Governo aprova 118 agrotóxicos em dois meses, durante a pandemia do coronavírus

Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil*

Texto atualizado em 13/5/2020, às 22h41
A reportagem foi atualizada após a publicação no Diário Oficial da União dos Atos Nº 31 e 32 da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. As publicações divulgaram o registro de mais 22 agrotóxicos e o pedido de registro de mais 67 produtos.
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Mesmo durante a quarentena, o Governo Federal continua a aprovar novos agrotóxicos para serem vendidos no mercado brasileiro. Desde março deste ano foram publicados o registro de 118 novos produtos, sendo 84 destinados para agricultores e 34 para a indústria. No mesmo período, as empresas produtoras de pesticidas solicitaram ao Ministério da Agricultura a liberação de mais 216 produtos, que estão sendo avaliados agora pelo governo.

O número de aprovações foi maior do que o ocorrido no mesmo período de 2019, quando 80 produtos agrotóxicos tiveram o registro publicado entre março e abril. O ano passado conquistou recorde histórico de aprovações de agrotóxico, com 475 novos produtos sendo liberados.

E 2020 segue o mesmo passo, com um total de 128 produtos recebendo registro nos primeiros quatro meses.

E o processo de avaliação não será interrompido durante o enfrentamento à pandemia da COVID-19. De acordo com a Medida Provisória 926 e o Decreto 10.282, ambos de 20 de março, a prevenção, controle e erradicação de pragas e doenças, bem como as atividades de suporte e disponibilização dos insumos necessários à cadeia produtiva, que incluem os defensivos agrícolas, são consideradas atividades essenciais durante a pandemia e não devem ser interrompidas.

Procurado, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa o setor, ressaltou que número de registros de defensivos agrícolas se mantém na mesma média de 2019 e que as atividades foram consideradas pelo Governo como essenciais no período de quarentena.

Já a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida criticou as liberações. “Em meio à pandemia de coronavírus, confusão generalizada no governo federal, caos na saúde pública e colapso econômico, o Ministério da Agricultura segue a marcha do veneno”, informou o projeto.

Dependente de exportações, o setor agrícola não tem sido afetado pela crise decorrente da COVID-19. O PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio cresceu 2,42% em janeiro e fevereiro, segundo uma pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) e da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Produtos banidos em outros países continuam recebendo permissões

Apenas duas substâncias inéditas estão entre os 150 aprovados neste ano. São dois produtos biológicos, utilizados principalmente na agricultura orgânica. Um deles é o Vigga, produto da Omex Agrifluids feito à base de extrato de alho, indicado para culturas de soja e tomate. O outro é um produto da empresa Promip, feito à base do ácaro Amblyseius tamatavensis e liberado para ser utilizado em plantações que são alvos biológicos da mosca branca.

Além deles, foram aprovadas novas versões de agrotóxicos populares e bastante polêmicos. Um deles é o Fipronilum inseticida relacionado com a morte de mais de 500 milhões de abelhas no ano passado. Foram aprovados 10 registros desse produtos, a maioria para a empresa brasileira Allier, com seis permissões.

O Fipronil age nas células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em culturas como maçã, soja e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de animais domésticos. Pelo prejuízo aos insetos, a substância é banida em parte da União Europeia e está em reavaliação nos Estados Unidos. Desde 2004, está proibida na França, após cerca de 40% dos insetos criados nos apiários franceses aparecerem mortos.

Foi aprovado também o inseticida Clorpirifós, pela companhia chinesa Adama. O produto é bastante popular no Brasil, vendendo 6.500 toneladas em 2017, de acordo com o Ibama, mas está saindo do mercado em outros países. O motivo é a relação do uso do produto com à má formação no cérebro de bebês, podendo causar inclusive redução de QI. Tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia o produto foi banido recentemente e sairá do mercado até julho deste ano.

A multinacional Syngenta garantiu um registro do fungicida Clorotalonil, banido pela União Europeia no ano passado e em reavaliação nos Estados Unidos após estudos, como o publicado em 2019 pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (European Food Safety Authority (EFSA), relacionarem o produto com danos no DNA humano, e impactos de alto risco para anfíbios, peixes e abelhas.

Tanto o Clorpirifós quanto o Clorotalonil aparecem entre as substâncias que a Anvisa pretende reavaliar nos próximos anos para decidir se serão proibidos ou não.

O Clorpirifós devido a neurotoxicidade para o desenvolvimento, e o Clorotalonil devido a carcinogenicidadesegundo informações do site da agência. Não existe um prazo definido para os estudos serem concluídos. Produtos à base de Clorpirifós e Clorotalonil são usados em culturas de amendoim, feijão, batata, café, algodão, trigo e outras.

Quem são as empresas beneficiadas

Os titulares dos registros emitidos em 2020 são 53 empresas de 11 países diferentes. A maioria é de companhias brasileiras — 27 companhias receberam 76 permissões, sendo a AllierBrasil a principal, com 15 novos produtos no portfólio. Depois dela, no segundo lugar estão, empatadas, a empresa espanhola Tradecorp, e a norte-americana Dow AgroSciences (agora conhecida como Corteva Agriscience), com 11 registros cada.

No ano passado, a maioria dos registros ficou com empresas estrangeiras; apenas 40% das permissões foram para grupos nacionais. A maior beneficiada foi a chinesa Adama, com 41 produtos. Neste ano, a empresa é a sexta com mais registros, com 6. Além dela, a Rainbow Defensivos Agrícolas e a Tide do Brasil são algumas das empresas chinesas a garantir registros. O mercado chinês de insumos agrícolas está entre os que mais cresce no mundo. Foram 18 registros neste ano e 87 no ano passado. Nos dois anos, a China foi o segundo país que mais recebeu permissão de comercialização no mercado brasileiro, atrás apenas do próprio Brasil.

Mudança no formato de divulgação

Em julho de 2019, uma alteração no Marco Regulatório da Anvisa decidiu que só receberão a classificação de toxicidade máxima os agrotóxicos que causarem morte horas depois do indivíduo tocar no produto ou o ingerir. Com isso, apenas quatro produtos foram classificados como extremamente ou altamente tóxicos em 2020. No ano passado, esse número foi de 162, cerca de 32% do total.

*Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e da ONG Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil.

Fotos: Fernando Frazão e Alan Santos (Bolsonaro)/Agência Brasil

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Agência Pública / Repórter Brasil

A agência de jornalismo investigativo Pública e a ONG Repórter Brasil, especializada no combate a violações dos direitos dos trabalhadores, se uniram para criar o projeto "Por Trás do Alimento" que investiga o uso de agrotóxicos no país e publica o resultado na forma de reportagens.