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Farinha e prosa com Dona Arlete, às margens do Rio Negro: “Me sinto tão feliz! Queria viver muito mais do que já vivi”

Dona Maria Arlete Garrido Costa vive uma vida que nem cabe em livro. Ela nasceu em uma aldeia Baré, na região de Santa Izabel, no Amazonas. A vida e as águas do Rio Negro a levaram a cruzar o estado todo, a colecionar memórias e histórias da floresta.

Na idade de casar saiu da casa dos pais, mas não do que ela conhecia como lar: a floresta amazônica.

No auge do ciclo da borracha trabalhava ao lado do marido recolhendo o leite da seringueira. Eram semanas sem fim do mato.

“Eu acordava cedinho, montava a barraca, fazia o mingau dos meus filhos e pegávamos o varadouro com as crianças, um balde de leite, um facão e os cachorros. Lá no final, fechávamos o corte. Nos encontrávamos de novo pra merendar e voltávamos, cada um do seu lado, recolhendo o leite”.

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Lá pelas tantas, “cansada dos maus tratos”, separou-se. Sozinha, com 10 filhos e sem a opção de trabalhar nos seringais, foi-se embora pra Manaus. Por anos se acomodou com a família em um quarto alugado. Até que juntou o dinheiro suficiente para comprar o próprio terreno num assentamento da capital, abarrotado de sonhos e luta. Um feito e tanto, reconhece.

Os filhos cresceram, a vontade de se aquietar nunca veio. Numa viagem para rever os parentes no interior, esbarrou em Praxedes, pescador que tem no Rio Negro endereço e ofício.

“Ele me chamou pra morar mais ele. Eu não tinha mais pai pra comunicar, decidi participar aos meus filhos a novidade. Em 2002, vim para cá e, agora, nem penso mais em voltar pra cidade”, descreve ela.

É da roça que ela gosta mais. Plantar as manivas de macaxeira, esperar a natureza fazer seu serviço, capinar, colher a raiz. “Se eu fico um dia sem ir na minha roça parece que passei um mês sem trabalhar”.

Ao lado de Praxedes, ela rala a mandioca com cuidado, deixa de molho pra soltar o veneno. Troca a água, dia após dia, na rotina ancestral aprendida com a mãe para fazer tucupi, farinha, tapioca.

São horas com a barriga esquentando na boca do tacho, a mexer a farinha amarelinha com o remo de pesca, enquanto conta histórias tão saborosas quanto a iguaria amazônica.

O resultado do trabalho garante farinha no prato e “sustança“ no corpo o ano inteiro. “Aí fica faltando só o peixe e a gente já tem o que comer”.

Lazer, pra ela, com mais de 60 anos, é admirar a vizinhança. “Gosto de andar no mato, catar frutinhas. Trepo nas árvores para apanhar. Sinto tão feliz!”.

Dizem que o ser humano só dá valor ao que perde. Dona Arlete não quer perder nada. Sabe exatamente o valor que a Amazônia tem.

Fotos: Adriano Gambarini

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