Livro e exposição de Gandhy Piorski revelam o poder da imaginação na infância e no brincar

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Poucos conhecem o universo da infância, do brincar, do imaginário e do brinquedo como Gandhy Piorski. Com o intuito de descobrir o que move as crianças brasileiras em suas brincadeiras – seja com brinquedos fabricados em série ou construídos por eles mesmos –, o educador e artista plástico cearense iniciou seus estudos, há 20 anos.

Aos poucos, recolheu brinquedos de várias partes do Brasil e, com eles, montou exposições para provocar reflexões sobre o tema. A mais recente foi A criança e a imaginação da matéria e reuniu 1.700 peças produzidas por 1.200 crianças a partir de restos de sucata urbana, que compõem seu acervo particular.

E é essa exposição que ele apresentará em São Paulo, de 12 a 17/11, em A Casa – Museu do Objeto Brasileiro. A abertura será no dia 5/11, para convidados, e ainda terá o lançamento do primeiro livro de uma série (são 4 volumes) que revela a relação das crianças com os elementos da natureza: terra, água, fogo e ar.

gandhy-piorski-lanca-livro-e-esposicao-capa-livro-jpgNo dia 8/11, o livro será lançado no Rio de Janeiro, no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), também para convidados. Tudo com parceria do Instituto Alana, do qual Piorski é consultor.

Brinquedos do Chão: o imaginário, a natureza e o brincar

Editado pela Editora Peirópolis, o livro é dedicado à terra. Nele, além de mostrar como se processa o brincar e a construção de brinquedos com esse elemento, Piorski apresenta reflexões sobre cavar a terra, abrir os animais para ver o que tem dentro, brincar de esconde-esconde e outras atividades que revelam o fascínio do encontro e da descoberta e de como a criança molda a si própria nessas brincadeiras.

“A imaginação é a faculdade com a qual a criança dialoga com a vida, é o oposto da consciência racional, que analisa e cria conceitos”, explica o educador. “A imaginação é fundada pelo simbólico, pelo encanto, e não por uma linguagem moralista”.

A criança e a imaginação da matéria

gandhy-piorski-lanca-livro-e-esposicao-brinquedos-robo-do-futuro-okNa exposição, que será montada apenas em São Paulo, estarão expostos brinquedos feitos com sucatas da indústria e que fazem parte de seu acervo particular. Mas Piorski chama a atenção para o fato de que não foram utilizados quaisquer materiais. “São sucatas inteligentes como um freio de bicicleta que abre ramos na imaginação e evita o linear, por exemplo”. Para ele, “é preciso criar encantamento nas matérias, porque a imaginação é do reino do encanto e é ele que acorda o interesse vivo em criar”.

Assim, quem visitar a exposição passeará pelo imaginário de crianças de diversos cantos do Brasil a partir de dinossauros (foto), robôs, animais, seres humanos (ou meio surreais), entre outras figuras produzidas em oficinas com temas livres, orientadas pelo educador.

“O mais importante é conhecer a imaginação da criança, como ela se estrutura e, a partir disso, encontrar no mundo espelhos que alimentem essa imaginação”.

Agora, é só se programar para não perder esta oportunidade!

A Criança e a imaginação da matéria
Quando: 12 a 17/11, das 10h às 18h (também no feriado)
Onde: A Casa – Museu do Objeto Brasileiro, Av. Pedroso de Moraes, 1216 – Pinheiros, São Paulo/SP.
O local tem acesso para deficientes e banheiros adaptados, área restrita ao cadeirante, rampa de acesso, espaço para circulação e os equipamentos são todos adaptados ao cadeirante.

Abaixo, a entrevista que Gandhy Piorski concedeu (em outubro) ao Instituto Alana sobre sua trajetória e o livro.

“As experiências mais estruturantes da vida estão na natureza”

gandhy-piorski-lanca-livro-e-esposicao-foto-adriana-elias-500O professor Marcos Ferreira, que prefaciou seu livro, diz que você é um pesquisador alimentado pela ‘curiosidade crianceira’. O que as crianças despertam em você?
Em principio não existia um interesse direto pela infância, mas pelo universo do artista brincante. As artes e as brincadeiras sempre chamaram a minha atenção. Sempre gostei muito de teatro de bonecos. Em meados dos anos 90, pude conhecer o mestre Zezito, e estudar com ele. Ele que me transmitiu um encantamento pela alma do brinquedo tradicional, feito por artesãos. Foi então que montei uma oficina e comecei a construir brinquedos, propor projetos para arquitetar espaços de brincar, realizar oficinas com crianças e jovens da periferia de Fortaleza e, com isso, iniciei uma pesquisa própria. Fiquei até 1999 trabalhando quase que exclusivamente com construção de brinquedos.

E quando a criança tornou-se o foco da sua pesquisa?
Em 2003, ganhei a Bolsa Virtuose, cedida pelo Ministério da Cultura, para realizar estudo no Museu do Brinquedo de Sintra, em Portugal. Conheci diversos pesquisadores, entre eles o professor João Amado, da Universidade de Coimbra, que pesquisa os brinquedos construídos por crianças da Península Ibérica. Um dia, durante uma conversa, ele me levou até as ruínas de Conímbriga, cheia de mosaicos, de brinquedos e brincadeiras das crianças romanas, e me deu uma aula sobre esses brinquedos. Depois, lançou a pergunta: você conhece as crianças do Brasil? Já pesquisou os brinquedos que elas constroem? Isso mexeu comigo e me conduziu a olhar para a criança.

O significado do brinquedo mudou quando você começou a olhar para a criança?
Mudou completamente. Quando entrei de cabeça no universo da infância, o brinquedo estético e produzido perdeu a expressão para mim; eu enxerguei uma camada anterior – que é a imaginação da criança – e que falava com muito mais riqueza sobre o universo da infância. É na imaginação que residem todos os elementos do brincar. O brinquedo foi perdendo sua concretude.

Depois dessa nova ótica para o brinquedo, como você guiou suas pesquisas?
Eu voltei de Portugal e, no mês seguinte, já estava no Pará, em áreas ribeirinhas de Belém, olhando as crianças. Também fiz um trabalho para a Instituição Dragão do Mar. Eles me convidaram para montar uma grande exposição de brinquedos construídos por crianças cearenses. Fiz uma pesquisa de dois anos, em 25 regiões do Ceará. Foi dessa experiência – entre 2005 e 2007 – que nasceu o livro Brinquedos do Chão. A escrita foi no campo – eu parava à noite e escrevia. Comecei a entrar de cabeça nos elementos da natureza, relacionando-os com o brincar.

O que a criança busca quando brinca com os elementos da natureza?
Busca um anseio humano muito antigo, de se entranhar no mundo e conhecê-lo nas suas múltiplas dimensões. A força imaginária conduz a criança a conhecer as experiências mais estruturantes da vida – e essas experiências estão na natureza.

E o que ela busca ao brincar com a terra, em específico?
A brincadeira da terra é uma brincadeira de estrutura. A criança busca a inteireza, a concretude da vida, quer compreender os materiais no todo e manifesta isso nos seus fazeres. No livro, eu falo sobre as investigações do oculto: abrir os animais para ver o que tem dentro, cavar a terra, a brincadeira de esconde-esconde. Esses momentos revelam o fascínio do encontro. A criança tira os véus da vida para poder criar intimidade e se aninhar com o mundo, ela quer conhecer os fundamentos de todas as coisas e a terra permite essa descoberta.

Você afirma no livro que a imaginação é a verdade da criança. Poderia explicar?
A imaginação é a faculdade com a qual a criança dialoga com a vida. É o oposto da consciência racional, que analisa e cria conceitos. A imaginação é fundada pelo simbólico, pelo encanto, e não por uma linguagem moralista. O olhar simbólico nos deixa permear pelas matérias do mundo, já o olhar analítico nos afasta das experiências. Quem vive por mais tempo o alimento imaginário constrói uma organização sensorial mais aprofundada, por isso precisamos educar as crianças, desde cedo, nessa expressão do imaginário.

Existe um imaginário que atravessa as diferentes culturas infantis?
Sim. O contato com a elementaridade do mundo dá uma universalidade para o brincar. O barquinho, por exemplo, é universal na cultura das brincadeiras. O menino que nasce no sertão vai acessar o elemento água tanto quanto o menino que nasce na beira da praia. Mas as narrativas serão diferentes, pois a cultura vai dar o contorno para as brincadeiras. O menino do mar constrói um barquinho de forma mais refinada do que o do sertão, mas os dois contêm em si os mesmos elementos imaginários da água. Isso é um arcaísmo genético – a água acorda informações genéticas comuns aos dois meninos, porque essas informações estão no fundamento do humano.

A exposição que acompanha o lançamento do livro traz brinquedos que crianças construíram com sucatas da cidade. Como relacionar com os brinquedos do chão, feitos com elementos da natureza?
Ela vem para dar um contraponto: não precisamos ficar restritos ao sonho ideal do brincar na natureza, o mais importante é conhecer a imaginação da criança, como ela se estrutura e, a partir disso, encontrar no mundo espelhos que alimentem essa imaginação. Nessa exposição estão expostos brinquedos feitos com materiais da indústria. Mas não qualquer material, são sucatas inteligentes, como um freio de bicicleta – que abre ramos na imaginação e evita o linear. É preciso criar encantamento nas matérias, porque a imaginação é do reino do encanto, ele que acorda o interesse vivo em criar.

Qual o convite que o livro faz ao leitor?
O livro trata sobre a base fundamental de diálogos da criança com o mundo e inaugura uma reflexão sobre o comportamento imaginador da criança. É para todos que se interessam pela criança: pessoas da área da cultura que produzem obras para crianças, artistas, arquitetos que têm pensado ambientes para a infância, urbanistas, educadores que estão nas escolas.

Fotos: Divulgação

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.