Paulo faleceu ontem, 25/2, com 96 anos. Uma grande perda, sim! Deixa um legado importante, que sempre será uma grande e eterna inspiração para todos que trabalham com ambientalismoou desejam fazê-lo.
O texto escrito pelo jornalista Sávio de Tarso, em 2016, para o catálogo da Mostra Ecofalante de Cinema Ambientaldesse ano (publicado aqui, no Conexão Planeta), resume bem sua trajetória brilhante. Tarso, que morreu no ano passado vítima de assalto, sabia falar dele como poucos. Editou o livro Diário de Paulo Nogueira Neto – Uma trajetória Ambientalista. Ambos – o artigo e o livro – são leituras imprescindíveis para compreender a simplicidade e a genialidade do ambientalista.
Paulo foi pioneiro em inúmeros temas relacionados ao meio ambiente, por isso, não há exagero algum em chamar este biólogo e naturalistade o primeiro ambientalista do país. Mas antes de chegar a ocupar importantes posições no governo, em defesa do meio ambiente, sua trajetória já previu a importância que teria na história da conservação do país.
Primeiros passos
Em 1945, enquanto terminava o curso de direito na USP (Universidade de São Paulo), se apaixonou pelas abelhas nativas (sem ferrão) – escreveu um livro lindinho, disponível online, na íntegra – que só confirmaram seu interesse por tudo que cercava o meio ambiente. Dez anos depois, participou de mobilização para evitar a grilagem de terras em áreas de Mata Atlântica, que culminou com a criação da reserva do Pontal do Paranapanema, no oeste do estado de São Paulo.
Com a fundação da Adema (Associação em Defesa do Meio Ambiente), em 1956, se aproximou de estudiosos e conservacionistas como Ibsen Gusmão Câmara, da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, e Augusto Ruschi, que faleceu em 2016.
Três anos depois, formou-se em Biologia (curso de História Natural)e sua paixão pelas abelhas só cresceu. Em 1963, defendeu tese de doutorado sobre a arquitetura dos ninhos de abelhas e, em 1964, enquanto dava aulas na USP, ajudou a criar o Laboratório de Abelhas na instituição.
Em 1972, Paulo participou da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, mas ainda não fazia parte do governo que, nesse encontro, deixou uma péssima imagem para o mundo ao se mostrar contrário à proteção ambientale à conservação.
Um tempo depois, foi convidado pelo ministro do Interior para dar “seus pitacos” a respeito da criação de uma agência federal de meio ambiente. Foi sincero: discordou completamente do texto da minuta que lhe foi apresentada. E, assim, ganhou a simpatia do secretário-geral desse ministério, Henrique Brandão Cavalcanti, e foi convidado para sugerir uma nova proposta e dirigir o novo órgão, que responderia à pasta do Interior.
Realizador e conciliador
Com os militares Inaugurou um espaço importante para o ambientalismono governo militar de João Figueiredo, quando ocupou o cargo de secretário especial de meio ambiente, de 1974 a 1986, subordinado ao Ministério do Interior.
A Sema – Secretaria Especial do Meio Ambienteequivalia a um ministério, mas o órgão só foi reconhecido como tal no governo Sarney, em 1985, sob o nome de Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. E, depois de muitas mudanças, ganhou o nome definitivo de Ministério do Meio Ambienteno governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1999.
Voltando à história de Paulo… A semente que deu origem ao Ibama (instituto Brasileiro do Homem e do Meio Ambiente) também foi plantada por ele. A do Conama(Conselho Nacional do Meio Ambiente), em 1984, idem. Com a criação deste órgão, aliás, vieram normas como os licenciamentos ambientais e o controle da poluição, entre outras.
Fazem parte de seu extenso currículo a criação das principais leis de proteção ao meio ambiente, de grande parte das unidades de conservaçãono Brasil. Foi com ele que esse termo passou a integrar as ações do governo, assim como reservas e estações ecológicas, criadas por ele e que ajudaram a limitar as ações do Ministério da Agricultura, protegendo, na época, cerca de 3,2 milhões de hectares de vegetação nativa.
Paulo também ajudou a formular o conceito de desenvolvimento sustentável–“O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” – quando participou da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, na Noruega, em 1983, liderada por sua ministra do meio ambiente, Gro Harlem Brundtland.
Desse encontro, nasceu o relatório Nosso Futuro Comum (chamado de Relatório Brundtland em homenagem a Gro; a Comissão também ganhou seu sobrenome), que só ficou pronto em 1987. A partir desse ano, foi adotado pela ONU para respaldar leis, políticas e projetos dos 195 países integrantes da instituição, levando em conta a conservação ambiental no mundo. Em 2015, esse relatório serviu de base para a plataforma global Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Prestígio, também entre presidentes militares
A principal lei ambiental brasileira, de 1981 – Política Nacional do Meio Ambiente, tem sua assinatura e foi formulada por ele na companhia de instituições de pesquisa, universidades e órgãos governamentais. Na Folha de São Paulo, o jornalista Maurício Tufani resumiu bem a importância de sua criação para o futuro do meio ambiente: “Além de definir prioridades e áreas de atuação do poder público, critérios e padrões de qualidade ambiental, normas de uso de recursos naturais e de divulgação de dados e informações, a lei também estabeleceu a obrigação de poluidores e degradadores de recuperar e indenizar os danos causados ao meio ambiente”.
Se, com ela, sempre foi tão difícil proteger o meio ambiente, imagine sem! Um legado e tanto que ele nos deixou. E, como acontece ainda hoje – mais fortemente –, sua aprovação no Congresso revoltou a indústria acostumada a agir sem limites. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediu veto de inúmeros artigos, mas Figueiredo aceitou apenas dois e sancionou a lei.
Ao que parece, Figueiredo tinha um profundo respeito por Paulo. O ambientalista, na verdade, gozou de grande prestígio em diversas gestões – não só com este militar, mas com Médici e Geisel também, e ainda com Sarney – porque não era só um cara “que fazia, realizava”, mas também um conciliador. Que defendia a verdade.
Em alguns casos, chegou a ser o primeiro a revelar para os jornalistas casos terríveis de poluição, como a que ocorreu na Baía de Todos os Santos, em 1975, quando resíduos industriais contaminaram suas águas com mercúrio. Depois de avisar os governos federal e estadual sobre suas intenções, foi o primeiro a revelar a situação. Em seu diário (revelado no livro sobre o qual comentei no início deste texto), escreveu: “Quando a notícia estiver nas ruas, ninguém mais segura a coisa. Chega de empurrar o lixo para debaixo do tapete”. Transparência total.
Em 1982, conseguiu impedir o uso de desfolhantes(químicos semelhantes aos usados na Guerra do Vietnã) para “facilitar” a remoção da floresta em Tucuruí para a construção da hidrelétrica. E não deixou por menos! Nesse mesmo ano, revelou sua preocupação com o uso desse tipo de químico pela Eletronorte (apoiada pelo governo brasileiro) durante uma conferência da Unesco, em Paris.
Ao contrário do que acontece hoje, a imprensa deu a notícia com todos os detalhes. Depois de muita discussão com o Conselho de Segurança Nacional, a Eletronorte e o Ministério das Minas e Energia desistiram do uso desses químicos. Isso é que é Ministro do Meio Ambiente com letras maiúsculas!
Ah, que falta faz Paulo, hoje!!
Só lembrar da pessoa que ocupa o cargo de ministro do meio ambiente: o condenado pela justiça paulista, Ricardo Salles. Ele foi entrevistado no programa Roda Viva, em 12 de fevereiro. Depois que o apresentador desistiu de obter dele alguma resposta interessante sobre Chico Mendes (leia o texto que escrevi a respeito), insistiu então, para que citasse nomes de ambientalistas que o inspiravam. Depois de falar de Xico Graziano (do mesmo partido que ele, o Novo, que já foi secretário do meio ambiente de São Paulo) e de Fábio Feldmann, citou Paulo Nogueira Neto e José Goldemberg, dizendo que leu seus livros e conversou muito com eles antes de assumir a secretaria do meio ambiente do estado de São Paulo. Poxa, não aprendeu nada… que desperdício!
Um grande ativista
Muito além de ambientalista, Paulo era um ativista. Acreditava, de fato, na importância do meio ambiente e que valia muito lutar por ele. Por isso, confrontava quaisquer práticas que não levassem em conta a conservação, inclusive as que eram apoiadas pelo governo. Sem receio.
Paulo Nogueira Neto era um defensor corajoso e amoroso do meio ambiente. Um apaixonado.
Dedicado, conciliador e determinado, tinha grande disposição e paciência para o diálogo – imprescindível em todos os lugares por onde passou e deixou marcas -, mesmo com quem não acreditava em suas ideias e reflexões. Um ambientalista, como poucos, que deixa mais do que saudades. Também em quem o conheceu pouco pessoalmente e não conviveu com ele, como eu.
Fontes: G1, Folha de São Paulo, Mar Sem Fim/Estadão, Conexão Planeta, O Eco
Foto: Francisco Emolo/Jornal da USP