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Estudo revela potencial gigantesco mas ainda pouco explorado de estoque e sequestro de carbono dos manguezais brasileiros

manguezais

*Por Suzana Camargo

Muito se fala sobre o papel fundamental das florestas tropicais, e sobretudo, da maior delas no planeta, a Amazônica, no armazenamento de dióxido de carbono (CO2), apontado como um dos principais gases de efeito estufa responsável pelo aquecimento global. Através do processo da fotossíntese, as árvores absorvem o gás carbônico da atmosfera e o convertem em estruturas como folhas, flores, frutos, galhos, troncos e principalmente, em raízes. Por isso mesmo, a Amazônia se tornou a “menina dos olhos” dos cientistas do clima e ambientalistas quando se fala em crise climática e na importância de mantê-la de pé. Todavia, outro ecossistema consegue estocar uma quantidade muito maior de CO2, por unidade de área de floresta (por exemplo, um hectare), mas ainda pouco explorado: os manguezais.

De acordo com o inventário, os manguezais da costa brasileira detêm  8,5% dos estoques globais de carbono desses ecossistemas (Indonésia está em primeiro lugar, já que é o lugar do mundo onde há mais áreas de mangues). E quando comparados a outros biomas vegetados do nosso país, eles armazenam até 4,3 vezes mais carbono nos primeiros 100 cm solo. Em relação à biomassa (aéreas e raízes), estão em segundo em estoques, atrás apenas da Floresta Amazônica.

“A comunidade científica não tem a menor dúvida da quantidade de carbono que há estocada em manguezais e nem seu papel para a remoção desse gás da atmosfera. O que falta no Brasil é vontade política para destinar verba adequada para o desenvolvimento da ciência, principalmente para a grande área da biodiversidade”, destaca Rovai. “Dessa forma, mais do que trazer novas estimativas, nosso estudo aponta para lacunas a serem preenchidas, indicando áreas com pouca ou nenhuma informação disponível e que precisam ser priorizadas em pesquisas futuras”, enfatiza.

Estudo revela potencial gigantesco mas ainda pouco explorado de estoque e sequestro de carbono dos manguezais brasileiros

O solo do mangue: visto como “lixão” por muitos, seu papel no clima é importantíssimo

Grandes reservatórios de carbono, mas pouco protegidos

Já abaixo do solo há outros dois compartimentos de carbono. O primeiro dele são as raízes, propriamente ditas, e o segundo, é o solo, que nesses ambientes costeiros, vendo sendo formado ao longo dos últimos milhares de anos. “Para termos um resultado total, somamos esses três compartimentos e chegamos ao que chamamos no trabalho de estoque de carbono em nível de ecossistema”, diz o pesquisador da Louisiana State University. “Igualmente importante, é a quantidade de carbono retirada da atmosfera anualmente e acrescida aos solos e as árvores dos manguezais, o que somados equivalem a 13.5% de todo o carbono sequestrado pelos manguezais de todo o mundo”, ressalta.

Segundo os autores do estudo, essa alta capacidade de sequestro se dá pois os manguezais armazenam carbono produzido tanto no próprio ambiente, pelas plantas típicas de mangue, quanto carbono que vem de outros ambientes como florestas adjacentes (restinga) ou a montante dos rios (Mata Atlântica), ou ainda que é produzido nas águas dos estuários (fito- e zooplâncton).

Apesar de todo esse potencial, os manguezais não estão incluídos, por exemplo, em áreas de proteção citadas como prioritárias para conservação nas Metas Voluntárias de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa (iNDCs, na sigla em inglês), apresentadas pelo Brasil e outros países, durante a assinatura do Acordo de Paris. Não há também nenhum plano nacional ou diretrizes regionais para a inclusão dos manguezais nas comercializações de mercados de carbono.

“Um hectare de mangue tem muito mais carbono do que a mesma área na Floresta Amazônica”, reforça Riul. “Mas ele é negligenciado. E sempre foi. Ele sempre foi visto como um lugar sujo, com muito lixo e esgoto, porque historicamente serviu para o descarte de esgoto de muitas cidades costeiras”, lamenta.

Os autores do artigo lembram ainda que, perante a legislação brasileira, a zona de transição entre o manguezal e a terra firme, comumente conhecida por “apicum”, não é protegida. “Essas áreas, que ficam mais elevadas, geralmente no meio dos manguezais ou atrás deles, são extremamente salinas, por isso a vegetação típica do mangue não se desenvolve ali, mas a medida que o nível do mar começa a subir é pra lá que o mangue avança e aos poucos, vai colonizando esse solo”, revela André Rovai. “Mas a lei diferencia essas áreas e estabelece que apicum não é manguezal porque se baseia apenas na presença de vegetação hoje, o que é um erro visto que a dinâmica sucessional da vegetação nesses ambientes ocorre numa escala entre décadas e centenas de anos”.

Estudo revela potencial gigantesco mas ainda pouco explorado de estoque e sequestro de carbono dos manguezais brasileiros

Manguezais: além da importância no sequestro e estoque de carbono,
eles são habitat de inúmeras espécies

É preciso maior investimento em pesquisa e fiscalização

Entre as principais ameaças à conservação dos manguezais estão a carcinicultura (produção de camarão em tanques dentro desses ecossistemas costeiros), a agropecuária, a erosão, a especulação imobiliária no litoral brasileiro e as mudanças climáticas.

Mas em 2020, veio do próprio governo, a maior ameaça que já existiu sobre a preservação dos mangues. Naquele ano, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou acabar com duas resoluções que protegiam manguezais e restingas. Todavia, após análise, o Supremo Tribunal Federal declarou a medida inconstitucional e reestabeleceu as normas até então em vigor.

Uma das justificativa mais comuns é aquela de que “o Brasil é um país de dimensões continentais”, e por isso, onde a pesquisa é mais difícil. “Isso é uma desculpa. A costa da Austrália é monitorada há mais de 30 anos. No Brasil não temos boas informações do passado, que sirvam como referência, apenas dados pontuais em poucas localidades. Com isso, quando há um desastre, não possuímos informações para avaliar o impacto com precisão porque não existe com o que se comparar”, diz Riul. “Temos que investir em políticas de monitoramento ambiental em escala nacional e de longo prazo”.

Estudo revela potencial gigantesco mas ainda pouco explorado de estoque e sequestro de carbono dos manguezais brasileiros

A saracura-matraca é uma das muitas espécies de aves
observadas nesses ecossistemas

*Texto publicado originalmente em 15/02/22 no site do Mongabay Brasil

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Fotos: gentilmente cedidas pelo fotógrafo Leonardo Merçon

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