‘Onde estão Bruno e Dom?’ Embaixada brasileira pede desculpas à família de Dom por informação falsa sobre os corpos; as buscas continuam e as manifestações também

Atualizado em 14/6/2022

Hoje, o embaixador do Brasil no Reino Unido, Fred Arruda, pediu desculpas à família de Dom pela informação falsa, declarada a ele por um funcionário da embaixada (Robert Doring) sobre os corpos de Dom e Bruno. As buscas e manifestações continuam: além dos povos indígenas do Vale do Javari se reunirem em Atalaia do Norte ontem, estão acontecendo marchas em algumas capitais pelo país, como. Brasilia, Belém, Recife e BH estão outras. Segue abaixo o texto que escrevi em 13/6/2022, sem alteração.

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Esta segunda-feira começou com uma notícia muito triste que se espalhou rapidamente: os corpos de Bruno Pereira e de Dom Phillips haviam sido encontrados. 

No entanto, assim que a Polícia Federal e a Univaja – União dos Povos indígenas do Vale do Javari (que organiza as buscas desde 5 de junho), tomaram conhecimento dela, a desmentiram.

Em nota da Operação Javari, a Superintendência Regional de Polícia Federal no Amazonas declarou: 

“O Comitê de Crise, coordenado pela Polícia Federal/AM, informa que não procedem as informações que estão sendo divulgadas a respeito de terem sido encontrados os corpos do Sr. Bruno Pereira e Dom Phillips. Conforme já divulgado, foram encontrados materiais biológicos que estão sendo periciados e os pertences pessoais dos desaparecidos. Tão logo haja o encontro dos corpos, a família e os veículos de comunicação serão imediatamente informados”. 

Ontem, a PF confirmou que os objetos encontrados são de Bruno (calça, chinelo, botas, cartão de saúde e outros documentos) e de Dom (mochila com roupas, botas e um laptop). 

O advogado da UnivajaEliesio Marubo, que organizou equipes em busca de Bruno e Dom desde o primeiro dia, declarou: “Eu já falei com a equipe em campo e isso não é verdadeiro. Acredito que houve uma má comunicação, mas não é verdadeiro, não. E seguem as buscas”.

De acordo com relato de Tom Phillips, do jornal britânico The Guardian, que está no Vale do Javari acompanhando as buscas, os indígenas “acreditam que os restos mortais dos homens serão encontrados em breve em uma área de floresta inundada, onde, no sábado, suas equipes de busca encontraram alguns de seus pertences pessoais”.

E o jornalista indígena Rafael Nakamura nos lembra que os resultados das buscas, até agora, se devem principalmente ao trabalho dos povos indígenas do Vale do Javari: “os Marubo, Matis, Matsés, Kanamari e Kulina seguem empenhados em ajudar. São quem melhor conhece cada calha de rio e quem melhor lê os sinais na mata”.

Mal entendido?

Hoje cedo, Alessandra Sampaio, esposa de Dom, escreveu ao jornalista André Trigueiro para contar sobre o paradeiro dele e de Bruno, assim que recebeu a notícia de Paul Scherwood, cunhado do marido. Este havia recebido a informação do ministro e conselheiro da embaixada brasileira no Reino Unido, Roberto Doring, que disse que dois corpos tinham sido encontrados, mas ainda não identificados.

Comovido, Trigueiro divulgou a notícia no Twitter com sua autorização – “Alessandra, mulher de Dom Phillips, acaba de me informar que foram encontrados os corpos do marido e do indigenista Bruno Pereira -, e, em seguida completou: 

“Alessandra voltou a fazer contato dizendo que recebeu há pouco ligação da PF informando que os corpos precisam ser periciados. A Embaixada Britânica já havia comunicado aos irmãos de Dom Phillips que eram os corpos do jornalista e do indigenista. Agora todos aguardam a perícia”.

Ao repórter Tom Phillips, Scherwood contou: “Ele não descreveu o local e apenas disse que era na floresta tropical e disse que eles estavam amarrados a uma árvore e ainda não haviam sido identificados”.

Trigueiro também conversou com Scherwood e tentou contato com Doring, sem retorno. 

E, logo no início da tarde, Beatriz Mattos, esposa de Bruno, foi às redes sociais cobrar explicações da embaixada brasileira. 

“A polícia federal tem o compromisso de passar as informações para a família primeiro e para a superintendência de Manaus, eles confirmaram para gente que nenhum corpo foi encontrado, conforme nota oficial. É necessário que se apure de onde o embaixador tirou essa informação”.

Há pouco, Beatriz acrescentou: “A confusão causada pela embaixada brasileira em Londres não pode desmobilizar as buscas que, ao contrário, devem ser intensificadas. Nós familiares precisamos de respostas e certezas, e só com evidências reais teremos isso.

A jornalista Katia Brasil, da agência Amazônia Real, fez um comentário no Twitter que completa o que Beatriz destacou: “No jornalismo, nós sabemos que o anúncio de mortes precisa de duas conferências: uma, oficial e outra, da família. A Embaixada do Brasil no Reino Unido deve explicação urgente!!”.

Indígenas em Atalaia do Norte: solidariedade e protesto

Foto: reprodução do vídeo de Vinícius Vafré/Twitter

Vestindo seus trajes tradicionais, carregando lanças e cantando em suas línguas originais, centenas de indígenas do Vale do Javari percorreram as ruas de Atalaia do Norte para demonstrar solidariedade às famílias de Bruno e Dom e sua indignação com os casos de violência que se acumulam na região.

Marcharam também para exigir justiça e denunciar o ataque histórico ao meio ambiente e às terras indígenas do Brasil, em especial desde que Bolsonaro assumiu a presidência do país, em 2019.

Como a cidade está repleta de jornalistas do mundo inteiro, que acompanham as buscas pelos dois ativistas, os indígenas se dispuseram a participar de uma conversa na praça principal de Atalaia, próxima do hotel onde Bruno e Dom ficaram antes de partirem para o Lago do Jaburu.

Eles falaram sobre o empenho dos indígenas nas buscas, a importância de serem ouvidos para a checagem de informações (ainda mais depois da confusão de hoje sobre os corpos dos desaparecidos) e ainda pediram a federalização do caso”.

“Bolsonaro não serve pra nada, mas, se Deus quiser, ele será derrotado nas eleições de outubro”, bradou Kura Kanamari, líder do povo Kanamari, que acrescentou:

“Não queremos guerra com ninguém. Tudo o que queremos é nossa paz e que nossas terras sejam respeitadas porque ‘nosso supermercado’ está nos lagos, na terra e nas florestas. Se tudo isso for destruído, nossos parentes isolados passarão fome”.

Tom Phillips conta, em sua reportagem, que outra liderança indígena perguntou para a multidão: “Por que o governo Bolsonaro odeia tanto os indígenas? Nunca fizemos nada para prejudica-los”. E um terceiro aproveitou a deixa para gritar: “Bruno se foi, mas todos nós, indígenas, ainda estamos aqui. Agora, somos Bruno e Dom”. 

Os manifestantes portavam faixas e cartazes com frases como “Quem matou Bruno e Dom?”, “Bolsonaro, fora!” e “Basta de derramamento de sangue daqueles que defendem os indígenas”. 

Para o padre italiano Giuseppe Leoni, que vive na Amazônia há 50 anos, declarou que Bruno e Dom deixaram um legado de dedicação às comunidades indígenas e Bruno ensinou-os a defender suas florestas e contar suas histórias ao mundo, o que pode inspirar futuras gerações de defensores ambientais e indígenas. ”São sementes lançadas o mundo, que dão exemplos de vida”. 

Petição e crowdfunding

Para ajudar a pressionar o governo e exigir que as buscas sejam intensificadas, o cineasta, roteirista e fotógrafo Jorge Bodanzky e o jornalista Denis Burgierman lançaram uma campanha em forma de abaixo-assinado. Até o fechamento deste texto, 21h, 21.231 pessoas haviam assinado.

E, se você puder, contribua com a campanha de crowdfunding ‘Por Dom e Bruno, lançada por seus amigos para apoiar as duas famílias na cobertura dos custos que virão devido a este episódio triste em suas vidas.

Os recursos arrecadados serão divididos igualmente entre as famílias: como a situação e as necessidades podem mudar drasticamente, os amigos preferiram deixar que elas decidam a melhor maneira de usá-lo”.

Ilustração: Cris Vector

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.