Morte de animais silvestres em centro de triagem do Ibama é investigada como crime ambiental pela PF e pelo MPF

Somente depois da repercussão da notícia sobre a morte de mais de 600 animais silvestres no Centro de Triagem do Ibama, em Seropédica, Rio de Janeiro (CETAS/RJ) – que divulgamos aqui -, o Ibama anunciou a contratação de tratadores e da empresa Cemax – Administração e Serviços Ltda.

O novo contrato – no valor total de quase R$ 437 mil – terá duração de um ano e contempla a contratação de dez tratadores – divididos por cinco postos de trabalho: quatro durante o dia e um à noite -, responsáveis pela alimentação dos bichos e limpeza das jaulas e espaços de cativeiro. Eles devem começar a trabalhar ainda esta semana.

Foto: reprodução

Vale destacar que um dos documentos aos quais a reportagem do G1 teve acesso revela que, desde setembro de 2020, Alexandre Augusto Amaral Dias da Cruz, contra-almirante da reserva da Marinha e superintendente do Ibama no RJ, tinha conhecimento da situação precária do centro e da urgência em contratar profissionais para cuidar dos animais.

Na época, ele chegou a solicitar a definição de uma equipe de servidores para planejar a contratação desses serviços, mas nada foi feito.

E, só agora, ao tornarem-se públicas a morte e a situação de abandono e crueldade a que estão postos os animais no local de responsabilidade do órgão, o militar toma providências e resolve o assunto rapidamente.

Quantas mortes poderiam ter sido evitadas! Talvez todas as 600 denunciadas agora já que aconteceram nos últimos quatro meses, ou seja, a partir de novembro de 2020.

Lembrando que o CETAS/Rj é um dos maiores centros de triagem e tratamento de animais silvestres do país, que mantém, em média, 1,2 mil animais residentes e recebe entre 7 a 9 mil novos animais por ano, a maioria fruto do tráfico.

Gestão truculenta

Segundo apurou o site O Eco, “o superintendente estaria ‘contrariado‘ pela pressão pública que sofreu e, apesar de ter assinado o contrato, já estaria articulando ‘retaliações‘, como a troca integral da pequena equipe de tratadores terceirizados, alguns com mais de 15 anos de atuação e experiência no CETAS/RJ”.

Vale destacar, aqui, que, mesmo com o fim de contrato e a troca de uma empresa, é comum o centro de Seropédica manter pessoas que integram a equipe de terceirizados. Isso porque existe uma grande escassez de cuidadores de animais silvestres que, para serem contratados, precisam provar experiência.

O servidor do Ibama que revelou tal comportamento imaturo e vingativo de Dias Cruz à reportagem de O Eco, não quis se identificar por motivos óbvios, e declarou, ainda, que Cruz estendeu a ameaça a vigilantes e à secretária. Disse mais:

“Estamos numa gestão muito truculenta. Ele não aceita ser questionado. Ele é um comandante da Marinha que quer dar ordem como se estivesse nas Forças Armadas, só que ele está lidando com servidor civil e numa área que ele não entende. Às vezes ele dá ordens erradas e a gente quer conversar, explicar porque aquilo não vai dar certo, e para ele isso é ofensivo. Ele já demitiu terceirizado para demonstrar que não pode ser contrariado. O terceirizado é o lado mais fraco. Ele age com uma truculência tão grande que os servidores todos do Ibama do Rio de Janeiro estão acovardados, com medo. E nada funciona. A gente vive um momento de caos administrativo no Ibama-RJ, que eu nunca vi antes. Nenhum contrato vai pra frente. Estamos há dois anos sem contrato de manutenção (predial), não tem contrato de limpeza, já vai acabar o contrato de vigilância… você não tem como trocar uma lâmpada, os processos não andam, tudo parado. Parou o Ibama do Rio de Janeiro!”.

Servidores pedem socorro

Em 22 de fevereiro, a Asibama/RJ – Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro divulgou nota pública na qual relata a situação caótica e de paralisia “das agendas técnicas e finalísticas do órgão, o completo abandono do edifício-sede da Superintendência do IBAMA/RJ e um regime autoritário para com os servidores”.

E denunciam: “diante desse contexto, viemos a público afirmar que o IBAMA Rio de Janeiro corre o risco de sofrer um apagão institucional pelo excesso de centralização das ações na figura do Superintendente e
pela letargia no exercício de suas atribuições”. E finalizam o texto assim:

“É verdade que os órgãos ambientais sofrem há anos com a falta de orçamento, perda de força de trabalho, sucateamento das instalações. Mas hoje os servidores clamam por algo ainda mais essencial, a dignidade e o orgulho de trabalhar no IBAMA. Hoje, pedimos socorro!”.

Hospital de animais

Rogério Rocco, especialista em Direito Ambiental e superintendente do Ibama no Rio de Janeiro durante o governo Lula, classifica como grave a omissão da superintendência atual do órgão, neste caso

“O CETAS/RJ é como um hospital de animais. Você precisa de um tratamento permanente, de um ambiente limpo, de profissionais habilitados para esse tratamento”, disse à reportagem do G1.

“A renovação do contrato deve ser providenciada antes do seu vencimento pra que, quando ele vence, já exista um novo contrato, com novas equipes”.

“Perder um contrato como esse é má gestão, é negligência. E esse evento se configura, inclusive, como crime contra o meio ambiente“, conclui.

Crime ambiental

Ibama e Ministério do Meio Ambiente informaram, por meio de nota, que enviaram representantes ao centro para analisar a situação e para que sejam tomadas providências para evitar que isso aconteça novamente.

Oras, mas é só fazer uma boa gestão: manter uma empresa contratada para administrar o local e acompanhar seu trabalho. Em resumo, fazer o que lhes cabe como missão.

A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) investigam o caso, tratando-o como crime ambiental, exatamente como o classifica Rocco.

Três dos quatro funcionários do CETAS/RJ que trabalharam no local todo esse tempo sozinhos – prestaram depoimento na sede da PF. Ontem, estava marcada uma audiência com o superintendente do centro.

O centro foi fechado ontem e deverá permanecer assim até amanhã, até que tudo esteja de acordo para receber novos animais. Geralmente são aves, répteis e mamíferos feridos por traficantes.

A vingança do presidente

Bolsonaro fotografa e ameaça José Augusto Morelli, fiscal do Ibama
Foto: reprodução do Facebook

Alexandre Augusto Amaral Dias da Cruz foi promovido a superintendente do CETAS/RJ por Ricardo Salles, ministro do meio ambiente, em março de 2019. E a primeira medida que tomou foi exonerar José Olímpio Augusto Morelli, fiscal do Ibama e servidor de carreira do Ibama.

Alguém lembra dele? Foi Morelli quem autuou e multou Bolsonaro, em 2012, quando ainda era deputado federal, ao pescar em área proibida: na Estação Ecológica Tamoios, reserva de proteção ambiental integral, localizada em Angra dos Reis.

Ele não pagou a multa – claro! – e poucos meses depois de assumir a presidência, em março de 2019, ordenou a exoneração do fiscal. Tem ou não tem jeito de vingança? Morelli não tem dúvida.

Em maio do mesmo ano, Bolsonaro anunciou que iria alterar as regras de conservação da reserva para transformá-la numa Cancun brasileira. Em julho, o Ibama divulgou que a multa estava prescrita.

E assim Bolsonaro segue, governando de acordo com sua vontades e frequente instabilidade emocional.

Fonte: G1/RJ2, O Eco, Ibama

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.