Mata Atlântica: em um ano, desmatamento cresce quase 60%


Dá pra imaginar que florestas tão ricas e exuberantes como as da foto acima – feita por Daniel de Granville, na Trilha dos Caboclos, no Petar, em Iporanga, São Paulo – estão sendo destruídas diariamente e podem desaparecer? Pois, apesar dos esforços de ONGs, pesquisadores e ativistas – que têm avançado muito na proteção e conservação desse bioma -, entre 2015 e 2016, foram destruídos mais de 29 mil hectares (ha). Com um detalhe: há cerca de dez anos não era registrado um nível tão alto de desmatamento na Mata Atlântica.

“O que mais impressionou foi o enorme aumento no desmatamento no último período”, disse Marcia Hirota, diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica (SOSMA). “Tivemos um retrocesso muito grande, com índices comparáveis aos de 2005”. Entre 2005 e 2008 a destruição foi de 102.938 ha, o que equivale a dizer que a destruição anual da floresta foi de 34.313 ha.

A Bahia lidera o ranking: perdeu mais de 12 mil ha em um ano ou 30% da floresta. Entre os estados mais desmatadores seguem: Minas Gerais, com 7.410 ha, Paraná, com 3.453 ha (inacreditável porque este foi o estado que mais recuperou a Mata Atlântica nos últimos 30 anos!) e Piauí, com 3.125 ha.

Estes são os dados terríveis do Atlas da Mata Atlântica, divulgados hoje pela SOSMA e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O estudo aponta o desmatamento de 29.075 ha – o que equivale a 290 Km nos 17 estados onde ocorre o bioma, representando aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015) ou 18.433 ha.

Os estados campeões

A Bahia perdeu 12.288 ha de vegetação desse bioma, o que representa alta de 207% em relação ao ano anterior, quando foram destruídos 3.997 ha. Santa Cruz Cabrália e Belmonte são os dois municípios baianos que mais desmataram, registrando a supressão de 3.058 ha e 2.119 ha, respectivamente.

Se somados aos desmatamentos de Porto Seguro e Ilhéus (no sul do estado), pode-se dizer que cerca de 30% do total do bioma foi destruído nessa região, historicamente conhecida pela chegada dos portugueses e pelo início da colonização do país. “Essa é a região mais rica do país em biodiversidade e tem grande potencial para o turismo. Estamos destruindo um patrimônio que poderia gerar desenvolvimento, trabalho e renda para o estado”, destaca Marcia.

Ela conta que técnicos da fundação sobrevoaram estes dois municípios em 16 de maio último e registraram queimadas, a conversão da floresta em pastagens e processos de limpeza de áreas onde o entorno apresenta forte atividade de silvicultura.

Depois da Bahia, o estado que mais desmatou foi Minas Gerais. Assim, o vice-líder do ranking do desmatamento da Mata Atlântica destruiu 7.410 ha, principalmente em Águas Vermelhas (753 ha), São João do Paraíso (573 ha) e Jequitinhonha (450 ha), região reconhecida pelos processos de destruição desse bioma para produção de carvão ou pela conversão da floresta por plantios de eucalipto. Vale ressaltar que, em sete das últimas nove edições do Atlas, o estado de Minas liderou o ranking, e sempre com municípios dessa região.

No Paraná, o terceiro maior desmatador brasileiro do bioma, os índices de destruição voltaram a subir pelo segundo ano consecutivo: foram de 1.988 ha, entre 2014 e 2015, para 3.545 ha entre 2015-2016. Ou seja, aumentaram 74%!!!!! A região mais afetada é a das araucárias, espécie já ameaçada de extinção, com apenas 3% de florestas remanescentes.

Manoel Emídio (1.281 ha), Canto do Buriti (641 ha) e Alvorada do Gurguéia (625 ha) são os municípios onde o desmatamento foi mais fundo no Piauí. Essas cidades são limítrofes entre si, ficam próximas ao Parque Nacional Serra das Confusões e numa importante região de fronteira agrícola, que concentra a produção de grãos e é também área de transição entre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga. Este é o quarto ano consecutivo em que esses municípios ganham destaque no Atlas da Mata Atlântica.

O diretor de Políticas Públicas da SOSMA, Mario Mantovani, classifica a situação como gravíssima e indica reversão na tendência de queda do desmatamento, que vinha sendo registrada nos últimos anos. Para ele, não é à toa que os quatro estados campeões de desmatamento são conhecidos por sua produção agropecuária. “O setor produtivo voltou a avançar sobre nossas florestas, não só na Mata Atlântica, mas em todos os biomas, após as alterações realizadas no Código Florestal e o subsequente desmonte da legislação ambiental brasileira. Este pode ser o início de uma nova fase de crescimento do desmatamento”, salienta.

Ele lembra que o cenário pode piorar com a tentativa do Congresso de aprovar emendas de flexibilização do licenciamento ambiental e os diversos ataques ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação. “No momento em que o caos está instalado em Brasília, numa crise política que tem no seu centro a maior empresa de carnes do mundo, a bancada do agronegócio e o núcleo central do governo federal avançam, de forma orquestrada e em tempo recorde, sobre o nosso sistema de proteção ambiental. A sociedade não pode ficar alheia às decisões tomadas por nossos governantes e legisladores. Precisamos nos mobilizar para frear o desmonte da nossa legislação”, conclui.

Mangue e Restinga, também desmatados

No mesmo período do estudo divulgado no Atlas, nove dos 17 estados da Mata Atlântica registraram supressão da vegetação de Restinga: Ceará (788 ha), Piauí (244 ha), Santa Catarina (199 ha), Bahia (64 ha), Sergipe (50 ha), São Paulo (32 ha), Rio de Janeiro (29 ha), Paraná (14 ha) e Rio Grande do Norte (6 ha). Já o desmatamento no Mangue ocorreu apenas na Bahia, em uma área de 68 ha.

Desmatamento zero: promessa é dívida?

Diante desse quadro lamentável de perdas de vegetação da Mata Atlântica, é importante lembrar que, em maio de 2015, 17 secretários de Meio Ambiente dos Estados onde ocorre a Mata Atlântica assinaram a carta Nova História para a Mata Atlântica, na qual se comprometiam a ampliar a cobertura vegetal nativa e a buscar o desmatamento ilegal zero até 2018.

Dois anos depois desse compromisso, o Atlas da Mata Atlântica nos mostra que apenas cinco estados registram nível de desmatamento zero, ou seja, com menos de 100 hectares (1 Km2) de desflorestamentos, somadas áreas desmatadas em florestas, mangues e restingas. São eles: Rio Grande do Norte (6 ha), Alagoas (11 ha), Paraíba (32 ha), Pernambuco (16 ha) e, Rio de Janeiro (66 ha).

Pernambuco voltou à lista do desmatamento zero este ano pois reduziu 88% o desmatamento em suas terras, passando de 136 ha entre 2014 e 2015 para 16 ha, no último ano.

A má notícia vem de Goiás (149 ha desmatados), Ceará (797 ha) e São Paulo (730 ha*) que começaram bem, quando assumiram o compromisso, mas desviaram do caminho. Mas Flávio Jorge Ponzoni, pesquisador e coordenador técnico do estudo pelo INPE, comenta o resultado de São Paulo: “Apesar do grande aumento do desmatamento no estado, é importante destacar que 90% ocorreu por causas naturais, mais especificamente vendavais e tornados que atingiram os municípios de Jarinu, Atibaia, Mairinque, São Roque e Embu-Guaçu em 5 de junho do ano passado”. As mudanças climáticas são inexoráveis, mesmo.

Para aprofundar a pesquisa sobre o desmatamento na Mata Atlântica, ver o ranking completo, com os 17 estados etc, consulte o Atlas.

Foto: Daniel de Granville

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.