é improvável que experimentem tramas simbólicas complexas como nós. O ‘sono ativo’ no polvo tem uma duração muito curta – normalmente de alguns segundos a um minuto. Se durante esse estado houver algum sonho acontecendo, deve ser mais como pequenos videoclipes ou mesmo gifs”.
O próximo passo é registrar dados neurais desses cefalópodes para entender melhor o que acontece quando eles dormem, além de analisar o papel do sono no metabolismo, pensamento e aprendizagem dos animais.
*Com informações do EurekaAlert
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Fotos: Dustin Humes on unsplash (abertura) e reprodução artigo
Se os polvos sonham, deve ser com oceanos mais limpos e protegidos da caça homicida predatória, quando finalmente humanos acordarem do seu pesado sono de ser maus.