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Fotógrafo americano revela semelhanças e diferenças nos hábitos alimentares das crianças pelo mundo

É possível que pessoas que vivem tão distantes tenham hábitos alimentares iguais? Sim, graças à globalização e à existência dos alimentos ultraprocessados – pizzas congeladas, massas prontas, achocolatados, hambúrgueres… – vendidos por grandes multinacionais. Quer dizer… eles não são alimentos, mas assim têm sido promovidos e, por isso, se espalharam pelo mundo como solução para atender a pressa da modernidade e uma forma de aplacar a fome momentânea, inclusive em aldeias indígenas.

Em 2016, vi crianças e adolescentes de uma aldeia Krahô, no Tocantins, consumindo batatas fritas, salgadinhos feitos de bacon (com essência de carne putrefata, na verdade) ou de “queijo”. Me ofereciam e, quando eu recusava dizendo que aquilo não era comida, me diziam: “Mas é tão gostoso!”.  Pois é… gostoso (!) e viciante.

Mas, felizmente, não foi em tribos indígenas brasileiras que o fotógrafo americano Gregg Segal identificou essa realidade, com seu projeto Daily Bread. Muito pelo contrário.

Aqui, no Brasil, no Alto Xingu, o registro que fez (que ilustra este post) da menina indígena Kawakanih Yawalapiti, de 9 anos, e seu cardápio revela a preservação da cultura e dos costumes desse povo, com o domínio dos alimentos orgânicos, naturais. Estive numa aldeia Yawalapiti no ano passado, e vi isso também. E mais: o desejo de enriquecer sua roça com outras raízes e leguminosas.

Foi em 2014 que Segal começou a investigar hábitos diários para outro projeto de sua autoria, o Seven Days of Garbage (Sete Dias de Lixo, em tradução livre) e encontrou a semente que culminaria com o Daily Bread. Com ele, fotografou famílias, crianças, jovens e idosos rodeados pelo lixo que “jogariam fora”, num certo período, mas guardavam a seu pedido.

A partir desses registros, percebeu que boa parte dos resíduos descartados era de  embalagens de “comida”. Rapidamente “fez o link” entre a alimentação e a forma como lidamos com o planeta. Na entrevista que concedeu ao jornal Folha de São Paulo, ele disse que se perguntou: “o que tem na comida que a gente come e por que tanto do que a gente come vem em embalagens?”.

Foi aí que ele resolveu focar na alimentação das crianças, com diversidade de perfis e criou o Daily Bread. que vai virar livro e será lançado nos Estados Unidos em março do ano que vem. Seu objetivo principal era provocar a reflexão sobre o que estamos comendo, a partir do que está sendo oferecido às crianças.

Primeiro, fotografou seu filho, então com onze anos, e os colegas dele, na Califórnia, onde mora. Em seguida, foi para outros estados. Sua pesquisa encantava por onde passava. Quis sair dos Estados Unidos e ver o que acontecia em outros países.

Para viabilizar a ideia, registrou seu projeto num financiamento coletivo (crowdfunding),conseguiu o dinheiro e viajou para Malásia e Índia. O resultado foi publicado em duas revistas – a americana Time e a alemã Geo –, que decidiram apoia-lo em novas viagens, desta vez na Alemanha e no Senegal. Os próximos destinos foram os Emirados Árabes, a França e a Itália. E, este ano, o Brasil, como já comentei acima.

O trabalho não se limita a ele, seus equipamentos e um assistente. É mais complexo. Envolve cozinheiros, um especialista em fotografia de comida (food stylist) para recriar a alimentação de cada fotografado, além de produtores que se encarregam da produção de objetos e da montagem de cada cenário.

As fotos não só revelam os hábitos alimentares – bons ou ruins, não importa -, como fazem uma tradução interessante da cultura de cada criança. Sem falar na diversidade de tipos e que elas são todas lindas, cada uma com seu jeitinho. Já dá pra ver isso na foto que ilustra este post. No final do texto, as imagens que escolhi

Para viabilizar o projeto, foram necessários 323 mil reais (US$ 80 mil).

Logo que iniciou os retratos para essa série, notou que os alimentos variavam muito pouco, revelando que a cultura de cada lugar escolhido parece estar se perdendo. “A globalização traz semelhanças assustadoras, uma homogeneização”, ressaltou à Folha.

Outro aspecto interessante de sua pesquisa, que ficou bastante claro, é a diferença na alimentação de ricos e pobres, mas que não é óbvia. Isso acontece porque, enquanto em um pais como os Estados Unidos, fast food é comida barata e de fácil acesso, na Índia, só quem tem muito dinheiro pode pagar. Ou seja, alimentam-se de forma saudável os americanos ricos (quando querem) e os indianos mais pobres. Estes vão à feira, onde o alimento é mais barato. Nesse cenário, as crianças da classe média americana são as mais impactadas por esse tipo de “comida”: ficam doentes e obesas.

O que entra pela boca das crianças brasileiras

No Brasil, Segal foi orientado por três chefs – Ana Paula Boquadi, Tainá Förthmann e Ana Pinheiro – e se fixou em Brasília. Lá fotografou crianças indígenas, moradoras de favelas e também da classe média alta.

Com exceção da menina Yawalapiti, da qual já comentei, e de um garoto de 10 anos de uma pequena comunidade em Goiás, as demais consumiam “alimentos” industrializados. A garota se alimenta basicamente de peixe, beiju (tapioca gigante), castanhas e frutas, e explicou ao fotógrafo, com naturalidade e sabedoria, que, quando se está com fome, é só ir ao rio com a rede, e que o jantar demora cinco minutos para estar pronto.

Quanta simplicidade! Para o fotógrafo foi uma felicidade muito grande conhecer algumas de nossas aldeias indígenas e perceber que nada ou muito pouco mudou nos hábitos alimentares, ao longo de gerações.

Em sua pesquisa no Brasil – que considerou uma mistura dos hábitos americanos e indianos -, Segal viu também muitas contradições. Uma delas: pessoas abastadas que compram comida em mercados orgânicos, ao mesmo tempo em que deixam os filhos comerem junk foodporque eles gostam. E ainda se conformarem quando o filho não aceita legumes, verduras.

Neste trabalho, Segal reforça o papel dos adultos na alimentação. Já vi pai ou mãe contar que seu filho ama brócolis. Exemplo é tudo e, se a criança tem contato com comida de verdade desde cedo, não vai ter desejo pelas bobagens vendidas em supermercado. Mas, mesmo que os pais sejam adeptos de uma dieta saudável, se não têm pulso firme, podem colocar tudo a perder.

Com seu projeto, Segal, na verdade, imprime ainda mais realidade a tudo que sabemos. A rotina diária tão corrida, que caracteriza a maioria dos habitantes de grandes cidades – sejam ricos ou pobres – não deixa tempo para reparar no que se come. Quem tem tempo para pensar e fazer escolhas conscientes, tem mais chances de comer melhor. Não só comida, mas alimento de verdade, sem agrotóxicos.

Fotos: Gregg Segal

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lena trindade
lena trindade
5 anos atrás

Que idéia ótima e otima realização tb. Parabéns ao fotógrafo e à Conexão!

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