General Heleno autoriza sete projetos de exploração de ouro em uma das áreas mais preservadas da Amazônia; MPF apura
O governo Bolsonaro sempre nos surpreende e nunca é de forma positiva. Desta vez, o protagonista de uma ação que pode devastar ainda mais a Amazônia e impactar terras indígenas é o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Entre abril e dezembro deste ano, ele assinou autorizações para sete projetos de exploração de ouro em uma das áreas mais preservadas do bioma.
A região, conhecida como Cabeça do Cachorro, no extremo noroeste do Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, que inclui São Gabriel da Cachoeira (foto acima), considerada a cidade mais indígena do Brasil. A área quase intocada ocupa 12,7 mil hectares e equivale a 13 mil campos de futebol.
Imagens de satélite das áreas liberadas por Heleno – reproduzidas em documentos do GSI -, revelam que, pelo menos duas delas estão entre terras indígenas, e uma está bem próxima do Parque Nacional do Pico da Neblina.
Os atos do ministro tornaram-se públicos a partir da publicação de reportagem do jornal Folha de São Paulo, no último domingo, 5/11. Ontem, 6/11, numa rede social, Heleno defendeu as autorizações assinadas por ele, e o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas decidiu abrir procedimento para apurar o caso e analisar essas autorizações.
“Folha de S.Paulo ignora a Lei 6.634/79 e o Decreto 85.064/80. É legal autorizar a pesquisa/lavra de minerais, na faixa de fronteira, inclusa a Amazônia. Respeitadas a legislação e o meio ambiente, continuaremos a mapear nossas riquezas pelo bem do Brasil e do nosso povo”, escreveu ele. Ao comentar a publicação, o jornal destacou que “a lei nº 6.634 detalha o que é permitido para a faixa de fronteira” e que “o decreto citado regulamenta a lei”.
Vale destacar que o general também é secretário-executivo do Conselho de Defesa Nacional (CDN) e foi como seu representante que autorizou tais projetos de mineração numa área de 150km.
De acordo com a FSP, ao mesmo tempo, Igor Spíndola, procurador da República, determinou a abertura de um procedimento preliminar – chamado de notícia de fato – para apurar o caso. No despacho que encaminhou para instauração desse procedimento, ele alegou:
“Esse tipo de situação configura hipótese latente de necessário acompanhamento e fiscalização por parte do MPF, seja pelo dano social plenamente presumível (em relação à exploração de terras indígenas), seja pelos danos ambientais em potencial, uma vez que a região possui várias unidades de conservação”.
Repercussão
Ontem, também, diversas foram as reações à divulgação das autorizações de Heleno. A FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) – que representa os 23 povos indígenas da região – divulgou nota pública na qual manifesta “indignação” total em relação aos atos – que considera “autoritários” – e à postura do general.
A organização declarou, ainda, que está analisando os processos citados na reportagem “para adotar as medidas legais cabíveis” e “não permitir que a região mais preservada da Amazônia seja ameaçada pela política predatória do atual governo“.
Parlamentares também se movimentaram no Congresso:
– o deputado Marcelo Freixo (PSB/RJ) encaminhou representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras;
– a senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA) declarou que seu partido vai ingressar com ação contra as autorizações dados por Heleno no Supremo Tribunal Federal (STF));
– o deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP) também disse que “ingressará com ação semelhante na Justiça; e
– o PSOL também se manifestou: entrará com representação no MPF.
Autorizados têm projetos embargados
Em sua apuração, a FSP ainda descobriu que os beneficiados pelas autorizações do ministro do GSI são empresários que atuaram em áreas embargadas pelo Ibama devido a irregularidades.
Entre os pedidos autorizados pelo general Heleno, estão os de um integrante de uma cooperativa de garimpeiros que mantém dragas de sucção em leitos de rios da Amazônia e de um advogado que chefia o gabinete de um senador de Mato Grosso (de qual destes senadores será? Carlos Fávaro, do PSD (relator do PL da Grilagem); Jayme Campos, do DEM, ou Wellington Fagundes, do PL?).
Uma das empresas autuadas pelo Ibama é S.F.Paim, de São Gabriel da Cachoeira, em 16/8/2021, com base em encaminhamento de processo da ANM, numa área em Tapauá (AM). O sistema público de consulta de áreas embargadas do Ibama indica que, em 31/7, essa empresa teve uma área interditada por fiscais e que o embargo foi incluído na lista em 2/9.
81 autorizações desde 2019!
A reportagem da FSP ainda descobriu que o general Heleno, na verdade, está trabalhando em favor da mineração na Amazônia desde o início do governo Bolsonaro.
Até agora, ele concedeu 81 autorizações, que variam entre permissões de pesquisa e de lavra de minérios. De acordo com a Agência Nacional de Mineração, uma autorização de pesquisa permite “atividades de análise e estudo da área em que se pretende lavrar”. Sem essa etapa é impossível definir a jazida de um minério.
A maior parte das autorizações assinadas pelo ministro do GSI foi em 2021: “45, conforme atos publicados até o último dia 2, sendo a maior quantidade desde 2013”. Fato inédito nos últimos dez anos!
Para chegar a essas informações, a FSP analisou extratos de 2.004 atos de assentimento prévio, assinados desde 2011, e utilizou a base de dados mantida pelo próprio GSI, cujos extratos são publicados pelo Diário Oficial da União.
Foto: Christian Braga para Greenpeace Brasil (São Gabriel da Cachoeira)
Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.