
Cerca de 331 defensores dos direitos humanos – que atuavam por justiça social, ambiental, racial e de gênero – de 25 países foram mortos e dezenas de outros foram agredidos, detidos e criminalizados no ano passado.
É o que denuncia a Análise Global 2020 publicada ontem, 11/2, pela Front Line Defenders FLD (Defensores da Linha de Frente, em tradução livre).
2/3 dos assassinados lutavam pela proteção do meio ambiente, da terra e dos direitos do povos indígenas (69%), e quase 1/3 eram indígenas.
Profissionais dedicados ao combate à COVID-19, que prestavam socorro aos contaminados e aos profissionais na linha de frente, também foram atacados e perseguidos.
Os países mais perigosos
O continente mais perigoso do mundo é a América Latina, responsável por mais de 3/4 do total de mortes.
A Colômbia é o país que mais persegue ativistas que, em geral, são alvo de grupos armados, mesmo depois do acordo de paz firmado em 2016. Em 2020, foram 177 mortos, ou seja, mais da metade do total relatado pela FLD.
Em segundo lugar, estão as Filipinas com 25 assassinatos, seguidas por Honduras (20), México (19), Afeganistão (17), Brasil (16: saiba quem são no final deste post) e Guatemala (15).
No Peru, 9º país mais violento no ranking, as mortes passaram de uma, em 2018, para oito, em 2020. No Iraque também foram assassinados 8 ativistas. Na Índia, foram seis; no Chile, 4; e na Indonésia e na Nicaragua, 2.
E doze países figuram no ranking com um assassinato no ano: Bolívia e Costa Rica, na América Latina; Canadá, da América do Norte; Suécia, único na Europa, além de China, Nepal, Paquistão, Líbia, África do Sul, República Democrática do Congo, Síria e Tailândia.

mostra o aumento de assassinatos mês a mês, em 2020.
Acima está o registro final, de dezembro.
75% dos mortos em 2020 eram indígenas, enquanto todos trabalhavam em questões de terra ou dos direitos indígenas, o que significa que a maioria, senão todos, estavam localizados em áreas mais remotas e enfrentam atores corporativos e estatais que buscam controle sobre a terra e os recursos naturais”. declarou O’Donovan.
Ativistas contra COVID-19 na mira dos agressores

Embora, 69% das vítimas fatais trabalhassem com a proteção do meio ambiente, questões da terra e defesa dos direitos dos povos indígenas, uma das características mais marcantes desse levantamento é a agressão aos ativistas que auxiliavam comunidades no combate à COVID-19.
Muitos foram os países que adotaram medidas drásticas para conter a pandemia do novo coronavírus. E, nesse contexto, ativistas dos direitos humanos atuaram para fazer chegar equipamentos de proteção (EPIs), remédios e alimentos aos profissionais de saúde e às pessoas doentes e idosas, num esforço hercúleo adotado para preencher lacunas deixadas pelos governos.
E justamente devido a essa ação humanitária, foram perseguidos e enfrentaram todo tipo de represálias: assédio, violência física, prisão e assassinato, segundo Ed O’Donovan, chefe de proteção do FLD.
“A pandemia de Covid-19 expôs muitas falhas em muitas sociedades – notavelmente desigualdades sistêmicas e falhas do governo em fornecer serviços eficazes aos seus cidadãos, o que às vezes é intencional”, declarou.
Isso pode ser identificado em sistemas não-democráticos (ou em que a democracia esteja ameaçada, como é o caso do Brasil). Neles, a corrupção corre solta e não existe transparência nem responsabilidade entre as elites governantes, tanto políticas quanto econômicas.
“Na Colômbia, os grupos armados impuseram seus próprios postos de controle Covid-19 e patrulhas nas áreas que controlam, expondo assim os defensores dos direitos humanos a maiores riscos”. E O’Donovan acrescentou:
“Os defensores dos direitos humanos e a sociedade civil têm preenchido essas lacunas, oferecendo serviços e uma visão alternativa para as sociedades”. Por isso são alvo de tanta violência.
Para ele, não existe surpresa no fato de ativistas das três Américas, que trabalham com questões de impunidade e justiça, representarem o segundo maior índice de violações.
Em seguida, os mais vulneráveis são os que trabalham com direitos indígenas, fundiários e ambientais. Em 2020, defensores dos direitos humanos que trabalham com combate à corrupção também estão entre as maiores estatísticas: foram 20, o número mais alto já documentado pela FLD.
Indígenas, mulheres e trans
Apesar de representarem apenas 6% da população mundial, os indígenas estão entre os ativistas mais visados no ano passado, totalizando quase 1/3 dos 331 mortos.
A maioria dos mortos atuava para impedir projetos da indústria de mineração e madeireira, como foi o caso do ativista ambiental sul-africano Fikile Ntshangase, eliminado por protestar contra a extensão de uma mina de carvão próxima de sua casa.
13% das vítimas eram mulheres. Seis, transgêneros. Todas das Américas.
Nas ruas, em plena pandemia
A COVID-19 tirou as pessoas das ruas, paralisando boa parte da essência dos movimentos de protesto que tiveram origem em 2019. Mas, de acordo com o relatório, em alguns países, os ativistas de direitos humanos contribuíram para reavivar essas mobilizações na última metade de 2020.
A foto que ilustra este post mostra estudante indígena em uma manifestação em 4 de junho de 2020 contra a Lei Antiterrorismo das Filipinas na Universidade das Filipinas, em Quezon City. No pôster está escrito “Defensores dos direitos humanos não são terroristas”.
Na Bulgária, por exemplo, combateram a corrupção da elite política;. Na Polônia, protestaram pelos direitos reprodutivos; em Hong Kong, foram às ruas contra a introdução de uma lei de segurança nacional “orwelliana”. E, nos Estados Unidos, se revoltaram contra o racismo sistêmico.
Risco diário e impunidade
Em pleno século XXI, ser ativista dos direitos humanos, em muitos países, é estar condenado à morte e à violência.
Em comparação com 2019, a quantidade de mortos aumentou – foi de 304 para 311 – e a de países diminuiu – 31, antes, e 25. Ou seja, menos países são responsáveis por mais mortes de ativistas de direitos humanos, o que prova, mais uma vez, a impunidade nesse cenário. E isso ficou ainda mais evidente com a pandemia global.
O relatório da Front Line Defenders coincidiu com a declaração (acusação) da Anistia Internacional de que o governo do Reino Unido não tem cumprido sua promessa de proteger esses defensores no exterior.
Reino Unido não consegue proteger os defensores dos direitos humanos no exterior, reclamou a Anistia: “Na Colômbia, os grupos armados impuseram seus próprios postos de controle Covid-19 e patrulhas nas áreas que controlam, expondo assim os defensores dos direitos humanos a maiores riscos.”
Segundo o documento, profissionais de saúde, advogados, jornalistas e ativistas em todo o mundo lutam para obter apoio das embaixadas britânicas.
A organização FLD divulgou nota a respeito das “tentativas da China e da Índia de reduzir e reformular os padrões normativos de direitos humanos” no mundo.
Em seu relatório, também deu destaque à constante perseguição da China contra os uigures, de maioria muçulmana, povo de origem turcomena que habita principalmente a Ásia Central.
Em 2020, essas perseguição resultou em prisões arbitrárias em massa e várias arbitrariedades como trabalhos forçados, esterilização de mulheres e o assassinato de, pelo menos, um defensor dos direitos humanos dessa etnia: Tursun Kaliolla, era ex-funcionário público e foi morto em dezembro de 2020, sob custódia em Xinjiang.
Proteção pós-pandemia e na conferência climática
Olive Moore, vice-diretora da FLD, declarou que os números de 2020 revelam uma tendência “inescrupulosa” de violência contra ativistas e solicitou que os defensores dos direitos humanos sejam incluídos no planejamento pós-pandemia dos governos e nas negociações climáticas da Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP-26), que será realizada em novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia.
“Embora 2020 tenha sido um ano difícil para todos, foi especialmente desafiador para os ativistas dos direitos humanos, que se levantaram para enfrentar desafios sem precedentes. Eles enfrentaram ataques crescentes, insegurança econômica e o impacto de doenças e mortes em suas comunidades, mas trabalharam para preencher as lacunas deixadas pelas respostas insuficientes dos governos à pandemia”.
E finalizou, indignada: “Que eles estejam sob ataque, conforme detalhado neste relatório, é injusto”.
16 ativistas brasileiros mortos
Estes são os brasileiros assassinados em 2020, entre eles, uma mulher:
– Celino Fernandes e Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes (pai e filho camponeses, Maranhão, em janeiro),
– Fernando Ferreira da Rocha (em fevereiro; advogado defendia família de camponeses no Amazonas),
– Raimundo Paulino Da Silva Filho (no Pará,em fevereiro),
– Daniquel de Oliveira dos Santos (membro do MTST de Uberlândia, em março),
– Anísio Souza (Rio de Janeiro, em março),
– Zezico Rodrigues Guajajara (em abril, como contamos aqui),
– Ari Uru-Eu-Wau-Wau (também noticiamos sua morte),
– Airton Luis Rodrigues da Silva e Adão do Prado (assentados do MST, Rio Grande do Sul, em abril),
– Antonio Correia dos Santos (Antonio do Barroso: em maio, na Bahia),
– Original Yanomami e Marcos Arokona Yanomami (os dois foram mortos por garimpeiros, em junho),
– Kwaxipuhu Ka’apor (morto em agosto por invasores da Terra Indígena Alto Turiaçu),
– Énio Pasqualin (liderança do MST, no Paraná, em outubro)
– Jane Beatriz Machado da Silva (em ação da Brigada Militar, em Porto Alegre, em dezembro).
Fonte: The Guardian, relatório Front Line Defenders
Fotos: Front Line Defenders/Mark Z. Saludes/Divulgação