Organizações alertam para a extinção do licenciamento ambiental com ‘nova lei’, que pode ser votada em breve

Organizações alertam para a extinção do licenciamento ambiental com 'nova lei', que pode ser votada em breve

Qualquer lei pode receber ajustes desde que estes sejam realizados para melhorar a lei em favor da área ou do tema sobre o qual versa. Mas, desde que Bolsonaro assumiu a presidência, o que tem acontecido no Congresso Nacional, com frequência, é a dedicação de muitos parlamentares para destruir regras e normas que funcionam e garantem, no caso do meio ambiente, sua proteção e preservação.

Essas leis são fundamentais e têm garantido, até agora, que os responsáveis por qualquer crime ambiental, fiquem na mira da Justiça e possam responder por seus atos como criminosos. O cenário é desalentador.

Os apoiadores de Bolsonaro, não descansam e – em meio à maior tragédia humanitária do país – insistem em aprovar projetos que ameaçam a vida dos brasileiros e beneficiam uma minoria.

No final de abril, os senadores tentaram passar o projeto de lei apelidado como PL da Grilagem (PLS 510/2021), que flexibiliza as regras de regularização fundiária de terras da União e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Mas, por falta de acordo, ele foi tirado da pauta.

Agora, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados anuncia a votação de um substitutivo do projeto de lei (PL) 3.729/2004 nesta semana.

Se aprovado, esse PL vai praticamente “extinguir o Licenciamento Ambiental, principal e mais consolidado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, destinado ao controle prévio da poluição e de outras formas de degradação ambiental decorrentes das atividades humanas“.

É o que indicam oito organizações não-governamentais socioambientais: Observatorio do Clima (OC), a SOS Mata Atlântica, o Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace Brasil, o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e o WWF- Brasil.

Elas tiveram acesso ao texto do substitutivo do projeto “por outras fontes que não o relator, o deputado federal Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária“.

Veja que interessante: além de inaceitáveis dispensas de licenciamento – são 13!!! -, o projeto ainda prevê que o desmatador obtenha uma licença autodeclaratória (licença por adesão e compromisso). Ou seja, uma licença emitida automaticamente “sem qualquer análise prévia pelo órgão ambiental”, pode tornar-se a “regra do licenciamento no país“.

Segundo a nota-manifesto das organizações, o texto “foi construído a portas fechadas por representantes de setores econômicos com o relator, desconsiderando os consensos construídos nos últimos dois anos sob a coordenação do último relator da matéria e em franca violação aos direitos de informação e de participação, denotando a intenção de atropelar, da noite para o dia, os direitos da população”.

Para Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do OC, que presidiu o Ibama entre 2016 e 2018, trata-se do “pior texto desde 2004”. Para melhor compreensão do documento, ela destaca os artigos 8º em diante, que “falam por si só”.

Fale com os parlamentares

Organizações alertam para a extinção do licenciamento ambiental com 'nova lei', que pode ser votada em breve

Como acontece com todo projeto de lei, a mesma página que oferece informações detalhadas sobre a emenda – como objetivo e tramitação no Congresso -, mantém uma CONSULTA PÚBLICA. É só acessar este link.

Até ontem, o resultado indicava a vitória da opção discordo totalmente, com 75% dos votos.

Mas você pode fazer mais: atormentar os parlamentares que apoiam projetos devastadores como este. Como ? Escrevendo um e-mail ou ligando para seu gabinete pra dizer que você está acompanhando tudo que ele ainda fazendo e que não concorda com este dispositivo.

Na página FALE COM O DEPUTADO (imagem acima) você encontra o deputado federal em questão – Arthur Lira incluído – e acessa seus dados para poder fazer o contato. Se há algo que parlamentares deste tipo não gostam é eleitor cidadão, daqueles que participam e cobram decisões pelo bem comum.

Agora, leia o documento assinado pelas oito organizações contra o substitutivo do do projeto de lei (PL) 3.729/2004, que detona o Licenciamento Ambiental, reproduzido a seguir.

A lei da não-licença e do autolicenciamento: extinção do licenciamento ambiental

Organizações alertam para a extinção do licenciamento ambiental com 'nova lei', que pode ser votada em breve
Foto: Ronan Frias Semas/Fotos Públicas

Em meio ao momento mais grave da maior tragédia humanitária do país, em que a população concentra sua atenção na superação da crise econômica e do luto, denunciamos e alertamos a sociedade brasileira e internacional sobre a tentativa, pelo governo Bolsonaro e a bancada ruralista, de imediata votação de projeto de lei no plenário da Câmara dos Deputados para, na prática, extinguir o Licenciamento Ambiental (PL no 3.729/2004 e apensos), principal e mais consolidado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, destinado ao controle prévio da poluição e outras formas de degradação ambiental decorrentes das atividades humanas.

Para tornar o quadro ainda mais grave, o Presidente da Câmara anunciou há pouco que o projeto entrará na pauta do Plenário na próxima semana, ainda que o texto jamais tenha sido debatido publicamente. O Legislativo, que nos primeiros dois anos do governo havia resistido à pressão por retrocessos na legislação ambiental, agora parece estar se aliando a Bolsonaro em sua anti-política ambiental.

As organizações abaixo-assinadas tiveram acesso ao substitutivo do projeto por outras fontes que não o relator, o deputado federal Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O texto jamais foi disponibilizado às organizações signatárias ou publicado para debate com a sociedade. Além disso, foi construído a portas fechadas por representantes de setores econômicos com o relator, desconsiderando os consensos construídos nos últimos dois anos sob a coordenação do último relator da matéria e em franca violação aos direitos de informação e de participação, denotando a intenção de atropelar, da noite para o dia, os direitos da população.

Considerando o seu conteúdo extremado e desequilibrado, o projeto de lei, se aprovado, resultará na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas.

Se, com a legislação atualmente em vigor, todos os empreendimentos com potencial impacto socioambiental necessitam garantir a sustentabilidade de sua instalação e operação, o projeto em questão pode ser classificado como a “Lei da não licença e do autolicenciamento”. Trata-se da pior proposta já apresentada desde que o projeto de lei começou a tramitar, há dezessete anos.

Em primeiro lugar, prevê extensa lista com treze dispensas de licenciamento para atividades impactantes, previsão que já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo:

  1. obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 kV;
  2. sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, um dos maiores responsáveis pela poluição hídrica, inclusive dispensando-se a outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado;
  3. serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção, podendo abarcar ampla gama de empreendimentos de significativo impacto, de estradas a hidrelétricas; usinas de triagem de resíduos sólidos;
  4. pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; usinas de reciclagem de resíduos da construção civil. Pelo que consta do projeto, a população passará a conviver com o lixo na porta de sua casa, ante a dispensa de controle de diversas atividades relacionadas aos resíduos sólidos. Também ficam expressamente dispensados de licença: o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes;
  5. a pecuária extensiva e semi-intensiva; e
  6. a pecuária intensiva de pequeno porte. Evidencia-se, com esse quadro, arranjo entre determinados setores econômicos e o relator da matéria para simplesmente eliminar o controle prévio dos impactos desses empreendimentos, resultando no descontrole completo de seus impactos socioambientais. Explicita-se a profunda ignorância dos elaboradores do texto sobre a relevância da Avaliação de Impactos Ambientais como ferramenta imprescindível para a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado na Constituição Federal.

Além das inaceitáveis dispensas de licenciamento, o projeto ainda prevê que a licença autodeclaratória (licença por adesão e compromisso), emitida automaticamente sem qualquer análise prévia pelo órgão ambiental, passe a ser a regra do licenciamento no país.

A proposta afirma que todo e qualquer empreendimento não qualificado como de significativo potencial de impacto, que representa a absoluta minoria dos licenciamentos no Brasil, pode ser licenciado mediante esta modalidade automática e sem controle prévio, podendo abarcar todo tipo de empreendimento impactante, incluindo barragens de rejeitos como as que se romperam em Mariana e Brumadinho (MG).

Ainda será aplicada a licença autodeclaratória à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, o que abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas, os quais poderão ser realizados sem a adoção de qualquer medida destinada a conter o impacto do desmatamento e da grilagem de terras no bioma.

Há, além desses, muitos outros retrocessos inaceitáveis, com graves consequências a áreas protegidas, recursos hídricos e direitos de populações impactadas por empreendimentos, além do próprio direito ao meio ambiente equilibrado, como se infere dos exemplos abaixo:

  • Delegação para autoridades e órgãos estaduais e municipais de praticamente todas as definições complementares à lei, resultando na aplicação do licenciamento de forma muito distinta entre estados e municípios, e mesmo decisões caso a caso, o que inviabiliza a segurança jurídica de empreendimentos, a proteção ambiental e a padronização da legislação, além de abrir margem a atos de corrupção e barganha política;
  • Permissão para estados e municípios simplesmente dispensarem atividades impactantes de licenciamento ambiental, gerando uma corrida pela flexibilização ambiental entre esses entes para atrair investimentos sem respeito à legislação;
  • Limitações descabidas e inconstitucionais às condicionantes ambientais, deixando muitos impactos decorrentes de empreendimentos sem qualquer solução, especialmente aqueles sobre as populações impactadas, fato que gerará mais conflitos e judicialização, além de caos absoluto nos serviços públicos de municípios próximos a empreendimentos, como os de saúde, educação, segurança pública e outros, especialmente em casos envolvendo grandes deslocamentos de pessoas;
  • Dispensa de adoção de medidas para conter impactos de empreendimentos sobre o desmatamento, a saúde pública e outros bens resguardados pelo Poder Público;
  • Inúmeras restrições à aplicação da Política Nacional de Recursos Hídricos, mediante a dispensa de outorga de recursos hídricos, podendo um empreendimento ser licenciado sem a necessária garantia de disponibilidade de recursos hídricos, além do descontrole sobre o lançamento de efluentes;
  • Dispensa ao empreendedor de garantir conformidade com a legislação municipal pertinente, mediante a exclusão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano;
  • Exclusão da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todas as Terras Indígenas que ainda não tenham sido efetivamente demarcadas, o que representa cerca de um quarto do total;
  • Eliminação da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todos os Territórios Quilombolas que ainda não tenham sido titulados, o que representa 87% do total;
  • Exclusão da análise de impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação, abrindo caminho para a sua destruição e inviabilizando a proteção ambiental, com impactos nefastos sobre a biodiversidade;
  • Eliminação da avaliação do impacto de empreendimentos sobre a saúde humana;
  • Permissão para expedir licença ambiental sem a avaliação dos órgãos e sem a adoção de medidas para a proteção de Terras Indígenas, Unidades de Conservação, TerritóriosQuilombolas e Patrimônio Histórico/Cultural;
  • A definição de distâncias ínfimas como áreas a serem consideradas como“pressuposto” para a Avaliação de Impacto Ambiental sobre Terras Indígenas, Unidades de Conservação, Territórios Quilombolas e Patrimônio Histórico/Cultural, medida inconstitucional e sem qualquer embasamento;
  • Ausência de qualquer tratamento à questão das mudanças climáticas;
  • Desrespeito ao princípio da análise integrada e da harmonia entre as políticas públicas, ao pretender promover alterações e retrocessos em outras importantes leis ambientais, como a Lei no 9.985/2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades deConservação);
  • Tentativa de eliminação da Responsabilidade Socioambiental das instituiçõesfinanceiras rebaixando seu papel à mera consulta sobre vigência de licenças;
  • Exclusão de qualquer previsão sobre a Avaliação Ambiental Estratégica e o Zoneamento Ecológico-Econômico, ao contrário do que constava de todas as demaispropostas sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental;
  • Permissão para renovação automática da licença ambiental por mera autodeclaraçãode conformidade do empreendedor, sem qualquer verificação sobre o cumprimento das condicionantes ambientais.É absurdo votar um tema tão relevante, complexo e com altíssimo grau de divergência em plena crise sanitária, quando o Parlamento deveria concentrar seus esforços na votação de matérias e no acompanhamento de ações governamentais de controle da pandemia.

    Não pode ser votada agora, ainda mais no plenário da Câmara dos Deputados, uma proposta como a da Lei Geral de Licenciamento Ambiental. que impacta praticamente todas as atividades socioeconômicas e os direitos de todos/as os/as brasileiros/as, especialmente diante de um texto construído às escondidas entre o relator e representantes de alguns setores econômicos, sem que a sociedade tenha qualquer conhecimento prévio e possa debater com seriedade e profundidade o conteúdo.

    Diante disso, na oportunidade em que convidam o relator a debater publicamente o seu texto – o que seria seu primeiro debate público desde que assumiu a relatoria –, as organizações signatárias convocam a sociedade brasileira a se engajar para defender seu direito ao meio ambiente, seriamente ameaçado com a iminente votação do Projeto de Lei nº 3.729/2004, que, em sua última proposta, a pior de todas já apresentadas, pretende a extinção do licenciamento ambiental na prática, com significativos e irreversíveis danos socioambientais.

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Foto: Marcos Vergueiro/SECOM-MT

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.