Organizações alertam que reação do governo ao desmatamento da Amazônia é insuficiente
Horas depois do presidente Jair Bolsonaro dizer, na frente do Palácio do Planalto, que “não vai se acabar com o desmatamento nem as queimadas (no Brasil)… é cultural!”, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reuniu-se, em Brasília, com governadores da Amazônia Legal – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão, para anunciar ações do governo para lidar com o desmatamento na região.
Entre as propostas está a promoção da regularização fundiária, o zoneamento econômico ecológico e pagamento por serviços ambientais. Nenhuma medida nova foi apresentada, e nenhum dos tópicos foi detalhado.
“O ministro fez um anúncio vazio. Não foram apresentadas metas, prazos, custos e nem mecanismos de implementação. Pelo contrário, propostas como a de regularização fundiária poderão premiar a grilagem de terras e incrementar ainda mais a destruição florestal. De acordo com o que foi dito hoje, fica claro que temos um governo incapaz em lidar com o aumento do desmatamento, uma situação que ele mesmo criou”, afirma Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
O desmatamento da Amazônia atingiu 9.762 km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com os dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais). O número representa um aumento de 30% em relação ao período anterior e é a maior taxa registrada desde 2008.
O aumento da destruição na Amazônia não é novidade para ninguém, muito menos para Ricardo Salles e os governadores dos estados na região. Os alertas do Deter já anunciavam um crescimento expressivo do desmatamento. Onze meses após o início do governo, as medidas apresentadas são claramente insuficientes e contraditórias com o que o próprio governo vem fazendo.
“Enquanto o ministro do Meio Ambiente fez um discurso para enganar a plateia, no mundo real o governo trabalha para implementar medidas que poderão incrementar ainda mais o desmatamento, como a liberação do plantio de cana na Amazônia e no Pantanal, a medida provisória de premiação da grilagem de terras, a promessa de abertura de terras indígenas para garimpo e mineração, a proibição do Ibama de realizar a queima de equipamentos de criminosos ambientais e a tentativa de redução dos limites de unidades de conservação, entre outros”.
Regularização do crime não é solução para a Amazônia
A regularização fundiária foi citada diversas vezes pelo ministro como uma das medidas necessárias. Mas nos moldes que tem sido proposta, é uma falsa solução.
Representantes do governo já anunciaram a ideia de lançar uma medida provisória para facilitar a concessão de posses e títulos de terra por autodeclaração. Isso legitima a ação ilegal, um presente e tanto para grileiros: passaremos um patrimônio que é dos brasileiros para as mãos de criminosos.
Iniciativas para promover a regularização fundiária já foram implementadas em 2009 (Programa Terra Legal) e depois a MP da Grilagem em 2017 (agora Lei 13.465/2017). Tais medidas não ajudaram a combater o desmatamento, pelo contrário, servem como incentivo para mais grilagem.
Reinventando a roda
Muitas das propostas apresentadas por Salles já constam no PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal). Paralisado desde o início do governo Bolsonaro, o plano contava com três eixos de ação: Ordenamento Fundiário e Territorial, Monitoramento e Controle, e Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis.
No entanto, quando assumiu, ao invés de fortalecer as ações listadas no plano, o novo governo seguiu o caminho oposto, promovendo um desmonte sem precedentes nas estruturas de proteção ambiental. A capacidade de ação de órgãos como Ibama e ICMbio foi deteriorada. O orçamento para questões ambientais foi drasticamente reduzido, a secretaria de Mudanças do Climas e Florestas foi extinta, dentro outros retrocessos.
As medidas anunciadas não conseguirão barrar os impactos já causados pela política anti ambiental da atual gestão. Para tanto, o governo deveria iniciar imediatamente um plano de reestruturação da sua capacidade de combater o crime ambiental, através do fortalecimento de órgãos como o IBAMA e ICMBio, reativar o Fundo Amazônia e fomentar investimentos em tecnologias e soluções que produzissem economia através da manutenção da floresta viva.
Além disso, é urgente a retomada das demarcações de terras indígenas e unidades de conservação, e um plano de forte repressão à grilagem de terras e invasão de áreas protegidas. Em resumo, para conter a crise do aumento do desmatamento, seria necessário fazer exatamente o oposto do que o atual governo vem fazendo.
*Texto publicado originalmente em 20/11/19 no site do Greenpeace Brasil
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*Adendo da redação do Conexão Planeta: em nota divulgada também ontem, o WWF-Brasil reiterou as críticas do Greenpeace Brasil. Leia texto na íntegra abaixo:
“Combate ao desmatamento da Amazônia exige plano com metas, ações, prazos e monitoramento
Em coletiva de imprensa realizada hoje, o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles apresentou o posicionamento do governo brasileiro para a Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP25), que será realizada em Madri, Espanha, no começo de dezembro.
Salles salientou que sua missão na COP25 será obter recursos para a Amazônia, contradizendo ações anteriores de sua gestão que paralisaram o Fundo Amazônia. O ministro também criticou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), dizendo que ele não saiu do papel porque só reuniu “ideias”. Apesar disso, o ministro apresentou genericamente eixos de ação que já constam no PPCDAM.
“Seguimos sem um plano concreto para conter o desmatamento na Amazônia. O ministro Ricardo Salles apresentou um conjunto de ideias que não serão suficientes para conter o atual ritmo de destruição da Amazônia”, afirma Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil. “Não existe ambientalismo de resultados sem metas, prazos, atribuições e recursos. Sem isso, nenhum plano é efetivo”, completa.
O PPCDam, criado em 2004, está parado no atual governo, que também extinguiu o departamento de florestas e combate ao desmatamento do MMA, reduziu o número de fiscais do IBAMA e paralisou o Fundo Amazônia. Faltou também lembrar que em ocasiões anteriores, quando o desmatamento da Amazônia atingia picos, eram deflagradas ações e planos concretos, com metas, prazos, atribuições e recursos. Essas respostas ainda não foram dadas pelo atual governo”.
Outra organização que se manifestou contra o pronunciamento de Ricardo Salles foi o Observatório do Clima. Leia matéria divulgada no site aqui.
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Foto: ©Fábio Nascimento/Greenpeace
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