O mundo está menos pacífico, Brasil despenca no ‘ranking global da paz’ e pandemia pode piorar cenário de violência

Desde que o Instituto de Economia e Paz (IEP) lançou o relatório Global Peace Index ou GIP (Índice da Paz Global, em tradução livre), em 2008, o planeta nunca teve um cenário tão violento como o do ano passado. Em cinco anos, é a quarta vez que a paz é fortemente afetada: quase todos os continentes registraram grandes tensões devido a crises econômicas e políticas, mas a situação piorou na América do Sul, especialmente na Venezuela, Colômbia e Brasil.

É o que revelam os autores do Global Peace Index 2020divulgado hoje pela instituição Vision of Humanity -, que destacam grande preocupação com o futuro: o resultado desse ranking certamente será ainda mais dramático no ano que vem devido à pandemia do coronavírus.

De 2008 pra cá, o nível médio da paz no mundo caiu 3,76% e essa queda aconteceu nove vezes durante esse período, a última em 2019. A origem de tal deterioração, principalmente nos últimos dez anos, está no aumento da atividade terrorista, das tensões no Leste Europeu e no Nordeste da Ásia, de conflitos no Oriente Médio, do número de refugiados e das tensões políticas na Europa e nos EUA, entre outros fatores.

O GPI 2020 indica que 81 países melhoraram no ranking, 80 registraram queda (o Brasil foi da 116ª para a 126ª colocação) e os demais se mantiveram inalterados.

Somente duas das nove regiões do mundo se tornaram menos violentas em 2020: América do Norte (1,28%) e Rússia/Eurásia (1,23%). A América do Sul sofreu a maior deterioração média e foi a única região a registrar dados desfavoráveis em três indicadores do GPI: militarização (cresceu menos do que em outros períodos, globalmente), segurança/proteção e conflito contínuo (ambos afetaram a paz).

A Europa continua sendo a região mais pacífica do mundo e o Oriente Médio e Norte da África (MENA) se mantém como a região menos pacífica. O continente europeu não perdeu a posição, mesmo com o registro de uma ligeira deterioração da paz, e abriga 13 dos 20 países onde a paz tem aumentado. Apenas dois países europeus não estão situados na metade superior do índice.

O estudo ainda revela que conflitos e crises, que vinham se sucedendo nos últimos dez anos, estão sendo substituídos por uma nova onda de tensões e incertezas resultantes dos efeitos da pandemia da COVID-19. Grande perigo para o Brasil.

As nações mais pacíficas e as mais violentas

A Islândia continua invicta: é o país mais pacífico do mundo desde o lançamento do GPI, há doze anos. Em seguida, aparecem Nova Zelândia, Áustria, Portugal e Dinamarca.

A Nova Zelândia, liderada pela primeira-ministra Jacinta Ardern (foto abaixo), é o país que melhor soube lidar com a pandemia e só tem colecionado boas notícias nesse quesito (veja alguns links no final deste post). Na região Ásia-Pacífico, este país ocupa o primeiro lugar no índice de paz, mesmo com a queda de 2,3%, devida ao impacto do terrorismo. Em 15 de março do ano passado, um homem nacionalista branco atacou duas mesquitas em Christchurch, matando 51 pessoas.

Nenhum país do Oriente Médio e da África está acima da 27ª posição no GPI. O Afeganistão é o menos pacífico do mundo pela segunda vez consecutiva. Em seguida, estão Síria, Iraque, Sudão do Sul e Iêmen. Desde 2015, os quatro primeiros estão entre os cinco menos pacíficos.

Venezuela é o país mais violento da América do Sul, seguido por Colômbia, Brasil e Equador

A América do Sul sofreu a maior queda média no índice de paz, caindo para a quinta região entre as regiões mais pacíficas do mundo: ficou atrás da América Central e do Caribe, pela primeira vez desde 2016.

A Venezuela é o 15o. país menos pacífico do mundo e é o mais violento da América do Sul, tendo registrado queda de 7,5% no índice de paz, e está na 149ª posição. O Brasil despencou para a 126ª, sendo o terceiro mais violento da região; em segundo, está a Colômbia (140ª, no GPI). O mais pacífico é o Uruguai, em 35o. lugar no ranking global. Os demais países: Equador (90ª posição no ranking mundial, é o 4o. mais violento na região); Peru (84ª posição global; 5ª na América do Sul); Bolívia (84ª; 6ª); Paraguai (75ª; 7ª); Argetina (74ª; 8ª) e Chile (45ª; 9ª).

2019 foi mais um ano de distúrbios políticos e civis na Venezuela. A violência e a escassez de recursos contribuíram para o aumento significativo do número de refugiados e pessoas deslocadas internamente. Por conta disso, caiu 69 posições no ranking, neste indicador, ficando entre os dez primeiros do mundo, com mais de 10% da população formada por refugiados e/ou deslocados internos. Como reflexo, seu compromisso com o financiamento da manutenção da paz da ONU diminuiu barbaramente em 2019.

Vale lembrar que, em janeiro deste ano, forças de segurança e tropas de choque venezuelanos impediram que parlamentares e jornalistas da oposição entrassem no parlamento.

Na Colômbia, esse foi um ano marcado por distúrbios civis e políticos1/4 de milhão de manifestantes foram às ruas -, aumento no impacto do terrorismo, aumento na presença da polícia e na taxa de encarceramento. Mesmo assim, o país ainda registrou pequeno aumento de 0,2% da paz. Caíram o número de pessoas deslocadas internamente (2%) e a taxa de homicídios. Além disso, no indicador de escala de terror político, o país também melhorou.

O ano turbulento vivido pelo Chile (9o. país no ranking da região e 45o. no global) levou-o à segunda maior deterioração da paz na América do Sul. Tudo começou com as manifestações que resultaram do aumento do valor dos bilhetes de metrô. Em outubro, protestos em massa contra a desigualdade se espalharam por Santiago antes de se espalhar pelo país. Em muitos casos, houve violência, e o saldo foi de 25 mortes. Ainda hoje, protestos esporádicos e incidentes isolados de violência agitam algumas regiões.

No Equador (4o. mais violento da América do Sul e 90o. colocado no mundo), a queda do índice de paz foi de 5,7% devido a protestos intensos e violentos, que surgiram depois que o governo retirou subsídios a combustíveis, em outubro. Em Quito, foram registrados ataques à propriedades e houve interrupção deliberada das operações comerciais durante as manifestações Após pressão dos líderes indígenas, o governo decidiu reintroduzir os subsídios. Com isso, houve deterioração nos indicadores referentes a estabilidade política.

O Brasil segue essa tendência de deterioração da paz na América do Sul. Então, vamos a ele!

Brasil, em ‘estado baixo’ de paz

Sob o governo de Bolsonaro, o país caiu 10 posições no ranking, passando da 116ª para a 126ª colocação. Importante considerar que a paz é medida pelo Instituto de Estudos da Paz em 163 países, então, estamos muito próximos dos países mais violentos nesse ranking. Nas posições anterior e posterior do Brasil, nesse ranking, estão Quênia (125) e Mianmar (127). Veja outras colocações para comparar: Timor Leste está na 54a. posição; Ruanda, em 81ª; China, em 104ª; Haiti na 111ª.

Entre os problemas destacados pelo índice global no Brasil estão a retomada de conflitos relacionados ao crime organizado e ao tráfico de drogas, agravamento da polarização política, aumento nos ataques a figuras políticas e grande custo da violência à economia do país.

Não há menção ao aumento dos ataques da polícia contra pessoas pobres e negras, nem às ameaças de invasores – incentivados por Bolsonaro, desde o inicio do governo – contra povos indígenas e suas terras.

Até o estudo de 2019, o índice brasileiro era considerado médio, mas, com a piora dos níveis de paz implementada pelo atual governo, passamos a integrar o grupo de países em que a paz está em “estado baixo”. 

E mais: o Global Peace Index destaca que os países que não estão empenhados em manter uma atmosfera pacífica, com certeza apresentarão resultados ainda piores no próximo índice devido à crise provocada pelo novo coronavírus. O Brasil certamente é um bom candidato a cair mais algumas posições nesse ranking por conta das decisões irresponsáveis do governo, que nega a pandemia, desqualifica a Ciência, dissemina mentiras (flexibilização do isolamento, cloroquina, curva de contaminação), deturpa e esconde dados sobre casos confirmados e mortes. Um governo que não está interessado em proteger seu povo. Muito ao contrário: ataca e o torna ainda mais vulnerável porque prioriza interesses econômicos.

A intenção do presidente em armar a população também deve incidir no resultado do ranking global da paz de 2021.

Indicadores e cálculos para chegar à paz

Para chegar aos resultados indicados pelo índice, o Instituto de Economia e Paz (IEP) se vale de uma série de indicadores (como já comentamos) relacionados à sensação de paz. Estão incluídos, por exemplo, situação econômica, mecanismos de combate à corrupção, criminalidade urbana, estabilidade política, entre outros fatores.

Assim, ao analisar cada país, os pesquisadores atribuem um valor numérico com base nesses indicadores. Quanto menor e mais próximo de 1, melhor é o cenário de paz naquele país.

No GPI 2020, o cálculo referente ao Brasil, por exemplo, chegou ao número 2,413. O primeiro colocado no ranking, a Islândia, tem 1,078; a Venezuela, na posição 149 no Ranking global (e que é o menos pacífico na América do Sul), tem 2,936; e o último colocado, o Afeganistão, tem 3,644.

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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil/Fotos Públicas (ativistas da Anistia Internacional encenam mortes de jovens negros em protesto de mães e familiares contra a violência policial, no centro da cidade)

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.