‘Fortaleza mais Verde’: projeto de ‘parques naturalizados’ se transforma em política pública


No novo cenário imposto pela pandemia, vi muitas famílias se organizarem para passar a quarentena no interior ou em casas que oferecem um contato maior com a natureza. Famílias que se mudaram em março de 2020, e que estão retornando para suas cidades natais neste início do ano, devido ao retorno das aulas presenciais das crianças.

Mas, e as famílias que não têm essa possibilidade? De que praças, parques ou áreas abertas e naturais elas dispõem?

No atual contexto os espaços ao ar livre têm ainda mais importância por serem mais seguros e diminuirem o risco de transmissão do coronavírus. A pandemia vêm alterando o modo como enxergamos as cidades, nossas rotinas, deslocamentos e interações no espaço público.

A presente situação também escancarou ainda mais as desigualdades da nossa sociedade. O convite é pensarmos hoje a cidade que queremos amanhã, para todos nós. 

Sonho com cidades nas quais as pessoas e a natureza estejam mais conectadas, das quais todas as crianças e jovens se beneficiem quando a exploram, brincam e aprendem ao ar livre.

Cidades onde todos nós desfrutemos de espaços verdes de alta qualidade, onde o ar seja limpo para respirar, e nas quais todos possamos viver uma vida mais harmoniosa conosco, com nossas comunidades e nosso planeta.

O que podemos fazer para trazer mais natureza para os espaços públicos e privados nas grandes cidades?

Há muitos caminhos. Um deles é convidar gestores e arquitetos a conceber e/ou restaurar espaços públicos aplicando o conceito de parques naturalizados.

Esse conceito propõe a utilização de elementos como troncos, galhos e a própria topografia e vegetação dos terrenos para criar lugares de convívio e brincadeira, o que estimula a criatividade, tanto para bebês quanto para crianças com e sem deficiência de todas as idades, aumentando assim a rede de áreas verdes urbanas.

Além de possibilitar que as crianças brinquem de forma livre e ativa, os parques naturalizados são áreas multifuncionais, que podem ser implantadas a um custo mais baixo, uma vez que troncos e outros materiais naturais são reaproveitados de podas, em geral abundantes e disponíveis nos territórios.

Planejar os espaços com o envolvimento de quem vai usá-los é também essencial para conectar as pessoas, e aumentar seu engajamento na preservação. 

A partir do projeto piloto, mais 40 microparques

Foto: Tibico Brasil

Recentemente, a prefeitura de Fortaleza aceitou esse convite e criou dois parques naturalizados dentro do Projeto Fortaleza Mais Verde, voltado à recuperação de espaços degradados e expansão de áreas verdes.

Essa estratégia foi elaborada dentro da rede Urban 95, da Fundação Bernard Van Leer no Brasil, em parceria com o Instituto Cidades Sustentáveis, e teve o apoio técnico do projeto Ciranda da Vida e do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana

A prefeitura, inicialmente planejou os projetos de forma convencional, com muito cimento, áreas pavimentadas — e um alto custo de investimento em mobiliário.

Quando o conceito dos parques naturalizados foi apresentado a eles, escolheram como estratégia realizar um projeto piloto em duas áreas pouco usadas da cidade.

As arquitetas envolvidas relatam ter ampliado sua visão sobre intervenções possíveis no espaço público. Perceberam que muitos locais abandonados e cheios de lixo podem, com criatividade, ações rápidas e a baixo custo, ganhar uma nova função.

Ficaram tão satisfeitas com os microparques, assim batizados por elas, que o projeto virou uma política pública, e devem ampliar essa iniciativa para 40 novas áreas, já mapeadas.                                     

Os parques foram montados com a participação ativa das pessoas que irão utilizá-los, em especial das crianças. Esse vínculo com a comunidade, além de conectá-la com o espaço público, é um convite para aumentar o seu engajamento na manutenção.

“A pracinha aqui está super animada, cheia de gente no fim da tarde e até a noite. Eu vejo muito as crianças no parquinho, mas a praça toda está sendo utilizada. É bacana ver as crianças soltas na praça. Talvez por ser um espaço pequeno, os pais ficam de longe olhando, e as crianças vão para onde querem” contou Maud Carioca Melo, moradora do bairro Cidade dos Funcionários, onde está a praça José Leon, que é um dos parques naturalizados. 

Inovação social

Foto: Tibico Brasil

Acredito que pensar na natureza como uma tecnologia que traga bem estar para toda a comunidade é um bom jeito de, aos poucos, proporcionar mais saúde para mais e mais pessoas, mesmo nas grandes cidades.

Uma cidade mais verde e amigável para as crianças beneficia todos os moradores, tendo em vista que as formas de acolhimento às crianças beneficiam outros públicos, além dos serviços ambientais prestados pelo aumento das áreas verdes.

A maior presença de natureza nas cidades não significa uma volta ao passado, mas, sim, uma inovação social que promove a qualidade de vida no presente e a sustentabilidade no futuro.

Fotos: Tibico Brasil

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Laís Fleury

Mãe da Alícia e da Lia, é co-fundadora da Associação Vaga Lume, e reconhecida como empreendedora social pela Ashoka desde 2003. É coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, e pós-graduada no tema “A vez e a voz das crianças: escuta antropológica e poética das infâncias"