Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

O Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) expediu, na última segunda-feira, 19/07, uma recomendação ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) e à empresa Voltalia Energia do Brasil a suspensão das atividades de implementação de um parque eólico no município de Canudos. O complexo está localizado próximo ao único habitat da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) no Brasil. A espécie é considerada em perigo de extinção, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Pelo último censo, realizado em 2019, estima-se que sejam apenas 1.500 aves.

Conforme relatamos aqui, nesta outra reportagem no início de junho, além do temor de especialistas de que as 80 turbinas eólicas possam causar risco de colisão para as araras, há ainda um outro problema: a Voltalia, multinacional francesa responsável pelo empreendimento, não precisou apresentar um licenciamento ambiental completo para obter a permissão para a obra.

Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”.

Apesar disso, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) aprovou o projeto somente com a apresentação do licenciamento simplificado. 

Segundo o MP da Bahia, “a instalação do empreendimento pode causar impactos irreversíveis para a fauna da região e para as comunidades tradicionais”. No caso do Inema, o Ministério Público recomendou que ele suspenda ou mesmo, anule, a atual licença ambiental do parque, e após a apresentação do EIA/Rima pela Voltalia, seja realizada ainda “audiência ou reunião técnica com ampla participação da população e comunidades afetadas”.

Na área de implantação do complexo eólico de Canudos, que tem seu custo estimado em R$ 500 milhões, vivem onze comunidades, com aproximadamente 600 famílias, que de acordo com apuração do Ministério Público da Bahia “não foram ouvidas sobre a instalação do empreendimento em uma região que utilizam para desenvolver atividades produtivas, culturais e sociais”.

Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

Graças a projetos de conservação na Caatinga baiana, a população de araras-azuis-de-lear passou de 228 para 1.500 indivíduos em 20 anos

Silêncio dos órgãos envolvidos

A denúncia sobre a obra polêmica partiu da Fundação Biodiversitas, organização sem fins lucrativos, que há 30 anos mantem uma área particular de 1.500 hectares na região, a Estação Biológica de Canudos, onde é realizado, em parceria com outras entidades nacionais e internacionais, um programa de conservação que inclui o monitoramento da arara-azul-de-lear, a proteção das áreas de alimentação e dormitórios, além de pesquisas sobre comportamento e projetos de educação ambiental.

“Estamos muito felizes pelo MPBA ter se envolvido neste processo e exigido do Inema que ele cumpra as determinações legais do licenciamento ambiental estadual. O Inema cometeu uma falha grave ao conceder a licença à empresa sem exigir estudos específicos sobre o impacto do complexo eólico sobre as araras-azuis-de-lear, uma espécie globalmente ameaçada de extinção. A empresa, por sua vez, aproveitou dessa falha e preferiu ignorar o problema, insistindo em dizer que possui as licenças adequadas ao projeto. O ideal seria que o projeto eólico em Canudos, na rota das araras, fosse cancelado. Os estudos vão mostrar isso e a Voltalia vai chegar a conclusão que terá que rever seus planos no Raso da Catarina”, afirma Glaucia Drummond, superintendente da Biodiversitas.

Desde que o caso veio a público há mais de um mês, tanto o Inema, como o Cemave – centro nacional voltado para a conservação das aves silvestres ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) – não responderam aos e-mails enviados para suas assessorias de imprensa ou fizeram qualquer tipo de declaração sobre o assunto.

O Conexão Planeta entrou em contato também com a assessoria de imprensa da Voltalia do Brasil. A empresa informou que recebeu o documento do Ministério Público da Bahia no começo da semana e que o está “avaliando com a devida atenção que lhe cabe, pelo Departamento Jurídico da companhia, e será respondido dentro do prazo estabelecido”. Como já disse anteriormente, a multinacional alega que possui todas as licenças necessárias para a fase atual do projeto e que segue rigorosamente a legislação brasileira.

“A empresa ratifica que está à disposição de todos os segmentos da sociedade e informa que a implementação deste projeto ocorre de forma transparente e em cooperação com as comunidades locais, além do respeito à biodiversidade e ao Brasil, país onde está presente há mais de 15 anos”, destacou em nota.

Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

A localização do Complexo Eólico de Canudos está indicada com a seta vermelha, onde aparecem as linhas finas laranjas. A mancha clara, em verde, apresenta a área de uso da arara-azul-de-lear na região do Raso da Catarina

Petição contra a obra: pela proteção da arara-azul-de-lear

Há cerca de um mês, indignada com a construção do complexo eólico em Canudos, uma jovem ativista ambiental, de 18 anos, criou uma petição online no site Change.org pedindo a suspensão da obra. Náthaly Marcon é auxiliar de veterinária, apaixonada por araras-azuis, e decidiu tomar a iniciativa de chamar a atenção sobre a questão.

Inicialmente, como mostramos neste outro post, a petição endereçada ao presidente executivo da Voltalia, Sebastian Clerc, ao presidente da empresa no Brasil, Robert Klein, e ao governador da Bahia, Rui Costa possuia uma versão apenas em português. Agora ela pode ser encontrada em inglês e francês porque o caso teve repercussão internacional.

Atualmente a petição já tem mais de 60 mil assinaturas. Se você também é contra a obra e gostaria que as autoridades locais se pronunciassem a respeito, assine e compartilhe este link.

Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

A araras-azul-de-lear faz longos voos durante o dia, deixando seu dormitório bem cedo, no período da manhã, e voltando ao final do dia

*Texto atualizado às 21h30 para incluir a resposta da Voltalia à reportagem

Leia também:
Censo revela aumento da população da arara-azul-de-lear na Bahia
Jardins da Arara de Lear: livro conta a história linda da descoberta desta espécie em risco de extinção

Fotos: arara-azul-de-lear (João Marcos Rosa/Fundação Biodiversitas)

2 comentários em “Ministério Público da Bahia recomenda suspensão da obra de complexo eólico próximo a único refúgio da arara-azul-de-lear do país

  • 22 de julho de 2021 em 8:20 AM
    Permalink

    Respeito à bio diversidade é fundamental. Prevaleceu o bom sendo: ararinhas podem voar em paz.

    Resposta
  • 22 de julho de 2021 em 7:36 PM
    Permalink

    Será uma tragédia para a arara azul-de-lear, caso o complexo eólico seja construído. Um país que não respeita os biomas com toda a diversidade de vida selvagem que existe, em tempos de mudanças climáticas aceleradas, não é um país sério. Um país que caçadores agem impunimente matando onças-pintadas não é um país sério. Brasil, Carlos, do município de Picos, Estado do Piauí.

    Resposta

Deixe uma resposta

Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.