Waapa: novas lentes, outros horizontes


Em maio deste ano, o programa Território do Brincar, correalizado pelo Instituto Alana, lançou o documentário Waapa, produzido pela Maria Farinha Filmes e assinado por David Reeks, Paula Mendonça e Renata Meirelles. Se você ainda não assistiu ao filme, faça isso antes de ler o texto até o final. Para isso, basta cadastrar-se no site do Videocamp: ele está disponível lá. E volte depois para esta reflexão.

Durante 20 minutos, o espectador tem a chance de conhecer a vida dos Yudjá, na aldeia Tuba Tuba, na Terra Indígena do Xingu, Mato Grosso. O povo Yudjá é um dos 240 povos indígenas existentes no Brasil, que totalizam juntos mais de 890 mil pessoas, segundo o Censo IBGE 2010.

Por meio do documentário, temos a oportunidade de aprender sobre um outro ser humano invisível e estigmatizado, esse outro que nos acostumamos a chamar de “índios”. A invisibilidade é uma das consequências de se narrar a história do Brasil pelo viés do colonizador. Talvez você não leia essa palavra há muito tempo, desde os tempos da escola, mas o significado de colonizar é invadir, explorar e tomar para si algo que não é próprio.

Em mim, o documentário Waapa reforçou o sentimento de que é preciso narrar, por outras perspectivas, a história não contada pelos livros didáticos e pela mídia não plural que forma (ou deforma) a maioria da população. História que nega a continuidade do genocídio dos povos indígenas brasileiros, que esconde a luta pelo direito à terra e à violência fundiária. História que perpetua o preconceito e a discriminação sofridos.

Diante disso, o audiovisual é uma ferramenta importante na descolonização do olhar, habilidade fundamental para uma educação para e com os direitos humanos de estudantes, educadores e famílias. Oportunidade de aprender a olhar, de novo, de novo e de novo por diferentes pontos de partida.

Aprender a olhar de novo pelas lentes do Waapa é o convite desta resenha. Para tanto, enumero dois aspectos que provocam novas miradas, das muitas trazidas pelo curta-metragem:

1. A espiritualidade como elemento indissociável da vida humana

Assim como é verdade que a religião católica – no Brasil e em grande parte da América Latina – impôs seu poder econômico, político, social e cultural sobre as demais expressões espirituais, também é verdade que as diferentes formas de expressão do mundo interior e espiritual se mostram persistentes.

Com o Waapa, tem-se a oportunidade de reconhecer a espiritualidade como elemento indissociável do ser, estar e viver o mundo. Sua expressão é revelada no cotidiano e nos fazeres diários, não apenas nos ritos religiosos convencionais. Uma sensível mirada sobre o sagrado nos gestos, no imaginário e no brincar das crianças Yudjá.

2. A natureza como fonte de conhecimento de si, do outro e do mundo

Com o Waapa abre-se uma brecha para reconhecer a natureza como algo que transcende a ambientação ou as características físicas de um espaço. No curta, a natureza é uma grande fonte de conhecimento sobre si mesmo e o outro: forças e fraquezas, belezas e sombras, potências e o que está por aperfeiçoar.

Uma das sabedorias anunciadas por Yaba Juruna, liderança dos Yudjá e uma espécie de narrador do documentário, é esta: “Se você não sabe lidar com o seu mundo, não saberá lidar com o mundo de outra pessoa”. Um profundo mergulho em uma educação que parte da pessoa e sua realidade com gradativa expansão para o outro, outras realidades e universos.

Difícil não recordar da inscrição conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses’ na entrada do santuário de Delfos, na Grécia antiga, e difundida pelo filósofo Sócrates.

O filme convoca a reconhecermos o valor do corpo, da experimentação e da materialidade natural na construção de saberes para a vida e sobre a vida.

A experiência estética do Waapa é disruptiva. Na educação de crianças, jovens e educadores, problematizar as formas absolutas de compreensão também é. Por isso o audiovisual é uma linguagem essencial para a educação, por abrir novos horizontes.

Por um lado, temos um universo único e singular à nossa frente, fundamental para reconhecer o direito à diferença na vida humana. Por outro, o curta convida o espectador a olhar de novo e a reconhecer as comum-unidades que temos com outras pessoas e povos.

Abaixo, o trailer do filme Waapa.

 

 

Foto: Divulgação/Waapa

Um comentário em “Waapa: novas lentes, outros horizontes

  • 14 de julho de 2017 em 9:10 AM
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    Olá, Raquel! Que maravilha a sua explanação sobre o filme e tanta que fiquei mesmo a fins de ver o doc. Porém não está disponível como você diz na matéria. Me cadastrei como Educador e penso que antes de exibir em público deveria ter a opção de assistir, você concorda? Para saber os detalhes e poder dividir melhor com o público, se for o caso. Abração e muito obrigado.

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Raquel Franzim

Educadora desde 1995, atuou como professora, coordenadora pedagógica e formadora de professores. Destes, 14 anos dedicados ao ensino público na rede municipal da cidade de São Paulo. Especializou-se em educação infantil e trabalhou com adolescentes e jovens em medida sócio-educativa e qualificação profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social. No Instituto Alana, coordena a área de educação e o programa Escolas Transformadoras do Brasil, uma correalização com a Ashoka