Ministério da Agricultura pede fim da lista de espécies aquáticas ameaçadas. Parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente é contra

Atualizado em 30/4/2019

O tubarão-limão ou Negaprion brevirostris (imagem acima) habita a Reserva Biológica do Atol das Rocas, próxima de Fernando de Noronha, e é um dos animais que integram a Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos. Portanto, exige cuidados proteção para não desparecer. Mas, se o pedido de suspensão dessa lista feito pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)dirigido pela ruralista Tereza Cristina e que engloba a Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP) – ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) for acatado, é exatamente isso que vai acontecer com ele e inúmeras outras espécies aquáticas.

De acordo com notícia divulgada em 20 de abril pelo jornal Folha de São Paulo, o argumento principal do MAPA é que “esse cadastro gerou repercussão negativa no setor pesqueiro e prejuízos econômicos”. Mas, em nota, o órgão divulgou que solicitou a Ricardo Salles que o MMA analise as espécies consideradas em risco de extinção porque discorda da metodologia adotada para a elaboração da lista.

O método que a Secretaria de Pesca não respeita foi desenvolvido pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), instituição fundada em 1948, na França, e sediada em Gland, na Suíça. Reúne mais de 1.250 organizações, sendo 84 governos nacionais, 112 agências de governo e ONGs e atua na elaboração dos acordos tratados internacionais na área de meio ambiente, sobre o estado de conservação de espécies em nível global.

O órgão do governo questiona, mas não indica outra metodologia de sua confiança para substitui-la. Diz apenas que o Brasil deve se utilizar de critérios nacionais e não de ONGs internacionais. Já é bem conhecida a ojeriza de Bolsonaro e de Salles a organizações não-governamentais, por considera-las “de esquerda” e usurpadoras.

Desde 2014, está proibida a pesca de 475 espécies

É bom destacar que a lista criticada pelo MAPA foi organizada pelo MMA, com coordenação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e estabelecida em dezembro de 2014 pela Portaria 445 do MMA. Desde esse ano, estão proibidas a captura, o transporte, o armazenamento, a guarda, o manejo e a comercialização de todas as espécies que compõem a lista. E por que? Para evitar a redução drástica dos estoques de pescado, mas principalmente a extinção de espécies. A ideia é garantir a recuperação desses bichos, no ritmo da natureza, e também incentivar a produção pesqueira com base em princípios sustentáveis.

Das 5 mil espécies analisadas, 475 (apenas 9%) foram classificadas como ameaçadas de extinção: vulneráveis, em perigo e criticamente em perigo. São 98 espécies de peixes marinhos e 311 de peixes continentais, além de 66 invertebrados aquáticos. 

O pedido de suspensão da lista foi assinado por Jorge Self Júnior, secretário da SAP, e entregue ao MMA no dia 8 de abril e, segundo o site Direto da Ciência, “tenta retomar pelas mãos de Salles a suspensão obtida judicialmente em junho de 2015 por associações de empresas pesqueiras, mas que o ministério conseguiu anular em segunda instância em abril de 2017”, já no governo Temer.

Como curiosidade, no site do Ministério do Meio Ambiente, a lista é apresentada assim: “um importante mecanismo de conservação da biota, que busca reconhecer as espécies ameaçadas de extinção no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva brasileira, para a priorização de ações de conservação e recuperação de populações, de modo a possibilitar a consequente mudança do grau de risco de extinção para uma categoria de menor ameaça até a sua classificação como não ameaçada”. 

Na mesma nota, a SAP declarou também que a pesca não é a principal ameaça a essas espécies. “Pelo contrário, a atuação de comunidades de pescadores, aliados à medidas de gestão como o auto monitoramento, têm permitido que diversos estoques saiam da condição de sobre-exploração”. E levantou outra questão: o descarte de espécies ameaçadas que, mesmo não sendo alvo principal da pescaria, têm que ser devolvidas ao mar, mesmo mortas. 

Isso acontece principalmente com a pesca de arrasto, quando uma rede enorme é arrastada por um barco, ao longo dos leitos, devastando a região. Se for realizada em águas profundas, o estrago é ainda maior, podendo ser a causa da desertificação do mar. No final de março, divulgamos que esta prática está levando à extinção a rara vaquita, uma espécie de golfinho que habita a costa do México e, no início de abril, falamos dos mais de mil golfinhos encontrados mortos na costa da França, pelo mesmo motivo. 

Ainda na nota divulgada, a SAP alega que a proibição impede aos pescadores a “tomada de decisão” e “não fortalece a gestão pesqueira”, reforçando que o papel da secretaria é “garantir o uso racional e sustentável dos recursos pesqueiros privilegiando o desenvolvimento desse setor no país, combatendo a insegurança alimentar e alinhando-se aos diversos instrumentos internacionais de gestão pesqueira do qual o Brasil é signatário”.  

O discurso parece não combinar com a prática. E a julgar pelas atitudes de impacto negativo que ele vem tomando desde que assumiu a pasta, difícil esperar por bom senso. Basta lembrar que, na semana passada, seu Ministério excluiu mapas de áreas de conservação de sua pagina na internet. e alegou que era preciso fazer atualização de dados. Só que, para isso, não é necessário tirar o material do ar, basta substituí-lo pelo novo quando este estiver pronto.

Pedido negado por duas análises técnicas

O fato é que o pedido da Secretaria da Pesca já teve sua recomendação negada duas vezes: por uma análise técnica da Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI) e por um parecer técnico do próprio MMA. E ambas informam que a elaboração da lista teve a participação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, que tinha status de ministério, mas foi extinta em janeiro por Bolsonaro com a polêmica Medida Provisória 870.

As duas análises contestam as críticas da SAP à competência e aos critérios da IUCN. Diz a SBI, em seu parecer: “Diversos estudos científicos mostram claramente a efetividade da metodologia da IUCN na avaliação do risco de extinção de peixes, incluindo aqueles de interesse da pesca”.

Em resposta aos prejuízos econômicos,para o setor pesqueiro, o parecer do MMA enfatiza que “a melhor forma de garantir a segurança alimentar e a atividade econômica dos pescadores é possibilitar que os mesmos possam exercer sua atividade de forma sustentável a longo prazo”. E o óbvio ululante: “Não há como existir pescador se não existir peixe”.

Fontes: Folha de São Paulo, G1 e Agência Brasil 

Foto: Albert Kok/Wikimedia Commons (tubarão-limão ou Negaprion brevirostris, comum no Atol das Rocas)

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.