A empresa alemã Bayer, líder mundial de sementes, fertilizantes e pesticidas, deve estar imensamente arrependida. No ano passado, ela comprou por US$ 63 bilhões a americana Monsanto. Pretendia enterrar o nome da companhia que adquiriu, fabricante de agrotóxicos e associada com mortes provocadas por câncer.
Mas o nome da Monsanto continua mais vivo do que nunca. Ao contrário do estado de saúde de milhares de americanos que estão indo aos tribunais da Califórnia processar a empresa por estarem doentes. Muito doentes.
Esta semana, no terceiro julgamento contra a empresa, realizado no estado, os jurados declararam novamente a Monsanto culpada. Desta vez, o caso envolvia o casal Alva e Albert Pilliod, de 74 e 76 anos, respectivamente. Ambos foram diagnosticados com linfoma não-Hodgkin, depois de décadas utilizado o herbicida Roundup em sua propriedade.
O produto tem como ingrediente principal o glifosato, que segundo relatório publicado em 2015, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pode provocar câncer em animais tratados em laboratório e é um potencial causador de alterações na estrutura do DNA e cromossomos das células humanas.
“O herbicida penetra nas células da pele, depois nos tecidos, no sistema linfático e no sangue”, explicou ao júri, um médico, testemunha de defesa de Edwin Hardeman, de 70 anos, também vítima de um linfoma não-Hodgkin.
O americano aplicava a substância para tentar matar ervas daninhas e fungos nas árvores. Contou que, por algumas vezes, sua pele entrou em contato com o produto. No final de março, ele ganhou um processo contra a Monsanto, na segunda derrota da companhia, que então, foi condenada a pagar U$ 80 milhões a Hardeman.
A vitória foi considerada uma decisão histórica, pois aconteceu na Corte Federal dos Estados Unidos, instância mais alta da justiça daquele país. Antes do caso do aposentado, houve outro julgamento – e derrota para a Monsanto -, mas em uma corte estadual.
Em 2018, o jardineiro DeWayne Johnson ganhou a ação contra a multinacional. Ele também desenvolveu um linfoma não-Hodgkin, depois de trabalhar anos pulverizando o Roundup em jardins de escolas locais. Com lesões em mais de 80% do corpo, ele foi desenganado pelos médicos, que afirmaram que o câncer estava em fase terminal.
A vitória de Johnson contra a Monsanto foi apenas a primeira:
outras 14 mil vítimas de câncer pretendem processar a empresa
Ações da Bayer em queda
A Monsanto sempre negou as acusações de que o Roundup seria cancerígeno, apesar de estudos apontarem tal fato. O glifosato é vendido tanto para uso caseiro, como para aplicação em grandes lavouras. Por isso mesmo, hoje sua contaminação cruzada pode ser encontrada praticamente em todos os alimentos que consumimos, e até, em bebidas (leia aqui pesquisa realizada recentemente com vinhos e cervejas).
Apesar disso, recentemente, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) afirmou não há evidências científicas de que o glifosato é realmente cancerígeno. Sob a administração do presidente Donald Trump, os agrotóxicos voltaram a ser encarados como “inofensivos” nos Estados Unidos.
Felizmente, não nas cortes da Califórnia. E é por esta razão que todos os processos contra a Monsanto estão sendo julgados naquele estado. Segundo a Bloomberg, as ações da Bayer despencam a cada derrota e estima-se que existam outras 13 mil ações na fila de espera contra a fabricante de agrotóxicos.
Após os jurados terem anunciado o veredicto esta semana, dando a vitória ao casal Pilliod, o advogado da Bayer perguntou o que eles gostariam de ouvir. “Queremos provas de que o produto é seguro. Queremos que você o beba”, disse um dos jurados.
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Fotos: Mike Mozart/Creative Commons/Flickr e reprodução Facebook