ONU lança campanha para proteger ativistas ambientais. Brasil é um dos países mais perigosos

Maria do Socorro Silva, na foto acima, está entre os dez protetores do meio ambiente escolhidos pela Organização das Nações Unidas para representar a campanha que lançou no Brasil esta semana – a Iniciativa da ONU de Defensores Ambientais– no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Com ela, reafirma seu compromisso com a vida e os direitos humanos, num ano muito especial já que, em 2018, a  Declaração dos Direitos Humanos completa 70 anos. Para apoia-la, a instituição conta com dois parceiros: a ONG Global Witness, que apresenta seu relatório anual, e o jornal britânico The Guardian. Uma exposição com imagens de dez ambientalistas, feitas pelo fotógrafo Thom Pierce, também fez parte desse encontro.

São eles (na foto abaixo, da esquerda para a direita, de cima para baixo)Samuel Loware, Uganda; Maria do Socorro Silva, Brasil; Ramón Bedoya, Colômbia; Marivic Danyan, Filipinas; Robert Chan, Filipinas; Isella Gonzalez, México; Tuğba Günal e Birhan Erkutlu, Turquia; Fatima Babu, Índia; e Nonhle Mbuthuma, África do Sul.

O Brasil é um dos países mais perigosos para os defensores do meio ambiente. Por isso, a iniciativa é uma resposta da ONU à escalada de violência enfrentada por todos que estão “na linha de frente” da proteção ao meio ambiente, de forma destemida, em um momento em que a perda da biodiversidade atinge níveis alarmantes. É só acompanhar o aumento do desmatamento na Amazônia, a partir dos dados mensais divulgados pelo Imazon.

Em 2018, o desmatamento na Amazônia Legal (reune nove estados e corresponde a 60% do território nacional), so aumentou: em julho, foi 27% maior do que no mesmo período do ano passado.

A iniciativa da ONU é também um convite para que os brasileiros se conscientizem dessa realidade e ajudem a impedir que as intimidações, as ameaças e os assassinatos desses líderes, que lutam pelos direitos à terra, continuem. E a impunidade também.

“Ano após ano, em uma amarga luta pela terra, mais ambientalistas e defensores são mortos no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo. Nossos dados mostram que, em 2017, 57 ativistas foram mortos no país, 25 deles durante três assassinatos em massa”, disse Billy Kyte, líder da campanha dos defensores pela Global Witness (GW), durante o lançamento no Rio de Janeiro. A GW é uma organização internacional que denuncia abusos aos direitos humanos no mundo todo.

Kyte ainda destacou que inúmeras comunidades estão sendo brutalmente silenciadas “à medida que enfrentam indústrias destrutivas, funcionários corruptos e a devastação ambiental”. E aproveitou a proximidade das eleições no Brasil para falar de justiça. “As empresas, o governo e todos os candidatos das próximas eleições devem se comprometer a enfrentar essa questão, fortalecendo as instituições que protegem os direitos à terra, povos indígenas e defensores dos direitos humanos e assegurando que a justiça seja feita”.

Erik Solheim, diretor-executivo da ONU Meio Ambiente, também se pronunciou: “Os defensores do meio ambiente são os heróis desconhecidos desta era, e cabe a nós ficar lado a lado com eles, enquanto se firmam no direito mais fundamental — o de ter um planeta seguro para se viver.” E completou: “É uma tragédia chocante que tantos defensores em todo o mundo estejam pagando o custo final pelo seu trabalho. É nossa responsabilidade garantir que eles não sejam silenciados”.

O relatório

Anualmente, a Global Whitness divulga documento sobre a situação dos defensores ambientais pelo mundo. No ultimo – A que preço? – que dá base à Iniciativa da ONU, revela que, em média, quase quatro ativistas estão sendo mortos por semana. Uma barbárie!! Sem falar de outros tantos que são perseguidos, ameaçados e forçados a sair de suas terras.

Outro dado tenebroso: 207 ambientalistas foram mortos em 2017, no Brasil, e cerca de 25% eram de comunidades indígenas. Esse foi o pior ano – até agora – para os defensores da terra em nosso país, principalmente para os que vivem na Amazônia, que se tornam alvos dos madeireiros e do agronegócio (no caso da agricultura, por causa da soja, do óleo de palma e do eucalipto) ao defender suas comunidades.

E, aqui, é importante destacar que há uma conexão estreita entre essa violência e os produtos que mais consumimos. Ela é promovida por setores como mineração, agronegócio (mais que a mineração, veja informacoes no próximo parágrafo!), caça ilegal e extração de madeira. Ou seja, todos produzem ou roubam (no caso do desmatamento) ‘insumos’ utilizados em produtos que abastecem os supermercados e as lojas todos os dias: soja para carne bovina, óleo de palma para cosméticos e madeira para móveis.

Vale destacar, aqui, que, pela primeira vez nos relatórios da GW, o agronegócio foi a indústria mais sangrenta, com pelo menos 46 assassinatos. Os assassinatos ligados à mineração aumentaram de 33 para 40, e 23 assassinatos foram relacionados à exploração madeireira.

E ainda há casos em que governos são cúmplices de assassinatos, ou omissos.

O relatório incluiu alguns dos assassinatos mais terríveis que já aconteceram no mundo: o de Herman Bedoya, na Colômbia, que foi baleado 14 vezes por um grupo paramilitar porque protestou contra o óleo de palma e as plantações de banana em terras roubadas de sua comunidade (seu filho é um dos ativistas escolhidos para a campanha da ONU); o massacre de oito aldeões nas Filipinas porque se opuseram a uma plantação de café em suas terras; e, no Brasil, em 2017, o ataque violento de fazendeiros, com facões e rifles, que deixaram pelo menos 13 indígenas da etnia Gamela gravemente feridos, sendo que um teve suas mãos decepadas.

O caso mais recente da série de fatalidades que têm ocorrido no país, com total impunidade, é o de Jorginho Guajajara, líder do povo Guajajara, que, em agosto, foi encontrado morto perto de um rio, no Maranhão.

Não é à toa que figuramos no relatório da Global Whitness como o país mais perigoso do mundo para o ativismo ambiental.

Entre os presentes ao encontro, estava o juiz Antonio Herman Benjamin, do STJ, que também preside a Comissão Mundial de Direito Ambiental, que salientou: “Os ataques aos defensores ambientais em todo o mundo representam o colapso do Estado de Direito. Nenhuma nação pode alegar ser realmente civilizada quando o direito fundamental de defender os direitos coletivos e a conservação da natureza colocar a vida, a segurança ou a família em risco. É dever das instituições do Estado, inclusive dos juízes, e da sociedade como um todo, parar e punir esses ataques”.

E destacou a urgência de agir: “Portanto, precisamos fazer mais, agora, para fortalecer global e nacionalmente o reconhecimento e a proteção daqueles que têm a sabedoria e a coragem de dar voz à Mãe Terra e às gerações futuras”.

Seu discurso é absolutamente condizente com o pensamento ao qual se propõe a ONU Meio Ambiente: “Se opõe ao assédio dos defensores ambientais e convoca todos os governos a priorizar a proteção dos defensores do meio ambiente e levar seus agressores à justiça com rapidez e sem impunidade”.

Outros dados importantes do relatório da GW:
– As Filipinas ficam em segundo lugar no ranking desse tipo de violência: 48 defensores foram mortos, em 2017, o maior número já documentado em um país asiático;
– 60% dos assassinatos registrados ocorreram na América Latina. O México e o Peru viveram um salto nos assassinatos, de três para 15 e de dois para oito, respectivamente. A Nicarágua foi o pior lugar per capita, com 4 assassinatos;
– Enfrentar caçadores ilegais tornou-se ainda mais perigoso, com um recorde de 23 pessoas assassinadas por se posicionarem contra o comércio ilegal de animais selvagens — quase todas guardas florestais na África.
– A Global Witness associou 53 dos assassinatos do ano passado a forças de segurança governamentais, e 90 a atores não estatais, como gangues criminosas.
– Houve uma grande diminuição nos assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente em Honduras, embora a repressão à sociedade civil em geral esteja pior do que nunca.

A exposição itinerante

As imagens produzidas para o lançamento da Iniciativa da ONU ficaram expostas apenas durante o encontro no Rio de Janeiro. São três para cada luta, portanto, 27 imagens no total: um retrato feito em estúdio, um retrato em seu meio ambiente e um registro do problema ambiental que o/a ativista enfrenta. Muito interessante!

Abaixo, estão os retratos de Maria do Socorro Silva, que aparece no destaque deste post, feito em estúdio. E também imagem da região de Barcarena, ameaçada pela grilagem e pela poluição.

No encontro no Rio de Janeiro, ela contou um pouco de sua história: “Sou ativista e tenho que continuar defendendo a vida, lutando contra empresas que jogam metais pesados ​​no rio e no ar. Nosso solo não produz mais, está totalmente contaminado. Queremos viver e queremos que as futuras gerações também vivam de forma saudável. Meus amigos ativistas e eu estamos sendo ameaçados, outros já foram assassinados e estamos nos escondendo, lutando para salvar o meio ambiente. Queremos ver nossos rios cheios de peixe novamente. Queremos beber água limpa e não envenenada”, declarou ela.

Agora, a mostra segue para exibição em outros encontros realizados pela ONU pelo mundo, relacionados aos direitos humanos.

Como participar da campanha

Diante desse cenário, o envolvimento da sociedade brasileira é imprescindível. Todos podem lutar contra isso, pressionando empresas e os governos, em todos os âmbitos.

A GW listou uma série de recomendações para ambos. “Assim como fazem parte do problema, podem fazer parte da solução”, está escrito no site da ONG. Como? Não aprovando projetos de mineração em suas terras, apoiando e defendendo os ambientalistas em risco, por exemplo.

Outra forma de luta é pressionar a grande mídia – que tem maior poder de penetração – para que não se omita e denuncie. E todos podem espalhar notícias de abusos em suas redes sociais e se inscrever para receber noticias atualizadas da GW.

O relatório da Global Whitness está disponível online, na íntegra. Pra saber mais, clique aqui.

Agora, assista ao vídeo da campanha da GW, com depoimentos de ambientalistas que tiveram parentes assassinados ou estão em risco de vida.

Fotos: Thom Pierce/The Guardian/Global Witness/UN Environment

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.