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Liana John: jornalista lutou pela conservação ambiental, valorizou a ciência e amou as antas

Liana John: jornalista lutou pela conservação ambiental, valorizou a ciência e amou as antas

Na última sexta-feira, 23 de julho, a querida Liana John partiu, depois de lutar, por quase seis anos, contra um câncer no pâncreas

Mesmo ciente de seu estado de saúde, desabei com a notícia, perdi o sono e rapidamente me lembrei de momentos que compartilhamos, tanto aqui, no Conexão Planeta, como em outros projetos, anteriores. É o que conto aqui.

Liana foi pioneira no jornalismo ambiental e dedicou sua trajetória à disseminação da conservação do meio ambiente e de seu ‘casamento perfeito’ com a ciência. E com a agricultura.

Foi devido a esse talento especial que nos conhecemos em 2010. A convite do amigo Matthew Shirts, responsável pela coordenação editorial do movimento Planeta Sustentável, da Editora Abril, Liana passou a escrever reportagens e artigos para o site (desse movimento) que eu dirigia. Mais especificamente para o blog que ela batizou de Biodiversa.

Por cinco anos, encantou leitores – e todos da equipe – revelando, de maneira muito fácil, como a ciência e o design são influenciados e inspirados pela natureza e apresentando iniciativas de pesquisadores – inéditas e inovadoras -, que se beneficiavam do meio ambiente, ao mesmo tempo que o protegiam. 

Do Biodiversa ao Bioconecta

Com o fim do Planeta Sustentável, em 2015, eu e Suzana Camargo – também jornalista e colaboradora do site – lançamos o Conexão Planeta (contamos nossa história aqui), sem qualquer patrocínio ou respaldo financeiro. E convidamos os jornalistas que escreviam para o Planeta para se tornarem nossos colaboradores voluntários

Liana aceitou prontamente e, assim, deu início à rede linda de profissionais que ajudou a viabilizar nosso sonho: criar um site para informar, mas principalmente inspirar as pessoas para a ação. A generosidade foi uma das características mais marcantes da personalidade desta querida jornalista.

Liana gostou muito da ideia de dar continuidade ao que fazia no Biodiversa. E, mesmo sem receber um centavo pelo trabalho desenvolvido, imprimiu seu talento em textos irretocáveis, publicados no blog que chamou de Bioconecta (tinha uma habilidade incrível para escolher nomes e títulos).

Nele, escreveu sobre um tijolo feito de mandioca, o som pantaneiro das violas de cocho, a roupa de surfistas inspirada nas lontras e castores, o jucá, forte aliado da pele, a guaçatonga, perfeita contra aftas, herpes e mau hálito, o uso do umbu contra sede, escorbuto e rugas e o urucum, que trata feridas difíceis e queimaduras.

E foi com essa riqueza de aprendizados que a jornalista nos brindou durante dois anos: de 2015 a 2017. 

Muito além do blog

No meio do caminho, a doença implacável se manifestou. Liana passou por uma cirurgia inédita. Estava apreensiva e muito animada ao mesmo tempo. Assim que se sentiu com forças, voltou ao trabalho e ao blog.

Mas seu entusiasmo em disseminar conhecimento era tão gigante, que, por vezes, sugeria pautas para outras editorias do site. Entre elas, se destaca a que acabou se transformando em numa série especial de reportagens sobre economia circular na Holanda, dada a quantidade de informação colhida por Liana.

Os textos foram publicados por ela ao longo de quatro meses e reunidos em único link (indicado acima) em agosto de 2016, quando o Conexão Planeta completou um ano.

Liana John: jornalista lutou pela conservação ambiental, valorizou a ciência e amou as antas
Quando esteve na Holanda, Liana John aproveitou para fotografar as paisagens

Essa série foi fruto de um convite que Liana recebeu do Ministério do Meio Ambiente da Holanda, por intermédio de sua embaixada no Brasil, para conhecer seu sistema de reciclagem e reaproveitamento de materiais. E é a prova do reconhecimento de seu trabalho também no exterior.

Essa série foi um presente pra nós e para nossos leitores, e, agora, é mais uma lembrança linda do talento desta jornalista adorável.

Escrita potente e prazerosa

Um ano depois, Liana deixou de escrever para o blog. Estava envolvida com muitos projetos profissionais, mas um, em particular, tomaria boa parte de seu tempo e ela queria se dedicar.

Seu filho, Daniel Lino de Miranda, portador de síndrome de down, havia lançado, no início daquele ano, uma série de vídeos – Down News, sobre o qual contamos aqui – e precisava de sua assessoria. 

Ninguém melhor do que ela para a missão. Além de Dani ser seu filho, Liana sempre militou em favor da inclusão de pessoas com necessidades especiais e contra o preconceito

Mas não conseguiu abandonar o Conexão: de vez em quando, aparecia com uma proposta de pauta bacana. São dessa fase a matéria com 18 selfies animais no Pantanal, na qual revelou imagens divertidas flagradas por armadilhas fotográficas nesse bioma para as quais escreveu legendas hilárias (foto abaixo), e o post no qual conta sobre “a safadeza” das queixadas: famílias comunitárias e nada de monogamia!.

Liana John: jornalista lutou pela conservação ambiental, valorizou a ciência e amou as antas
“Muito perto? Perto demais pros meus olhos verdes?”. Na foto, uma suçuarana ou Puma concolor

Sua escrita é tão potente e prazerosa que, até hoje, durante as férias ou em datas especiais, resgatamos textos seus e compartilhamos nas redes sociais do Conexão Planeta. Sempre com bom retorno dos seguidores. Em sua homenagem, continuaremos disseminando parte de seu legado inspirador.  

Diversidade na comunicação 

Liana John experimentou praticamente todos os formatos de comunicação para expressar seu ativismo e disseminar conhecimento sobre conservação. Flexível e atenta ao espírito do tempo, se deu bem em todos eles. 

No início de sua trajetória, trabalhou na revista Veja e no Guia Rural. Em 1989, assumiu a editoria de Ciência e Meio Ambiente da Agência Estado, onde ficou por 15 anos. Depois, foi editora-executiva da revista Terra da Gente

Como profissional independente, criou a Editora Camirim e colaborou com os sites Planeta Sustentável e Conexão Planeta (como contei acima), as revistas National Geographic BrasilHorizonte Geográfico, Rádio Eldorado e, mais recentemente, a Revista Pantanal, publicada pela organização WWF-Brasil. O último número que editou foi lançado em abril deste ano.

Foi conselheira da Fundação SOS Mata Atlântica. Escreveu dez livros, entre eles o belíssimo Jaguar, o Rei das Américas, sobre a onça-pintada, em parceria com Evaristo Miranda, seu marido.

Também recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio de Reportagem sobre Biodiversidade da Mata Atlântica, por cinco vezes; o Biodiversity Reporting Award, da Conservation International (CI); o Prêmio Embrapa de Reportagem e o Prêmio HSBC de Imprensa e Sustentabilidade.

Apaixonada por antas

Liana John: jornalista lutou pela conservação ambiental, valorizou a ciência e amou as antas

Liana também foi parceira constante do Instituto Ipê e da Incab – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, dirigida por uma grande amiga, a pesquisadora Patrícia Médici, uma das maiores especialistas em antas do mundo.

Apaixonada por essa espécie, participou ativamente de campanhas para a conscientização da população sobre a importância de sua preservação, entre elas Anta é Elogio!. Estava escrevendo um livro sobre a jardineira das florestas (anta) com Patrícia, mas não deu tempo de finalizá-lo. 

“Já fazia alguns anos, trabalhávamos juntas em um livro, um coffee table book sobre a anta, a jardineira da floresta. Não terminamos. Tenho aqui comigo pastas e pastas de fotos compiladas por Liana e mais de uma dezena de capítulos escritos por ela, revisados ao longo dos anos. Um desses capítulos inclui sua teoria sobre a razão pela qual a anta é tratada de forma pejorativa aqui no Brasil! Poucos sabem. É fascinante!”, contou Patrícia em seu Facebook, e fez uma promessa:

“Liana, querida amiga e parceira antológica, eu não sei como, mas vou dar um jeito de publicar o nosso livro. Prometo”. No que depender do apoio dos amigos, a realização deste projeto está garantida. 

E Patrícia completou: “Prometo também cuidar da sua anta Liana lá no Pantanal: aquela gorducha!” (foto abaixo).

Vale destacar, ainda, que Liana era uma super fotógrafa e, muitas vezes, ilustrava seus textos com fotos de sua autoria. Um dos retratos mais lindos de Patrícia (que já usamos, aqui no Conexão Planeta) foi feito por ela.

Carta de despedida

Desde sábado, as homenagens à Liana, nas redes sociais, não param. Tanto de pessoas muito amigas, que partilharam momentos especiais com ela – entre elas Patrícia Médici, Suzana Pádua, Marcia Hirota, Arnaud Desbiez – ou mais rápidos. A impressão é a mesma: talentosa, comprometida e muito generosa. 

No dia seguinte de seu falecimento, sua família publicou, em suas páginas no Instagram e no Facebook, a carta de despedida que ela escreveu para os amigos e familiares, alguns dias antes de partir. 

Não há como não se comover. Como sempre, ao se despedir Liana foi elegante, lúcida, inspiradora, amorosa, generosa, amiga e muito serena. Quanta dignidade há em suas palavras! 

Reproduzo o texto abaixo, na íntegra, porque é mais uma obra-prima que Liana deixou pra todos nós: 

Caríssimos amigos, de longa data ou recentes, de abraçar demoradamente ou só trocar breves mensagens virtuais; 
Queridos familiares, distantes ou presentes;
Estimados parceiros da luta pela inclusão;
Eternos companheiros de jornalismo, de fotografia, de viagem e das mais diversas jornadas:

Isto é uma despedida.

Boa parte de vocês sabe que eu batalhava contra um câncer de pâncreas desde novembro de 2015. Passei por cirurgias, quimios e outros procedimentos, alguns mais, outros menos debilitantes. 

Mas tive a sorte de viver longos intervalos sem dor, com o pé na estrada, voando pelo mundo, na companhia do meu grande amor e companheiro, Edu, e com meus filhos amados: Tiago, Íris, Melissa e Daniel.

Agora, infelizmente, o câncer venceu. Tempo encerrado para mim.

Não levo ressentimentos, nem arrependimentos. Estava previsto, pude usar os eventuais prorrogações para me preparar. Sigo leve meu destino. 

Vivi intensamente, amei muito, tive quatro filhos lindos, um netinho encantador (que lamento não ver crescer). 

Estudei, li, aprendi, trabalhei no que quis, como pude, tive oportunidades maravilhosas, fiz alguma diferença e deixei alguns rastros em nossa história comum. Acho eu.

Não queria ir embora sem agradecer a todos. Com vocês dividi alegrias, preocupações, aspirações, conhecimento, muito suor, tristezas, sonhos, imagens, frustrações, desejos recorrentes ou passageiros, maluquices, bobagens gostosas. Tudo isso é vida e minha vida foi plena disso tudo.

Sou muito grata por fazer parte de suas lembranças. Vocês são a maior riqueza do meu coração!

E, se houver alguma consciência do outro lado, estarei lá, olhando por todos, com saudades imensas!

Beijo grande, Liana John“.

Foto: Álbum de família

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