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Indígenas pedem o afastamento do presidente da Funai à Justiça Federal

Indígenas pedem afastamento do presidente da Funai à Justiça Federal, aos 33 anos da promulgação da Constituinte

Ontem, 5 de outubro, celebramos 33 anos da promulgação da Constituinte que, para os indígenas, significou uma ruptura constitucional na política indigenista brasileira da época, que era uma política anti-indígena, na verdade.

“A Constituição Federal veio e inaugurou uma nova ordem jurídica. Rompeu com a tutela jurídica que antes perdurava sobre os povos indígenas. Rompeu com a visão integracionista/assimilacionista que orientava a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas”, destaca a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

“Se antes a ordem era integrar, assimilar esses povos, a Constituição Federal veio e trouxe um novo comando, o comando de respeitar a diferença, de respeitar a autodeterminação dos povos“.

Por isso, nesse dia tão especial, a APIB e suas organizações indígenas de base entraram com a primeira Ação Civil Pública (ACP), na Justiça Federal, pedindo o afastamento do presidente da Funai.

“A permanência de Marcelo Augusto Xavier da Silva na presidência da Funai, semeando a destruição das estruturas estatais de proteção dos direitos indígenas, como se vê em diversos outros órgãos do atual governo, é a falência do Estado Democrático de Direito”, destaca trecho da ACP ingressada na Justiça. Leia o texto na íntegra.

Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da APIB, explica:

“Estamos levando ao conhecimento da Justiça Federal vários atos que o presidente da Funai, Marcelo Xavier, vem praticando nos últimos três anos, que vão desde o abandono da defesa dos povos indígenas, atuação contrária aos direitos dos povos indígenas, à perseguição aos povos e organizações indígenas. Com isso, fica muito claro que ele tem atuado ferindo os princípios constitucionais que orientam a administração pública federal e, portanto, pedimos, com base nesse fundamento, o seu afastamento”.

Sempre alerta

Foto: Divulgação, APIB

Em seu Instagram, Eloy Terena fez um desabafo muito comovente e importante, que reproduzo aqui:

“Sou cria da Constituição Cidadã, que veio ao mundo há exatamente 33 anos, em 5 de outubro de 1988. Nasci naquele ano e recebi este legado de gerações anteriores, que lutaram pelos direitos que conquistamos, mas que ainda somos obrigados a defender até hoje.

No momento, nos vemos novamente às voltas com a ameaça da tese do “marco temporal”, que recomeçará a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal no fim de outubro.

Segundo ela, só devem ter assegurada a posse de suas terras os povos que as estavam ocupando na data da promulgação da Constituição. Caso essa tese vencesse, o que seria um direito, se transformaria em castigo – poderia ser usada até para rever antigas demarcações.

Nossa História não começou em 1988 e é marcada pela violência. Nenhum povo abandonou sua terra por vontade própria, mas foi, sim, removido. Um crime contra a humanidade indígena.

Graças as lutas dos nossos caciques, que enviaram seus jovens para a universidade. Aliado a ações afirmativas, eu me formei advogado e hoje sou assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Sou Terena, mas a minha história é igual a de qualquer cidadão brasileiro que não nasceu cercado de privilégios e que teve oportunidades mais justas a partir de sua criação. Dou muito valor a esta conquista e, por isso, além de celebrá-la hoje, vou me manter alerta para nunca perdê-la”.

#ForaXavier 

Indígenas pedem afastamento do presidente da Funai à Justiça Federal, aos 33 anos da promulgação da Constituinte

Vale lembrar que Marcelo Xavier tornou-se réu por atraso na demarcação da Terra Indígena Munduruku, em Santarém, no Pará, como contamos aqui.

O Ministério Público Federal acusa o presidente da Funai de improbidade administrativa por descumprir seis decisões definidas em acordo judicial. Ele não só ignorou o acordo judicial entre Funai e MPF, como também deixou de se manifestar quando instado pelo juiz que fiscalizava esse acordo.

A seguir, conheça as “realizações” do presidente da Funai nos últimos três anos, listadas pela APIB na Ação Cívica Pública, que oferecem a dimensão anti-indígena desse órgão, hoje.

Criado em 1967 para proteger os povos indígenas, teve gestões interessantes como a Sidney Possuelo, entre 1991 e 1993, período em que a área oficialmente demarcada para terras indígenas no Brasil foi duplicada. Antes, ele havia fundado a Coordenação Geral de Índios Isolados, dentro da Funai.

Mas, o órgão também foi dirigido por pessoas com interesses contrários aos desses povos, como Romero Jucá, que o presidiu entre maio de 1986 e setembro de 1988, no governo de José Sarney (o primeiro sem militares no poder). Ele apoiou o garimpo e a invasão de terras e ficou conhecido como “o maior inimigo dos Yanomami“.

Com Bolsonaro e Xavier, a missão o órgão foi completamente desvirtuada e ele se transformou em representante de ruralistas e garimpeiros, entre outros invasores. A linha do tempo a seguir não deixa dúvidas:

– Em 19 de julho de 2019, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi nomeado para ocupar o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai);

– Durante a gestão de Marcelo Xavier, a Funai passou a retardar processos de demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Em atuação articulada com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais foram devolvidos pela pasta à autarquia para uma nova análise;

Exemplo – Caso Terra Indígena Tupinambá de Olivença – em março de 2020, o presidente Marcelo Xavier emitiu despacho comunicando o abandono do interesse da Funai em defender o povo Tupinambá de ação judicial de reintegração de posse movida por particular.

A desistência da defesa do povo Tupinambá pela Funai ocorreu oito meses depois do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, enviar ofício ao Presidente da Funai solicitando expressamente o encerramento do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença por atrapalhar planos de empreendimento hoteleiro no local, como contamos aqui.

NOTA DA REDAÇÃO DO CONEXÃO PLANETA: O grupo português interessado no negócio, desistiu do resort no mês seguinte, como publicamos.

– Em novembro de 2019 foi publicada pela FUNAI a exoneração desmotivada do coordenador Bruno Pereira da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC). Para o cargo foi nomeado o missionário Ricardo Lopes Dias da entidade americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), que atua na evangelização de indígenas na Amazônia desde os anos 1950;

– Em março de 2020, a Funai editou a Portaria nº 419/PRES/2020 que ameaçou ainda mais os povos indígenas isolados, na medida em que permitiria que Coordenações Regionais da Funai, espalhadas pelo país, autorizassem o contato com índios isolados, prerrogativa anteriormente exclusiva da CGIIRC. Apenas após forte rejeição por parte da sociedade e das organizações de defesa de direitos indígenas, inclusive com projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do ato, a Funai recuou;

– Em abril de 2020, a Funai editou a Instrução Normativa (IN) nº 09/2020, que permite a certificação de propriedades privadas em áreas de ocupação tradicional, facilitando as invasões em territórios indígenas e legitimando a grilagem (como contamos aqui). Em maio de 2020, pouco após a edição da Instrução Normativa nº 09/2020, mais 72 fazendas foram certificadas em terras indígenas não homologadas;

– Ainda no início de abril de 2020, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões em recursos emergenciais voltados à proteção dos povos indígenas no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A já reduzida verba recebida não havia sido executada ainda duas semanas após a sua disponibilização, mesmo com o registro oficial de nove indígenas infectados e de três falecidos devido à doença. Nos três primeiros meses da pandemia (até junho), o órgão gastou R$ 6,2 milhões dos R$ 23 milhões que tinha disponível para combate da Covid-19 e proteção aos povos indígenas em 2020, executando aproximadamente apenas 27% do valor disponível para tais ações;

– Em 7 de maio de 2020, no bojo do Recurso Extraordinário n. 1.017.365 com Repercussão Geral (Tema 1031), o Ministro Edson Fachin concedeu liminar de modo a suspender todos os efeitos do supracitado Parecer n.º 001/2017 da Advocacia Geral da União, que defende a tese do marco temporal, inviabilizando sua utilização pela Funai.

De acordo com a referida tese, os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem comprovadamente em sua posse na data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, Funai tem se utilizado de um novo instrumento administrativo para possibilitar a aplicação residual do Parecer nº 001/2017/AGU, qual seja, o Parecer nº 00763/2020/CONJUR-MJSP/CGU/AGU.

– Em agosto de 2020, contrariando uma das funções institucionais da Funai, que é a assistência jurídica às comunidades e povos indígenas, Marcelo Xavier publicou o Ofício Circular Nº 28/2020/COGAB, que impede a assistência jurídica aos grupos e comunidades classificados como “indígenas integrados”. A partir de então, foram diversos os casos de desistência da atuação jurídica da Funai sob ordem direta de seu Presidente;

– Em setembro de 2020, Marcelo Xavier solicitou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que realizasse um ‘’monitoramento’’ de campanhas online para arrecadação de recursos de organizações indígenas.
Ao final do primeiro ano de seu mandato, a Funai criou apenas três Grupos de Trabalho de identificação de Terras Indígenas, além de retomar o trabalho de outros cinco GTs. Ocorre que, em todos os oito casos, isso se deu somente por expressa determinação judicial;

– Em janeiro de 2021, a Funai adotou outra estratégia para concretizar a paralisação das demarcações, através da Resolução n. 4/2021, visando determinar quem é ou não é indígena a partir de critérios do Estado, em flagrante inconstitucionalidade e na contramão do debate interno e internacional. Esta Resolução encontra-se suspensa por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 (leia sobre essa arguição aqui)

– Ainda em janeiro deste ano, de acordo com o Despacho n. 00244/2021/GAB/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU, a Diretoria Colegiada da Funai, presidida por Marcelo Xavier, criou a tese da “defesa mínima”, de acordo com a qual a atuação processual do órgão indigenista deve ficar adstrita à defesa de Terras Indígenas já homologadas por meio de decreto;

– Em fevereiro de 2021, foi publicada a Instrução Normativa Conjunta n. 1/2021 da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que dispõe “sobre procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas”, possibilitando a exploração do agronegócio dentro das terras indígenas, no intuito de fragilizar a proteção ambiental e abrir espaço para que não-indígenas venham a explorar atividades de interesse econômico no interior desses territórios;

– Em março de 2021, Marcelo Xavier permitiu que o site oficial da Funai fosse utilizado para perseguir opositores de sua gestão. Foi publicada uma carta de agricultores indígenas que tecem palavras de baixo calão em desfavor de Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

– No final de abril de 2021, aconteceram dois alarmantes casos de perseguição da Funai a lideranças indígenas.

No dia 26 deste mês, uma das coordenadoras executivas da APIB, Sônia Guajarara, liderança indígena conhecida internacionalmente por sua luta em defesa dos direitos indígenas, teve o inquérito policial nº 2020.0104862 instaurado contra si na Polícia Federal, tendo sido intimada a depor. A investigação deu-se em razão da APIB produzir a série Maracá – Emergência Indígena em 2020, que denunciou as violações do direito à saúde dos povos indígenas, por parte do governo federal.

A representação atribuía à APIB a difamação do governo federal e o cometimento de crime de estelionato, em razão de suas campanhas de arrecadação de fundos para combater as mazelas da Covid-19 junto aos povos indígenas. A APIB impetrou Habeas Corpus em favor de Sônia, solicitando o trancamento do inquérito policial, o qual foi concedido pelo respectivo juízo, diante de tamanha ilegalidade envolta.

Já em 30 de abril de 2021, a liderança Almir Suruí, do povo Paiter Suruí, renomado defensor dos direitos dos povos indígenas, também foi intimado para ser inquirido pela Polícia Federal. Em ambos os casos, a provocação da Polícia Federal foi feita pela Funai. Em maio, a Polícia Federal de Rondônia arquivou o inquérito.

– Em 6 de maio de 2021, a APIB foi surpreendida com o OFÍCIO Nº 30/2021/COGAB – DPDS/DPDS/FUNAI, determinando a todas as regionais da Fundação Nacional do Índio encaminhar informações sobre a atuação da APIB em suas organizações de base.

No mesmo dia, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, organização regional da APIB, também recebeu outro ofício da Funai, solicitando informações sobre o quantitativo de doações realizadas às comunidades indígenas do Amazona pela COIAB, restando evidente a conduta abusiva da entidade estatal, que busca, ilegal e sistematicamente, intimidar a atuação de organizações indígenas.

– Entre 7 e 30 de junho de 2021, foi realizado o acampamento Levante pela Terra, em Brasília, que contou com a presença de 850 indígenas de 43 povos que foram à capital do país lutar contra o Projeto de Lei n. 490/07, pedir o fim da tese do marco temporal e se posicionar contra os ataques a seus territórios. Em 15 de junho, o Presidente da Funai reuniu-se com a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis, para defender o referido projeto de lei, como contamos aqui.

Bombas de gás lacrimogêneo

Indígenas pedem afastamento do presidente da Funai à Justiça Federal, aos 33 anos da promulgação da Constituinte

No relato da APIB, faltou contar que, durante esse acampamento, os indígenas circularam pelas avenidas largas da cidade em marchas, protestos e caminhadas que, algumas vezes, terminaram em audiências no Congresso Nacional, STF ou algum ministério, como aconteceu com o da Justiça. E foram recebidos com respeito por representantes de todos que procuraram, exceto.em 17 de junho, quando foram à Funai para conversar com seu presidente.

No edifício onde fica o órgão, foram recebidos por uma barreira policial intimidadora, composta também pela Tropa de Choque. E depois com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, como contamos no mesmo link indicado acima.

Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

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