Morre Asa Branca, locutor de rodeios que, arrependido, denunciou sofrimento e crueldade contra os animais

Morre locutor de rodeio Asa Branca, que arrependido, denunciou sofrimento e crueldade contra os animais

“Eu peço perdão a Deus por tudo que fiz errado. Se pudesse voltar no tempo, eu não maltrataria os animais“, disse o mais famoso locutor de rodeios do Brasil, Waldemar Ruy dos Santos, o Asa Branca, em 2019, em entrevista à ativista Luisa Mell (assista ao vídeo completo no final deste post).

Ontem (04/02), depois de anos de luta contra o câncer, que atingiu sua boca e garganta, Asa Branca faleceu aos 57 anos. O locutor era ainda portador do vírus HIV e enfrentou outra doença seríssima, em 2013, quando ficou hospitalizado por 83 dias devido a uma neurocriptococose, que afetou seu sistema nervoso. Chegou a ser submetido a seis cirurgias no cérebro.

Em entrevista à revista Veja em outubro do ano passado, consciente de que já estava em uma fase terminal do câncer, Asa Branca fez sua mea culpa e afirmou que “pagava pelos pecados por ter participado do circuito de eventos em que os animais são maltratados”.

Segundo ele, quando era ainda aprendiz de peão, amarrava arame farpado em pneus para depois jogar no pescoço de cavalos. Anos mais tarde, quando virou astro dos grandes rodeios brasileiros, esbanjava dinheiro e era usuário de cocaína, confessou que sabia, assim como os organizadores desses eventos, da crueldade com os animais.

Entre os métodos utilizados, estava o uso de aparelhos que emitiam choques, e dessa maneira, os bois pulassem freneticamente, por causa da dor. Outra prática ainda seria o emprego do “sedém”, faixa de couro enrolada na virilha dos animais.

“Dos rodeios grandes aos pequenos, a festa era de alegria para o público, mas de dor e sofrimento para os bichos”, garantiu à reportagem de Veja.

Hoje, em sua página no Facebook, Luisa Mell criticou que na reportagem publicada pelo Jornal Nacional, da TV Globo, sobre a morte de Asa Branca, não foi mencionado o arrependimento do locutor.

“Inacreditável que o jornalismo da emissora não tenha citado em nenhum momento que no final de sua vida, Asa Branca denunciou todos os maus tratos que acontecem nestes eventos. Ele me chamou pessoalmente por intermédio da revista Veja e do jornalista João Batista, para esta entrevista que postei abaixo. Asa achava que todo o sofrimento que estava passando era uma punição pelo que ele fez para os animais. Antes de morrer teve a coragem de denunciar as crueldades que fazem com os animais por causa do dinheiro! Asa Branca, antes de sua morte, preferiu abrir mão de morrer como herói do rodeio para morrer com dignidade e assumir a verdade. Vergonhoso que a imprensa continue com a mentira! Asa Branca descanse em paz! Parabéns pela coragem! Agora não há mais desculpas para me chamarem de louca. Só compactua com este horror quem não tem compaixão, nem amor pelos animais! #odeiorodeio

Infelizmente, a cultura e a prática dos rodeios ainda é muito forte e viva em algumas cidade do interior do Brasil. No final do ano passado, várias entidades de proteção aos animais vieram a público mostrar repúdio à criação do “Dia do Rodeio”, pelo presidente Jair Bolsonaro, e justamente, na data em que se comemora o Dia dos Animais, 4 de outubro (leia mais aqui).

Bolsonaro é fã dos rodeios e em agosto de 2019, esteve na 64ª na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, no interior de São Paulo. Em setembro, o presidente já havia sancionado a alteração do texto, de uma lei de 2016, para “reconhecer o rodeio, a vaquejada e o laço como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestações culturais nacionais e elevar essas atividades à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro”.

Em nota enviada ao Conexão Planeta, na época, a Proteção Animal Mundial também criticou veemente a instituição do ‘Dia Nacional do Rodeio’.

“Os rodeios são uma prática cruel. Muitas provas colocam touros, novilhos, cavalos e outros animais em situações de estresse físico e psicológico. Muitos são estimulados com choques e chutes antes de entrar na arena, com o intuito de deixar o animal com medo e entrar agitado, garantindo o show”, afirma Rosangela Ribeiro, gerente de programas veterinários da organização.

Ainda segundo a representante da Proteção Animal Mundial, há provas de rodeio que causam extremo sofrimento e até a morte de animais. Uma das piores seria a prova do laço, em que bovinos jovens, bezerros e novilhos são perseguidos e laçados quando ainda estão em movimento, causando sérias fraturas e deslocamentos na coluna dos bichos. “Muitos animais saem da arena tetraplégicos ou mortos. Alguns rodeios internacionais e nacionais mais profissionais já aboliram esta prova’, diz.

Outra questão levantada pela veterinária é aquela em que seus defensores afirmam que esses eventos representam “a cultura do homem do campo”. “

“O rodeio não faz parte da nossa tradição. A prática foi importada dos Estados Unidos e não traz nenhum enriquecimento ou aprendizado cultural. Ninguém é contra a cultura do campo, as festas podem continuar com a música e a gastronomia do interior do Brasil, mas não precisamos submeter os animais aos maus tratos para o nosso simples entretenimento.

O governo federal instituir o Dia do Rodeio exatamente no Dia Mundial dos Animais é uma afronta à nossa sociedade, que não aceita mais os maus tratos – esse comportamento não deveria, em hipótese nenhuma -, ser enaltecido ou oficializado”, lamenta Rosangela.

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Foto: reprodução Facebook Asa Branca Locutor

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.