O que acontece quando os espaços escolares ganham mais diversidade, mais vida?

Em setembro deste ano, o Programa Criança e Natureza participou da 6a Conferência da Internacional School Ground AllianceISGA (Aliança Internacional de Pátios Escolares), realizado em Berlim, que teve como tema a Diversidade de Pátios Escolares.

A Internacional School Ground Alliance é uma organização sem fins lucrativos que articula uma rede de instituições ao redor do mundo para propor melhorias ao aprendizado e as experiências das crianças por meio de mudanças na forma como os espaços escolares são desenhados e utilizados. Nessa concepção o bem estar das crianças e a diversidade de paisagens nos espaços escolares são intrinsecamente relacionados ao aprendizado. A rede considera que os pátios escolares podem ser excelentes oportunidades para proporcionar suporte para todo o desenvolvimento do ensino e como fundamento para o enriquecimento desses ambientes, defendem a criação de espaços escolares, ou pátios escolares, naturalizados.

Essa rede busca reunir experiências de diversos países que re-significaram seus pátios escolares, substituindo extensas superfícies pavimentadas por um rico mosaico de espaços de aprendizado com a natureza e de liberdade para o ócio e para o brincar.

Para o redesenho dos pátios escolares, essa rede sugere que a composição dos espaços deve considerar: a criação de ricas oportunidades para:
– o aprendizado pela prática;
– a nutrição física, social e emocional e o desenvolvimento e bem estar dos estudantes;
– a ecologia local e o contexto sociocultural dos estudantes;
– que os espaços possam ser acessíveis para a comunidade local e, por fim,
– assumir a tomada de risco como componente essencial do aprendizado e desenvolvimento da criança.

As experiências apresentadas durante a conferência sob o título de pátios escolares naturalizados representou uma boa amostra de transformações vividas nos espaços escolares: a maior parte delas investiu na retirada do pavimento dos pátios; desnivelamento do relevo dos terrenos, criando desafios para o desenvolvimento físico das crianças; e lançaram mão do paisagismo para criar nichos que proporcionassem conforto, bem estar e cantos mais privativos.

Essas iniciativas partiram do princípio que o espaço escolar deve conter elementos naturais, para:
– favorecer o aprendizado de experiências práticas, a diversificação de ofertas para o livre brincar;
– criar lugares para o descanso e contemplação;
– contemplar espaços para o encontro e para que as crianças pudessem estar em liberdade, sem o direcionamento e supervisão dos adultos o tempo todo.

O espaço planejado para o enriquecimento de experiências sugere, por si mesmo, ações para as crianças: correr, escalar, descobrir, esconder, descansar, ações que fazem parte de um leque de opções que a natureza oferece, e que acolhe os diferentes humores e traz, ainda, uma possibilidade restaurativa ao bem estar de diferentes crianças. Em verdade, é a simplicidade que reina aqui: árvores, plantas, tocos, areia, pedras, água, abrigos, cantos, bancos, etc.

A presença da natureza propõe diferentes tipos de interação e de aprendizados para as crianças. O carácter diverso da natureza e a teia de inter-relações intrínseca, contribuem para uma noção mais sistêmica da própria vida. O observar das interações entre insetos, pássaros, plantas, solo e a água, assim como do crescimento, do florescer, da frutificação e da própria morte, ensina muito sobre os ciclos da vida e da interdependência entre os seres vivos. A criação desses espaços de experiências e do vínculo com a natureza durante a infância pode ser um importante alicerce para a formação de futuros guardiões da riqueza natural no mundo.

No Brasil, cerca de 84% da população vive em cidades. O modelo de desenvolvimento da maioria das cidades prioriza a construção civil em detrimento das áreas verdes públicas, deste modo o acesso das crianças à natureza tem se tornado cada vez menos frequente. Soma-se a esse aspecto outra barreira: a questão da desigualdade social e violência urbana. Isso tem afastado a presença das crianças de espaços livres e públicos da cidade, o que tem sido considerado como um fenômeno atual de uma infância emparedada, em que as crianças estão em boa parte do tempo restritas a ambientes fechados e entretidas muitas vezes por atividades dirigidas ou uso de eletrônicos.

Os efeitos nocivos desse estilo de vida na infância são complexos e inter-relacionados e diversos campos da ciência têm apontado alguns deles como o aumento expressivo das diversas formas de medicalização e o aumento da obesidade infantil.

Nesse contexto, onde a maior parte das crianças está crescendo em centros urbanos, é possível pensar que, se as crianças não tiverem contato com a natureza em suas escolas, nas quais passam grande parte de seu tempo, é possível que elas não o tenham ao longo de sua infância. Por isso, consideramos que os espaços escolares naturalizados podem ser considerados como locais estratégicos para o desenvolvimento saudável e a diversidade de experiências de aprendizado e de vida das crianças.

Por outro lado, não são apenas as crianças que se beneficiam ao encontrar, nos pátios escolares, espaços para suas diferentes necessidades. A cidade também é beneficiada. Imaginem que, em quase todo bairro, existe uma escola. Agora, imaginem que os pátios escolares possuem chão de terra, árvores, diversidade ecológica. Não é difícil concluir que os espaços escolares mais naturalizados oferecem um serviço ambiental às suas cidades, contribuindo de forma significativa para a criação de solos permeáveis, com a diversidade ecológicas das cidades, a atração de aves, melhorando a polinização de espécies e da própria qualidade do ar. Deste modo os espaços escolares poderiam ser considerados como parte do sistema de áreas verdes de um município.

Aqui, no Brasil, já temos algumas conquistas em relação a concepção de espaços externos na educação infantil, dadas as necessidades específicas da infância como o livre brincar, da ampla movimentação e da fase específica de desenvolvimento corporal, emocional, cognitivo e social vivida nessa fase da vida humana. O desenvolvimento de todos esses aspectos humanos durante a infância é entendido como educação integral, entretanto consideramos que a integralidade do ser humano na educação não deva se restringir à infância.

O ensino fundamental ainda enfrenta o desafio da supremacia do desenvolvimento cognitivo em detrimento de outros aspectos fundamentais para abarcar as diversas potencialidades de uma pessoa. Acreditamos que os pátios escolares naturalizados podem também beneficiar o desenvolvimento integral de jovens e adolescentes, enriquecendo as possibilidades de aprendizado pela prática, como o manejo de composteiras, hortas, experiências com uso de energia solar ou eólica, entre outras possibilidades que podem fazer da natureza, no espaço escolar, um grande laboratório de investigações e desenvolvimento de pesquisas, além de favorecer o desenvolvimento físico, social e o bem estar de todos.

O Brasil é um país com rica biodiversidade, ancorado em tradições fundadas na natureza. Temos ao nosso favor o clima tropical e nossa criatividade frente aos não raros escassos recursos financeiros. Já existem muitas iniciativas que mostram que esses ingredientes podem ser o fermento de muitas transformações. E você, o que pode fazer para tornar as escolas mais verdes e mais acolhedoras?

Fotos: Paula Mendonça

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Paula Mendonça

Mestre em educação pela Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre infância indígena. Atuou cerca de 10 anos no Parque do Xingu por meio do Instituto Socioambiental. É co-diretora do curta metragem Waapa, realizado em parceria com o Projeto Território do Brincar. É assessora pedagógica do Programa Criança e Natureza do Alana. Mãe da Nina e Luana.