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Encontros inesquecíveis na Amazônia profunda

Encontros inesquecíveis na Amazônia profunda

Em 2012, um dos momentos mais esperados da nossa Expedição Amazônia era ir de Manaus a Porto Velho. Saímos então da capital e chegamos na BR-319, a única rodovia que liga os estados do Amazonas e de Roraima. São mais de 800 km entre Manaus e Porto Velho, por uma estrada destruída ao longo do tempo pelo vai-e-vem daqueles com muito dinheiro, que detém o transporte hidroviário da região, e têm muito pouco interesse em preservar os bens públicos…. “Eu vi o cara chegando e metendo o trator…. Assassinaram a BR!”. Declarações como essa, ouvimos algumas.

Na 319 as distâncias são medidas em “torres da Embratel”. Aliás, é por conta da Embratel ser possível percorrer a BR por inteiro. Tudo fica perto, antes ou depois das torres, separadas por quase 50 km. Em alguns trechos não se consegue nem engatar a segunda marcha da Toyoca! Sobra tempo para prestar atenção nos buracos e pontes, mas também, para banhar-se em igarapés e igapós.

A primeira parada, já de noite, foi do “lado de cá” da balsa no rio Igapó-açu.
Seu Antonio do Boto é o homem-natureza que encontramos do outro lado do rio. Fala com os animais; conversa com as plantas; tem o espírito aberto e conta histórias de tempos imemoriais do lugarejo, onde “malucos perdidos atravessam de vez em quando”, como diz.

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O rio é a vida dos moradores de Igapó-açu

Igapó-açu fica no meio do nada da BR-319, num trecho que já foi aeroporto e ainda é visitado por poucos caminhões de Manaus, em busca dos pescados que o Seu Antonio e a família pescam em longas viagens rio abaixo. Ali fizemos uma Roda de Passarinho, distribuímos fotos e posters e depois de dois dias seguimos viagem.

Na despedida, Seu Antonio nos falou de uma parada, duas ou três torres à frente, onde mora Dona Maria-do-Vestidão, com o marido e o filho Ismael.

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Crianças de Igapó-açu, após a Roda de Passarinho

Amazônia profunda

Nos escalamos para uma aventura, dessa vez pelas trilhas abertas na densa Floresta Amazônica por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e mantidas por Ismael e seu pai. Lá tivemos que aprender – na marra! – a nos equilibrar em paus roliços que faziam papel de pontes sobre emaranhados de igarapés.

Pelo caminho, o sério Ismael nos explicou como caçava para a família toda comer.

“Em um dia inteiro ando a trilha pra limpar tudo, varro, varro, varro, não pode deixar nenhum galho ou folha. A trilha tem que ficar lisa, na terra, bem limpa, pra não espantar a caça. Na mesma noite, sem lua e sem vento, volto na trilha, sem luz e a passo de gato pra, com muita sorte, acertar numa paca, macaco, veado ou na pintada.”

Perguntamos como conseguia achar a caça naquele breu. “Pelo jeito”, responde Ismael e encerra o assunto em silêncio. Na parede lateral da casa tinha uma pele de veado esticadinha…

Na volta, sentados num tronco na beira da trilha, perguntamos se ele acreditava em Mapinguari. Riu pela primeira vez.

“Imagine se alguém vai acreditar num homem peludo com um olho no meio da barriga?”

Em seguida, perguntamos do Curupira. Aí, o Ismael ficou sério novamente.

“Ah, Curupira, esse existe com certeza! E costuma descer o pau em quem vai pra mata só pra machucar bicho ou caçar, que não seja pra comer. O cara apanha e nem sabe de onde vem a pancadaria! Faz o cabra se perder e morrer de fome, sem nunca mais sair do mato. O cara some de vez! Curupira é o protetor das mata!”.

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Dona Maria-do-vestidão e seu filho Ismael

Seu Paulo

Muitas torres após Dona Maria e Ismael chegamos ao Seu Paulo. Ele sonha voltar a morar ali na BR-319, com a mulher e a filha. Homem de poucas palavras, nos acolheu com um aperto de mão, à noitinha, ao lado da Ponte do Rio Novo.

Pedimos se podíamos nos banhar no rio ao lado e ele apontou o lugar certo. Na manhã seguinte, vimos que havia uma carcaça absolutamente repleta de varejeiras bem perto, abaixo de onde nos indicou.

Dormimos na Toyoca, atrás de seu caminhão e, no dia seguinte, aprendemos a dobrar, cortar e montar as folhas do babaçu, usada para cobertura da casa em construção. Seu Paulo conta que atearam fogo na sua primeira casa, “bandidos vindos do lado de lá”, num passado nebuloso.

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Seu Paulo construindo a casa ao lado do Rio Novo

O perigo do nada e o verdadeiro na Amazônia

Paradas refrescam e descansam do sacolejo da estrada, fazem refletir sobre a vida naquele pedaço de Amazonas onde só os fortes e decididos sobrevivem, com suas carabinas na garupa da bicicleta ou da moto, prontas para atirar em onças, macacos, porcos, qualquer proteína que cruze o caminho.

Perguntados, desconversam e justificam as carabinas para proteger dos perigos que, segundo dizem, são “as pintadas que abrem porta de carros; sucuris que engolem gente inteira; bichos de outro mundo que atormentam todos que se aventuram por estas bandas…”.

Aliás, é até comum, dizem, caminhantes dormirem na beira da estrada, sem proteção alguma. “Só na cabeça de quem nunca esteve por aqui pra pensar que aqui é o fim do mundo e cheio de bicho doido”.

Na realidade é um encantamento para quem se atreve a descobrir.

Caminhões carregados com troncos enormes “que ninguém vê”, já próximos do asfalto, em Humaitá, fazem muito estrago na Floresta Amazônica. Esse sim, é o verdadeiro perigo! Só para se ter ideia, um único caminhão, daqueles com mais de 50 rodados, só consegue levar um tronco de castanheira. Mas isso, ninguém vê, como dizem…

E voltamos ao tumulto e ao barulho deixados pra trás, antes de atravessar o Solimões e iniciar a BR 319, outro rasgo no coração da Amazônia.

Uma longa jornada entre uma e outra Torre da Embratel

Leia também:
A magia da Caixa de Passarinho

Fotos: arquivo pessoal

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