O Brasil perde a bióloga Bianca Reinert – uma apaixonada pelo bicudinho-do-brejo

O Brasil perde a ornitóloga Bianca Reinert – uma apaixonada pelo bicudinho-do-brejo

A conservação brasileira está de luto. A ornitóloga paranaense Bianca Reinert não está mais entre nós.

Seu currículo era extenso. Formada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, fez mestrado em Ciências Florestais, na área de Conservação da Natureza, pela Universidade Federal do Paraná, e doutorado em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista de Rio Claro, em São Paulo.

Membro do Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, consultora ad-hoc voluntária da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em 2012 tornou-se também membro do grupo de pesquisa “Biodiversidade, Conservação e Ecologia de Animais Silvestres” do diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.

À longa carreira e ao trabalho pela preservação da natureza e nossos animais, somou-se uma nova paixão em 1995: o bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris).

Junto com outros colegas, Bianca foi responsável por descrever a nova e rara espécie, encontrada em áreas de banhado do litoral do Paraná e de Santa Catarina. O pequeno passarinho tem cerca de 15 cm, bico alongado e fino.

Logo após sua descoberta, todavia, ele logo foi considerado ameaçado de extinção. E desde então, Bianca abraçou a causa pela sua conservação.

O pequeno e raro bicudinho-do-brejo

Ao lado de amigos, em 2008, a bióloga participou da criação de uma reserva de proteção ao bicudinho-do-brejo, no município de Guaratuba, no Paraná, próximo ao Parque Municipal Natural da Lagoa do Parado. O local, excelente ponto para observação de aves, é aberto à visitação pública.

Bianca também levou seu amor pelas aves e por outras espécies para o artesanato.

Bióloga, artesã e guerreira. A paranaense faleceu na madrugada de ontem (10/09), devido a um câncer.

“Ela foi uma lutadora sem igual, uma lição de força, coragem e perseverança, tanto na sua vida pessoal quanto na sua dedicação pela proteção do bicudinho-do-brejo”, escreveu seu marido, o também biólogo Ricardo Lopes.

Uma homenagem linda foi feita a ela pelo jornalista, também paranaense, Fernando Rodrigues, em sua página no Facebook.

Com sua permissão, reproduzimos o texto aqui:

BICUDINHO REINERT

Ah, essas pessoas que dão importância ao futuro, que respeitam a natureza, que fazem silêncio pra escutar música.

Gente feito Bianca Reinert, que um dia, assim vivendo, arrumou uma paixão pra vida toda. Bióloga, cientista do mato, esse tipo de gente que é capaz de uma gargalhada sem fazer barulho pra não espantar passarinho. Pra não espantar o bicudinho-do-brejo!

Amor à primeira vista, com certeza, ainda que sem saber que bicho era aquele, mais de vinte anos atrás. O pequeno pássaro era um desconhecido pra ciência, quando se conheceram. No Paraná ganancioso, esse que agora mesmo quer destruir o pouco que sobrou da exuberante natureza da Serra e da beira-mar. Bicudinho-do-brejo, que voa inconveniente aos olhos dos derrubadores de árvores, pra felicidade de Bianca e todos aqueles que vivem de salvar o futuro da gente.

O encontro de Bianca e do bicudinho ganhou centenas, milhares de páginas nos livros, gerando o conhecimento que gera a salvação. Lembro de quando aconteceu, não conheci a Bianca pessoalmente, mas ela me apresentou o bicudinho-do-brejo.

A bióloga Bianca não está mais por aqui, não do jeito comum das pessoas que andam pelos shoppings, avenidas e elevadores. Se foi quase ao mesmo tempo em que o fogo consumia a História do Brasil, no Museu.

É assim no planeta inteiro, uma legião de homens e mulheres gerando conhecimento que gera a salvação.

A vida de gente como Bianca, só mesmo um bicudinho-poeta feito Manoel de Barros pra explicar…

“Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.”

 

Fotos: reprodução Facebook Bianca Reinert/Hudson Garcia (abertura)

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.