Pele descartada de cirurgias plásticas substitui uso de animais em testes de cosméticos

Pele descartada de cirurgias plásticas substitui uso de animais em testes de cosméticos

Estima-se que todos os anos mais de 115 milhões de animais sejam usados como cobaias em testes de laboratórios pelo mundo. Muitos passam por procedimentos cruéis. Mas nos últimos anos, cada vez mais, utilizam-se métodos alternativos substitutivos (culturas de células e tecidos, métodos químicos e computacionais) para a realização de experimentos, muitos deles, considerados por especialistas mais seguros e confiáveis do que os testes feitos com bichos.

No Brasil, a empresa Kosmoscience, com sede em Campinas, em São Paulo, é uma das que tem investido em modos alternativos ao uso de animais.

Nos últimos quatro anos, pesquisadores da companhia estão estudando as alterações sofridas pela pele exposta à radiação infravermelha (IV-A) utilizando fragmentos de pele excedentes de cirurgias plásticas eletivas. “A escolha do modelo experimental de pele ex vivo para conduzir essas avaliações foi direcionada por ser o modelo que mais se aproxima das condições reais e fornece respostas mais assertivas sobre os efeitos clínicos dos produtos cosméticos”, explica Samara Eberlin, gerente técnica responsável pelo departamento de Skin Vitro do Grupo Kosmoscience.

Ex vivo é o termo científico utilizado para testes feitos em tecidos biológicos de um organismo em um ambiente artificial, mas com alterações mínimas àquelas das condições naturais, de maneira mais controlada do que os experimentos in vivo.

“Após o procedimento cirúrgico, a pele passa por um processo de assepsia e padronização experimental, antes de ser colocada em cultura. Os fragmentos são mantidos em meio de cultura contendo nutrientes específicos e os experimentos são realizados no período máximo de sete dias, que é o prazo da viabilidade do tecido cutâneo após sua remoção”, explica Samara.

As peles utilizadas pela equipe da Kosmocience são de pessoas que passaram por cirurgias plásticas e concordaram que o excedente fosse doado para pesquisas científicas. Além disso, o uso do material precisa ter a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão do Conselho Nacional de Saúde e atrelado ao Ministério da Saúde, que define as regras e normas de pesquisas envolvendo seres humanos.

A radiação infravermelha é emitida principalmente pelo sol, mas também pela luz de lâmpadas, computadores, celulares e outros eletrônicos. Segundo dermatologistas, os raios IV-A formam radicais livres que aceleram o envelhecimento precoce e propiciam o aparecimento de manchas e rugas, podendo levar até, ao desenvolvimento do câncer de pele. “Este tipo de radiação atinge camadas mais profundas da pele promovendo desde alterações no metabolismo normal, estresse oxidativo, aceleração dos processos de envelhecimento, morte celular e enfraquecimento de mecanismos fisiológicos envolvidos no reparo tecidual até, danos ao DNA”, afirma a farmacologista.

O objetivo deste estudo realizado pela Kosmocience é ajudar empresas da área de cosméticos a desenvolver um filtro solar mais abrangente, que proteja contra os danos provocados pela radiação infravermelha.

Além desta linha de pesquisa, a empresa paulista possui outros estudos que utilizam pele excedente no lugar de animais. “Temos implantado ao longo dos anos diversos modelos experimentais utilizando a pele ex vivo, o que nos possibilita avaliar o efeito dos produtos de uso tópico nos processos de envelhecimento cutâneo, fotoproteção, fotopoluição, dermatite atópica, entre outros”, revela a pesquisadora. “Recentemente, iniciamos uma linha de pesquisa com foco na biologia capilar, que engloba a avaliação desde o folículo do cabelo até o couro cabeludo. Para esse estudo utilizamos também fragmentos obtidos de cirurgia eletiva da face conhecida como lifting facial (ritidoplastia). Trabalhamos continuamente para aprimorar o modelo e torná-lo cada vez mais reprodutível, possibilitando explorar novos caminhos para compreensão da biologia cutânea por meio de metodologias inovadoras”.

Ainda de acordo com Samara Eberlin, esta é uma tendência mundial, chamada de 3R’s – Replacement, Reduction and Refinement – Substituição, Redução e Refinamento, na tradução para o português. “Este modelo caracteriza um recurso sustentável e exequível cotidianamente para avaliação da segurança de produtos cosméticos, farmacêuticos, dispositivos médicos, entre outros”.

Há um projeto de lei em tramitação no Senado Federal (PLC 70/2014) que prevê a proibição ao uso de animais em testes para produção de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal no Brasil.

De acordo com o texto aprovado, os testes em animais poderão ser admitidos pela autoridade sanitária em situações excepcionais, frente a “graves preocupações em relação à segurança de um ingrediente cosmético” e após consulta à sociedade. Empresas teriam um prazo de três anos para se adaptar à nova legislação.

Infelizmente, o projeto que foi sugerido em 2014, em novembro deste ano – três anos depois – continua em análise no Senado, no momento na Comissão de Assuntos Econômicos. Enquanto isso, apesar de já existir métodos alternativos, animais continuam sendo usados de maneira cruel em testes de laboratórios.

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Foto: divulgação Kosmocience

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.