Juiz de Fora: cidade solidária, empreendedora e criativa

Depois de me ausentar por quase um mês aqui, do Conexão Planeta (voltei na semana passada, com um texto sobre a atuação da Articulação Nacional de Agroecologia para colocar a agricultura familiar e solidária na pauta das eleições), esta semana resolvi compartilhar a experiência de reconexão com minha cidade natal, Juiz de Fora.

Compartilhar porque essa reconexão se deu a partir de uma série de iniciativas e políticas públicas em andamento, que incentivam e fomentam a economia solidária, o empreendedorismo social e a economia criativa, e que me fizeram olhar para a cidade de um outro modo.

Quem me lê neste blog sabe que o que me move são novas formas de estar e produzir no mundo, a partir de uma economia que coloca as pessoas em seu centro, que seja colaborativa, solidária, gentil, inclusiva e sustentável em termos socioambientais.

Pois olhar para a cidade se movendo, ainda que aos poucos, para criar esse movimento, me fez perceber um novo lugar, que vai se tornando bem diferente daquele que eu deixei há mais de duas décadas, não só no aspecto físico, mas também na inovação.

Trago neste post, então, três momentos dessa cidade que tem se revelado surpreendentemente nova aos meus olhos.

Economia solidária visível e apoiada

O primeiro deles, sobre o qual já escrevi, foi a aprovação da política municipal de economia solidária, em janeiro deste ano.

A legislação, de autoria do Executivo, atende a uma demanda presente desde o início dos anos 2000, quando o movimento se organizou por meio do Fórum de Economia Popular Solidária de Juiz de Fora (Fomeps/JF). Para elaborar o projeto de lei, a Prefeitura ouviu as demandas do fórum e buscou incorporá-las ao texto.

Prevê a criação de uma assessoria técnica, responsável por apoiar as iniciativas de economia solidária, um Conselho Municipal de Economia Popular Solidária e um fundo para garantir a continuidade das ações. Prevê ainda a estruturação de um Centro Público de Economia Solidária, destinado à realização de atividades de fortalecimento dos coletivos e empreendimentos.

“O que chamamos de economia solidária e queremos fomentar tem tudo a ver com o tipo de atividade que é desenvolvido nas comunidades e que as leva a se sustentarem, porque, é fato, que grande parte da população brasileira não foi incluída no mercado formal. Existe com a sua criatividade e redes solidárias, que desenvolvem forma espontânea de proteção social”, destacou a prefeita Margarida Salomão, à época da sanção da política municipal.

Ela avaliava ainda, na ocasião, que não se deve pensar na economia solidária como forma de compensação para pessoas com dificuldade de inserção no mercado formal, e sim como uma janela de oportunidade pela qual é possível enxergar outro horizonte.

Em minhas idas à cidade, interrompidas por quase dois anos devido à pandemia da covid-19, me encontrava com a economia solitária em feiras distribuídas em pontos diversos de seu território.

Houve um ano em que me deparei com uma loja temporária de produtos dentro de um grande shopping center local, experiência de hackeamento que durou seis meses. Imagine só, os produtos dessa economia disputando espaço com as grandes marcas capitalistas. Escrevi sobre essa experiência, em 2017.

Recentemente também foi possível ver como essa economia vai se tornando mais presente e visível pelas veias da cidade. Em abril deste ano, a Feira de Economia Popular Solidária de Juiz de Fora ocupou a via mais emblemática do centro histórico, o calçadão da rua Halfeld, e transferiu-se posteriormente para o único parque central da cidade.

Para além das tradicionais barraquinhas que concentram a produção dessa economia, as feiras passaram a agregar música, degustações e a presença de cervejarias artesanais, que são muitas na cidade, historicamente.

Ressignificando a história e fomentando o empreendedorismo social

Na zona norte da cidade, um espaço emblemático em sua história, o antigo Moinho Vera Cruz, indústria de moagem de trigo que encerrou suas atividades em 2005, 52 anos após sua fundação em Juiz de Fora, também me surpreendeu.

Moinho Zona Norte / Foto: Mônica Ribeiro

A estrutura fantasma que permanecia fisicamente como referência de uma outra época deu lugar ao Moinho Zona Norte, empreendimento imobiliário formado por um conjunto de prédios que totalizam aproximadamente 30 mil m², estruturados em quatro eixos temáticos: moradia, saúde, educação e comércio.

A iniciativa foi pensada para atrair empresas que movimentem econômica e culturalmente a região e também contribuam para levar impactos sociais positivos para seus moradores. A zona norte é a maior da cidade, e concentra, em cerca de 65 bairros, quase 20% da população da cidade, estimada em 577.536 habitantes, segundo levantamento do IBGE divulgado em 2021.

Do alto de um dos prédios que compõem hoje o complexo Moinho Zona Norte, é possível contemplar boa parte das casas, ruas, o movimento da linha férrea por onde avançam locomotivas que carregam commodities enquanto os moradores trançam no dia a dia em seus afazeres e movimentos.

Olhar para fora demonstra o tamanho da potência. Olhar para dentro – nesse caso, no interior do coworking Moinho Lab – também.

O espaço, que coroa literalmente o Moinho, por estar localizado bem em seu topo, foi concebido como um hub de inovação orientado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e busca gerar conexões e estimular protagonismos, convivência e colaboração para trazer impactos positivos.

Além da vocação para dinamizar o ecossistema empreendedor não só na cidade, como também na Zona da Mata mineira, onde se localiza Juiz de Fora, a proposta volta-se também para a comunidade local. Já foram promovidas três edições de feiras de negócios locais, onde comerciantes da região expuseram e comercializaram seus produtos e serviços, que atraem centenas de pessoas.

A iniciativa promove, ainda, uma série de eventos e oficinas gratuitas, voltados aos mais diversos públicos, como conversas com especialistas de referência em diferentes segmentos, trazendo reflexões, oportunidades e integração.

E recentemente inaugurou a exposição Moinho pelo Tempo, que busca resgatar memórias do antigo Moinho Vera Cruz, contadas por ex-funcionários. Retratos, tecidos, imagens antigas do complexo, áudios, carteiras de trabalho revelam a conexão com o passado e projetam futuros, valorizando a memória por meio das histórias contadas pelas pessoas.

Próximo futuro

Em julho, a cidade abrigou o 1º Fórum Próximo Futuro de Juiz de Fora, sobre economia criativa. Um convite a imaginar – pois imaginar é o primeiro passo para criar – um novo futuro para a cidade.

Profissionais e pensadores da economia criativa de diversas partes do país e do exterior levaram experiências e reflexões para fermentar o caldo dessa nova cidade.

O evento foi realizado pela Prefeitura de Juiz de Fora em parceria com o Sebrae Minas e o Instituto Fábrica do Futuro. O diretor do Instituto, César Piva, destacou na ocasião que a realização do Fórum é o primeiro passo para fazer de Juiz de Fora um polo internacional de economia criativa, missão destacada no Plano de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, publicado pela Prefeitura no ano passado.

Políticas públicas potentes são combustível fundamental para fomentar mudanças.

Não poderia terminar este texto sem chamar a atenção, claro, para as eleições. Sei que estamos falando de governo local em todo esse texto, mas também em nível nacional e estadual – substância das eleições de outubro próximo – a escolha de bons gestores e parlamentares importa muito. Estejamos atentos para selecionar bem e semear o futuro que queremos para o país, seus estados e municípios.

Foto: Prefeitura de Juiz de Fora

Edição: Mônica Nunes

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Mônica Ribeiro

Jornalista e mestre em Antropologia. Atua nas áreas de meio ambiente, investimento social privado, governos locais, políticas públicas, economia solidária e negócios de impacto, linkando projetos e pessoas na comunicação para potencializar modos mais sustentáveis e diversos de estar no mundo.