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O risco é benéfico para o desenvolvimento das crianças

Recentemente deparei-me com uma foto da década de 30, de um escorregador na praia da Urca, no Rio de Janeiro. Era tão alto que sua estrutura assemelhava-se a um andaime e chegava a ter dois lances de escadas. A prancha onde se escorregava era bem longa, e desembocava as crianças dentro do mar.

Hoje, no mesmo bairro, o único escorregador disponível na pracinha das crianças é bem diferente. É feito de plástico, baixo e sua escada tem apenas oito degraus. Não se faz mais equipamentos lúdicos como os de antigamente. Eram altos, ousados e muito “perigosos” para os padrões de segurança de hoje. Nem os pais e nem as empresas que os fabricam toleram tamanha exposição das crianças ao risco.

O mundo está em constante movimento e se há algo que mudou radicalmente é a tolerância dos adultos ao risco. O tipo de risco ao qual me refiro não é aquele que coloca a vida da criança sob ameaça, como afogamento, sufocação ou atropelamento – os tipos de acidentes mais comuns em crianças de 0 a 14 anos e a principal causa de morte nessa faixa etária, como apontam os dados disponibilizados pela ONG Criança Segura. Refiro-me aos riscos benéficos, àqueles que são inerentes ao brincar na natureza, como altura, velocidade, movimentos em terrenos desnivelados ou manuseio de instrumentos assimétricos e pontiagudos, vivências pelas quais as crianças anseiam.

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O ambiente ao ar livre convida as crianças a exercerem verbos genuínos da infância: correr, pular, escalar, escorregar e explorar. Elas amam a sensação do corpo balançando, gostam de sentir o frio na barriga quando escorregam e de realizar o esforço de escalar até o galho mais alto da árvore. Esses movimentos potentes e expansivos do corpo são incompatíveis com controle e com o previsível. O medo de a criança se machucar é nutrido pela nossa falta de intimidade com a natureza e oprime os impulsos do corpo e os gestos espontâneos no brincar. São efeitos colaterais da vida urbana.

Quando o assunto é segurança, saber a diferença entre risco e perigo é fundamental. O perigo é uma condição imposta, como por exemplo o fogo, que vai sempre representar um perigo. Mas em que momento um perigo passa a representar também um risco? Na forma como interagimos com ele! O risco está relacionado à probabilidade de um acidente acontecer.

O que cabe a nós é ponderar previamente a forma de lidar com uma situação ou um fenômeno perigoso. É preciso avaliar a probabilidade de algo acontecer  e a gravidade da consequência, e decidir se essa equação vale a pena. Como bem nos lembra a educadora Renata Meirelles, em seu belo artigo sobre a interação da criança com o fogo,a segurança começa pelo domínio que se cria a partir da interação com determinado elemento, e não pelo afastamento deste.

Viver é perigoso por si só. Mães e pais vivem um paradoxo: querem que seus filhos sejam resilientes e que lidem bem com as incertezas mas não os permitem viver situações que propiciam os aprendizados necessários. Com a melhor das intenções, acreditam que evitar a exposição das crianças aos riscos benéficos é sinônimo de cuidado e proteção.

Quem mais perde com essa relação que tolhe o desafio são as crianças. O poeta Pedro Bandeira em seu poema Vai já para dentro, menino questiona:

Como eu vou saber da chuva
se eu nunca me molhar?
Como eu vou sentir o sol
se eu nunca me queimar?

Da mesma forma, a criança só tem um jeito de adquirir os recursos internos para fazer uma boa avaliação dos riscos: arriscando-se. Se ela tem uma bagagem de experiências é bem provável que ela tome decisões mais acertadas.

A experiência de assumir riscos é uma condição para o desenvolvimento sadio das crianças, ninguém se desenvolve se isolando de risco. O risco permite que elas adquiram consciência sobre suas próprias limitações e desenvolvam virtudes como resiliência, coragem e autoconfiança para irem além.

Proteger as crianças de qualquer perigo é um instinto de todos nós. É preciso também acreditar na capacidade das crianças, confiar em suas habilidades e no interesse que elas têm em proteger sua própria vida. Considerando que o mundo é cheio de riscos, as crianças precisam ter oportunidades para desenvolver sua capacidade de reconhecê-los e avaliá-los para reagir a eles de forma adequada.

Os riscos benéficos devem ser um elemento presente no dia a dia das crianças, em todos os ambientes que ela frequenta.

Precisamos de educadores que garantam tempo na rotina escolar para as crianças terem oportunidades de brincar nos pátios escolares e em outros territórios educativos, com autonomia e liberdade para desafiar-se.

Precisamos de secretarias municipais e estaduais que elaborarem políticas e processos que permitam que as escolas desenvolvam atividades que incluam risco em níveis benéficos.

Precisamos de arquitetos, planejadores urbanos e empresas que desenhem equipamentos lúdicos, ambientes escolares e espaços públicos que levem em consideração os benefícios do risco.

O antropólogo francês David le Breton afirma que o perigo inerente à vida consiste certamente em nunca se arriscar. Permitir que as crianças tenham oportunidades de assumir riscos cria uma bagagem emocional que permite que elas interajam com o mundo e se sintam capazes para tal. Esta é uma responsabilidade de todos.

Foto: Laís Fleury

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Sandra
Sandra
6 anos atrás

Muito difícil distinguir um “risco benéfico” de um “risco potencialmente perigoso” principalmente quando os responsáveis não se enquadram na categoria de pais e mães inseridos no contexto de liberdade com moderação e contenção sem prisão. Diferenciar um do outro não é fácil e o que acontece são pais super protetores traumatizando os filhos com excesso de cuidados versus aqueles outros bonachões, tranqüilões e acomodados que não enxergam perigo em coisa alguma, nem que um bandido aponte uma arma na direção deles. Depende muito do ponto de vista de se considerar “benéfico” o risco do “manuseio de objetos assimétricos e pontiagudos” porque nem todas as mães conseguem descontrair e curtir a paisagem enquanto o filhote se aventura em riscar fósforos ou brincar de Tarzan no galho mais alto da árvore, desafiando a gravidade e se achando o super herói da vez. Vivemos um tempo surreal em que não se pode “largar” os pirralhos na calçada para brincar de ciranda ou amarelinha, jogar bola de gude e pique porque a coisa tá brincadeira não, nem pra gente que, mesmo “sabendo” viver, não está isento de “dançar”.

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