O povo Paumari das águas

indígenas Paumari pescando pirarucu na Amazônia

Imagine-se numa canoa de não mais de 3 m de comprimento e 40 cm de largura, na altura da lâmina d’agua, sendo que qualquer movimento pode ‘emborcar’ a pequena embarcação. Agora, fique em pé na proa, com a leveza de uma garça, segure uma haste de madeira de 4 m de comprimento e olhe fixamente para a superfície espelhada do lago que reflete um calor lancinante. E, nos próximos 20 a 30 minutos, tente acompanhar qualquer movimento sutil naquelas águas, e talvez você esteja prestes a se deparar com o maior peixe que habita as águas amazônicas.

Sutilmente, ele surgirá numa fração de segundos para sumir logo depois, como por encanto. Neste momento, você terá que decifrar a direção para a qual este grande peixe rumou e lançar o arpão num movimento certeiro.

Se isto der certo, você ainda terá que trazer à tona um pirarucu que, certamente, pesará pelo menos 80 quilos, embarcar sozinho para dentro da pequena canoa e remar calmamente como se isto fosse a atividade mais simples de realizar.

Foram cenas como esta que se mesclaram a histórias memoráveis, durante as duas semanas em que convivi com os indígenas Paumari, conhecidos como O Povo das Águas.

Eles habitam casas de palafitas ou pequenas embarcações, vivendo quase que exclusivamente em rios, lagos e áreas de várzea. Por conta disto, sua relação com ambientes e seres aquáticos vai além da simples sobrevivência; para esta etnia indígena, a água e os peixes fazem parte de um cosmo que direciona sua vida social. O pirarucu, no entanto, transcende a mitologia indígena e se fortalece como uma forma de sustento para um povo inteiro.

Em 2013, os Paumari realizaram a primeira pesca manejada do pirarucu, após cinco anos de abstinência, quando realizaram uma força tarefa na vigilância dos inúmeros lagos que permeiam suas terras, proibindo a entrada de pescadores predatórios.

Tudo isto para recuperar o estoque pesqueiro, muito debilitado e escasso. O fruto desta dedicação começou a ser colhido com a primeira pesca manejada de Pirarucu realizado por uma etnia indígena, autorizada pelo Ibama.

Com o apoio da OPAN – Operação Amazônia Nativa e outras instituições parceiras, os Paumari criaram uma metodologia para que todos os indígenas interessados em participar do manejo pudessem trabalhar e ganhar com isto. Assim, desde os pescadores até as mulheres que zelavam pela alimentação do grupo ganharam com a atividade.

Isto só fortaleceu a união das diversas aldeias que se espalham na terra indígena ao longo do Rio Tapauá, pois vendo in loco o fruto de uma atividade comunitária, entendem a importância de juntar os esforços de um povo inteiro ao redor de uma atividade que, no final das contas, todos sabem fazer tão bem.

Recentemente, os Paumari e seus pirarucus foram alvo dos olhares de centenas de brasileiros que se interessam pela conservação da biodiversidade, e alguns políticos que, de certa forma, estão envolvidos neste assunto.

O trabalho de manejo dos Paumari ganhou o Prêmio Nacional de Biodiversidade na categoria Sociedade Civil, realizado pelo ICMBio. Um merecido reconhecimento tanto para os Paumari quanto para os indigenistas da OPAN, que mostraram que sustentabilidade é possível, mas depende de muito esforço, perseverança, trabalho conjunto e dedicação. De outra forma, serão só palavras ou imagens, sem história.

Foto: Adriano Gambarini

2 comentários em “O povo Paumari das águas

  • 19 de agosto de 2015 em 7:53 PM
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    Parabéns Adriano pelo trabalho e coragem. Seu olhar é muito puro e nos contagia ao ler. Abraços. Guida

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  • 18 de setembro de 2015 em 10:18 PM
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    Então Gambarini, como sempre mais um trabalho bem interessante que nos mostra nosso Brasil em detalhe! abraço!

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Adriano Gambarini

Geólogo formado pela USP e especializado em Espeleologia, é fotógrafo e escritor desde 1992 e um dos mais ativos profissionais na documentação de projetos conservacionistas e etnográficos da atualidade. Autor de 13 livros fotográficos, dois de poesia e centenas de reportagens publicadas em revistas nacionais e estrangeiras. Ministra palestras e encontros sobre fotografia, conservação e filosofia de viagem.