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Novo filme da série Star Wars coloca em risco santuário de aves ameaçadas

Post 13 - Blog Avoando (autor: Sandro Von Matter)
Como a grande maioria dos apaixonados por filmes sobre o espaço, sempre fui um grande fã da épica série Star Wars (Guerra nas Estrelas, no Brasil) e, claro, não perderia por nada nesta galáxia o novo filme da franquia que estreou nos cinemas de todo país, em dezembro de 2015.

Após meses de espera, assisti O Despertar da Força (The Force Awakens, título original em inglês), sétimo filme da série e o primeiro produzido após a venda da Lucas Film por George Lucas para a Walt Disney Pictures.

Vibrei a cada segundo, embora algumas passagens tenham irritado profundamente meu lado cientista que, quase sempre, insiste em questionar tudo, como por exemplo: como o Chewbacca, mesmo envelhecendo a uma velocidade infinitivamente menor que um ser humano, não ganhou sequer um cabelo branco após décadas que transformaram o capitão Han Solo (novamente vivido por Harrison Ford) em um ancião? Ou, então, como o robô BB-8, um dos principais personagens do filme (na foto acima), construído sobre uma base esférica, é capaz de se locomover com precisão sobre areia fofa?

Mas apesar disso e da morte de um dos meus personagens preferidos, tudo ia muito bem até o momento final, o ápice do filme, quando Luke Skywalker surge em uma ilha paradisíaca.

Você pode estar se perguntando se eu deixei de ser um cientista especializado em aves, responsável por projetos como a Hora do Sabiá e obras como o livro Ornitologia e Conservação, para ser crítico de cinema. Mas na verdade, foi exatamente nesta última cena que meus ouvidos e olhos ou – quem sabe – um sexto sentido, me deixaram com a nítida impressão de ter detectado ao fundo o som de um Papagaio-do-mar (Fratercula arctica) e de ter visto indivíduos de Gaivota-tridáctila (Rissa tridactyla). Imediatamente, me perguntei:  “Como assim?”.

O Papagaio-do-mar, como você pode conferir no vídeo abaixo, é uma bela e simpática ave marinha que está ameaçada de extinção e é considerada vulnerável, enquanto que as populações de Gaivota-tridáctila estão em declínio, ambas as aves estão atualmente na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).

Como todas espécies ameaçadas listadas pela IUCN, seus habitats são protegidos por lei e esforços específicos para estudo e conservação destas espécies são implementados por pesquisadores e instituições. Bem, mesmo que você não seja um especialista provavelmente pode imaginar que conservação de espécies ameaçadas não combina com a logística necessária para superproduções de Hollywood.

Então, estaria a Disney – atual detentora dos direitos da saga Star Wars – realizando filmagens em uma área de ocorrência de espécies ameaçadas? Se sim, seria um desastre para uma empresa que tem, com  público alvo, as crianças.

Após alguns contatos com pesquisadores no exterior, confirmei minhas suspeitas iniciais de que aquele local seria uma área de reprodução de aves marinhas ameaçadas. Para meu total espanto, parte das filmagens foram rodadas em uma ilha que abriga espécies de aves como o Painho-de-cauda-quadrada (Hydrobates pelagicus), a Gaivota-tridáctila (Rissa tridactyla), a Pardela-sombria (Puffinus puffinus) e, também, o mais que ameaçado Papagaio-do-mar (Fratercula arctica).

A ilha, em questão, que aparece na última cena do filme, é Skellig Michael (na foto abaixo), localizada a 13 km da costa da Irlanda, local que, além de área para reprodução de aves marinhas ameaçadas, abriga as ruínas de um mosteiro construído há mais de 1400 anos e é reconhecido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação) como Patrimônio Mundial.

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Ainda assim, surpreendentemente, a Ministra Heather Humphreys, responsável pela autorização de atividades em áreas de preservação da Irlanda, concedeu, sem qualquer estudo prévio, autorização a uma equipe de filmagem com nada menos que 180 pessoas, acompanhadas de toneladas de equipamentos, que permaneceram na ilha por duas semanas.

Qual seria o impacto causado por um time de quase 200 pessoas em uma ilha rochosa, considerada santuário da vida selvagem, com uma área de somente 2 km² e que, segundo o último censo de aves marinhas é área de reprodução de mais de 10 mil casais de aves, das quais muitas estão ameaçadas de extinção. E quais podem ser as consequências dessa movimentação toda para as populações de espécies do local?

Para responder a esta pergunta, procurei a opinião de quem, mais do que ninguém, entende do assunto. Conversei com o pesquisador, especialista em conservação de aves marinhas, Dr. Stephen Newton, que estuda as aves desta mesma ilha há mais de uma década.

Segundo o Dr. Newton, “as dimensões dos impactos causados pela filmagem nesta que é uma das áreas de reprodução de aves marinhas mais importantes da Europa, são imprevisíveis, especialmente pelo fato de que as ilhas Skelling Michael e Little Skellig são classificadas como (IBAS) Áreas Importantes para Preservação de Aves, designação internacional dada apenas a territórios reconhecidos como habitats globalmente importantes para a conservação de aves”.

O especialista afirmou que, mesmo que todas as precauções para evitar impactos ambientais fossem adotadas, o que não aconteceu, existia ainda o risco de introdução acidental de espécies exóticas invasoras, que poderiam destruir o ecossistema das ilhas, como o Rato (Rattus norvegicus) e o Vison-Americano (Neovison vison), durante o transporte do material para a filmagem, risco que não foi sequer levado em consideração pelos estúdios Disney.

Conversei também com Eric Dempsey, um dos maiores ambientalistas da Irlanda, especialista em aves, fotógrafo da vida selvagem e, autor de diversos livros como o aclamado Don’t Die In Autumn (Não Morra no Outono, em português). Dempsey afirmou estar profundamente decepcionado com o governo por ter autorizado a locação de Skellig Michael, mesmo estando ciente dos impactos que seriam gerados, em sua opinião as autoridades irlandesas demonstraram total desprezo pelo patrimônio ambiental.

“A ilha, é um dos locais mais preciosos da Irlanda e, graças ao consentimento do governo, foi depredada pelo uso de helicópteros, equipamentos pesados, cabos e pisoteamento de centenas de pessoas durante as filmagens que, em parte, foram equivocadamente realizadas durante a época de reprodução das aves, momento em que milhares de aves marinhas constroem seus ninhos nos penhascos, no solo, ao redor e dentro das ruínas históricas”, afirmou Eric Dempsey.

Ainda segundo Dempsey e inúmeros outros conservacionistas do país, já em setembro de 2014, quando a equipe do filme visitou a ilha pela primeira vez, o Serviço de Áreas Protegidas da Irlanda registrou incidentes como o que matou dezenas de filhotes de Gaivota-tridáctila (Rissa tridactyla) que foram derrubados de seus ninhos pelo vento provocado pelas hélices dos helicópteros e acabaram no mar.

Por estes motivos, toda a comunidade de ambientalistas da Irlanda, como também inúmeros pesquisadores e o próprio Dr. Newton, se posicionaram, contra a realização do filme na ilha e, lutaram para impedir as filmagens recebendo o apoio de personalidades e jornalistas. A polêmica foi tamanha que, o assunto foi noticiado por inúmeros veículos de mídia da Irlanda.

Entrei em contato, por e-mail, com Jeffrey Jacob Abrams, escritor, diretor e produtor de cinema e televisão dos Estados Unidos que dirigiu O Despertar da Força. Queria conhecer sua posição a respeito dos possíveis impactos que a realização do filme neste santuário poderiam ter causado às populações de aves da região. Mas, embora tenha obtido confirmação de leitura, até o momento ele não se pronunciou.

É imprescindível enfatizar, que atividades, obras e empreendimentos que possam causar qualquer tipo de interferência no meio ambiente devem ser alvo de um meticuloso processo de análise de impacto ambiental, viabilidade de execução e monitoramento conduzido por especialistas. É inaceitável que atividades desse tipo sejam aprovadas sem que os instrumentos legais, que visam a conservação ambiental, sejam devidamente adotados.

Será impossível prever e quantificar os danos, a longo prazo, causados às populações de aves ameaçadas da ilha em questão. Interferências humanas em ecossistemas tão frágeis quanto, pequenas ilhas, já levaram à perda de espécies únicas e insubstituíveis para sempre.

No caso do novo filme da série Star Wars, não foi um Jedi mas, sim, os estúdios Disney, produtores e diretores que passaram para o lado sombrio da força e, lamentavelmente, ignoraram por completo os sábios conselhos que um dia o mestre Yoda compartilhou com Luke Skywalker, no filme o Império Contra-Ataca (cena abaixo): “… Se somente uma vez optarmos pelo lado sombrio da força, para sempre ele dominará o nosso destino”.

yoda

Imagens: Reprodução

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Davi
Davi
8 anos atrás

Uma pena receber uma noticia dessas sobre um filme do qual gosto tanto :(. Sobre o Chewbacca.. Wookies vivem bem mais que humanos. O próprio chewie já tem mais de 200, se não me engano.. Então faz algum sentido que ele tenha envelhecido pouco ou quase nada. Abraços!

jacknpoe
8 anos atrás
Reply to  Davi

Não percebesse que o autor do “artigo” está apenas dizendo que seria inaceitável se… e não diz nada de ruim que a produção está fazendo?

jacknpoe
8 anos atrás

Sério, cara, que tás achando, porque seria inaceitável, coisa e tal? Ou seja, não tás dizendo nada com nada!

Vini52
Vini52
8 anos atrás

mano não é que eles passaram pro lado sombrio da força ‘=’ e sim que eles não tem noção alguma do que fizeram, foi descuido da parte deles? SIM, um grande descuido mas não é como se eles tivessem falado “hahaha foda-se as aves”.

miguel
miguel
8 anos atrás

Chewbacca não envelheceu pq wookies vivem ate uns 400 anos e ele tem em torno de 200

Márcio Alves de Lima
8 anos atrás

“(…) embora algumas passagens tenham irritado profundamente meu lado cientista que (…)”

Só lembrando. Star Wars é uma obra de fantasia. Não é sequer ficção científica.

Se você gostou de Senhor dos Anéis e não achou estranho que um hobbit possa ficar invisível assim que coloca um anel mágico do Mal no dedo, certamente não vai se incomodar com os pelos do Chewbacca. Certo?

Priscilla Diniz
Priscilla Diniz
8 anos atrás

Ótima reflexão. Não sei se estou certa no que vou dizer, mas pra mim isso é reflexo do “circo”. Parece que independente do país e das políticas que o regem, o circo sobrepõe outras questões, nesse caso a ambiental. Longe de mim soar como uma pessoa desfavorável a qualquer manifestação artística e cultural como a produção de filmes, mas o zelo pelos elos frágeis das diversas formas de vida do nosso planeta não deveriam ser ignoradas NUNCA. Parabéns pelo texto.

João Frederico Berner
João Frederico Berner
8 anos atrás

Adorei o texto! Parabéns. Gostaria de saber se não há uma base de monitoramento na ilha e se não existem ali diariamente turistas, pescadores e afins, que também possam causar impacto. Não que eu discorde da sua opinião, mas se existe sim, uma atividade corriqueira na ilha, para a Ministra a autorização da filmagem pode não ter sido nada fora do cotidiano (pressupondo que ela não seja bióloga). E sobre o Chewie, se eles colocassem até um menino pra fazer (bem estilo Benjamin Button), a galera ainda ia chapar, o filme foi 10! A minha crítica é só das palhaçadas e personalizações dos Stormtroopers, o que não teve muita repercussão mas me incomodou profundamente. Espero ler textos tão influentes e de tão boa qualidade no futuro, continuarei acompanhando o blog. Obrigado! ;)

Andrea
8 anos atrás

Oii Sandro, concordo com tudo, mas tenho uma observação: pelo que eu sei, em Skellig Michael é permitido a entrada de 180 turistas por dia.. acho que só esse fato já é preocupante pela introdução de ratos, duvido que todos se preocupam em olhar a bagagem (alguns fotógrafos carregam muita coisa) antes de entrar no barco! Então, acho que isso não vale só pro filme!!

E sobre o uso de helicóptero, tem algum site em inglês com essas informações? to pesquisando e não consigo achar informação sobre o helicóptero ter derrubado os bebes na água e estou precisando pra mostrar pra algumas pessoas! Onde vc fez essa pesquisa? entrou em contato com o serviço de áreas protegidas?

Eduardo Mesquita
Eduardo Mesquita
8 anos atrás

“Ou pior ainda, Chewbacca (e não Han Solo) morre no livro Vector Prime publicado por Salvatore em 1999. Chewbacca morre exatamente para salvar Solo que escapa da morte ao lado de Anakin Skywalker (que se tornaria Darth Vader no futuro). Como é possível que ele surja jovem e saudável?”

Vale lembrar que a Disney desconsiderou todo o material “Legend” como não canônico, ou seja, nas inumeras partes de comentários que tu reforça a morte do Chewbacca, foram desconsideradas, já que depois que a LucasFilm foi comprada pela Disney, apenas os 6 filmes + Clone Wars + Rebels + livros saindo a partir de 2015 oficias canônicos, podem ser levados em consideração.

E quanto ao seu ouvido apurado em ouvir o pássaro, lembre-se que todo o áudio tratado é colocado em pós produção, caso contrario seria possível escutar o forte vento da região e tudo o mais.

Érika
Érika
8 anos atrás

Boa colocação! Se puder continuar a escrever a continuação desta história (se J. J. Abrams respondeu, se a Disney se pronunciou, etc), seria bem interessante.
Só um adendo, eu acho que é possível o BB8 andar tranquilo na areia, acredito que eles realmente tenham usado o robô de verdade para filmar, e não CG. :)

priscila
priscila
8 anos atrás

nossa q triste….e acabei d ler uma matéria dizendo q a ilha estará aberta p visitas…lamentável

Neviton O. Jr.
Neviton O. Jr.
8 anos atrás

Como cientista acredito que você saiba que uma situação dessas é responsabilidade do governo irlandês. A produção do filme, e a própria Disney, não leva consultores ambientais aos sets de filmagem para o caso de uma possível especie ameaçada ter aquele local como habitat, cabe aos órgãos competentes o monitoramento, enviar e-mail a Disney ou ao diretor do filme é algo completamente descabido, o governo Irlandês deve ser pressionado por respostas e ações, a produção do filme simplesmente pediu a autorização para uma locação de interesse e filmaram, repito, eles não tem obrigação alguma de saber quais espécies se reproduzem na ilha, o governo tem!

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