Emissões sobem 10% no primeiro ano de Bolsonaro devido à alta do desmatamento na Amazônia

As emissões brasileiras de gases de efeito estufa subiram 9,6% em 2019, o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. O dado é do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) e foi divulgado hoje, 6/11, pelo Observatório do Clima (OC).

No ano passado, o país lançou na atmosfera 2,17 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), contra 1,98 bilhão em 2018.

O dado consolida a reversão da tendência de redução das emissões no Brasil, verificada entre 2004 e 2010, e sugere que o país não deverá cumprir a meta da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) em 2020.

“Estamos numa contramão perigosa. Desde 2010, ano de regulamentação da lei nacional de clima, o país elevou em 28% a quantidade de gases de efeito estufa que despeja no ar todos os anos, em vez de reduzi-la”, disse Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. “No ritmo em que está e com os indicativos de que dispomos, o país não consegue cumprir a meta de 2020 e se afasta da de 2025”.

O crescimento das emissões no último ano foi puxado pelo desmatamento na Amazônia, que disparou no ano passado.

A quantidade de gases de efeito estufa do setor de mudança de uso da terra subiu 23% em 2019, atingindo 968 milhões de tCO2e — contra 788 milhões em 2018. O desmatamento respondeu por 44% do total das emissões do país no ano passado.

Desde a PNMC, as emissões por mudança de uso da terra cresceram 64% no Brasil, em que pese a meta da lei de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% em 2020 comparado à média entre 1996 e 2005.

Contribuição crescente da agropecuária

“O aumento significativo nas emissões brasileiras foi capitaneado pelas elevadas taxas de devastação na Amazônia e pelo descaso com a política ambiental demonstrada no primeiro ano da administração Bolsonaro”, disse Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). “O aumento das emissões não somente impacta nossos compromissos internacionais como ameaça a reputação do nosso agronegócio”.

A agropecuária vem em segundo lugar, com 598,7 milhões de toneladas de CO2e em 2019, um aumento de 1% em relação às 592,3 milhões de toneladas emitidas em 2018.

Somando-se as emissões de uso da terra e agropecuária, o SEEG conclui que a atividade rural — seja direta ou indiretamente, por meio do desmatamento, que é quase todo destinado à agropecuária — respondeu por 72% das emissões do Brasil no ano passado.

Isso significa que, após dez anos de política de clima, o Brasil ainda tem o mesmo tipo de curva de emissões de antes da adoção da política, e que as emissões no país seguem descoladas do PIB: elas cresceram quase dez vezes mais que o “pibinho” de 1,1% no ano passado. Isso se deve ao fato de o desmatamento ser uma atividade que não gera riqueza.

“Os resultados do SEEG agro mostram a crescente contribuição da agropecuária para as emissões nacionais. Esse cenário precisa ser revertido e, para isso, os sistemas de produção devem adotar as boas práticas de manejo e cuidar do solo, onde está concentrada a maior parte dos estoques de carbono. Um solo conservado produz mais e ainda estoca carbono, sendo, portanto, um dos recursos naturais mais importantes do Brasil”, afirma Renata Potenza, Coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.

Energia: poderia ter sido pior

O setor de energia respondeu por 19% do total de emissões do Brasil. Elas tiveram um aumento discreto de 1% no ano passado, indo de 409,3 milhões para 413,6 milhões de tCO2e. Isso se deveu a um aumento no consumo de energia elétrica, que levou ao acionamento de termelétricas a gás mesmo num cenário de chuvas dentro da média para as hidrelétricas, e de um aumento no uso de diesel devido à recuperação do transporte de cargas, principal consumidor de combustíveis fósseis no país.

A recuperação do etanol, cujo consumo retornou a níveis de antes da crise do setor em 2012, e o aumento paulatino do uso de biodiesel impediram um maior aumento das emissões de energia no ano passado.

“Na geração de eletricidade também houve aumento da demanda, o que causou uma elevação da geração por termelétricas fósseis, mas a geração hidrelétrica, eólica e solar teve um aumento ainda mais expressivo”, disse Felipe Barcellos, analista de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente. “Isso acabou por barrar o aumento das emissões do setor, que poderia ter sido maior”.

Indústria e resíduos, aumento discreto

As emissões da indústria, que acompanham mais de perto o PIB e as dificuldades do setor, caíram 2% — de 101 milhões de tCO2e em 2018 para 99 milhões em 2019, e representaram no ano passado 5% das emissões do Brasil.

Por fim, o setor de resíduos teve um crescimento também discreto, de 1,3%, indo de 94,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2018 para 96,1 milhões em 2019. Apesar de responder por apenas 4% das emissões nacionais, o setor tem recebido enorme atenção do Ministério do Meio Ambiente, cujo ministro o considera “o principal problema ambiental brasileiro”.

Foi o único setor beneficiado em 2020 com a retomada do Fundo Nacional de Mudança do Clima, sendo carimbado como destino dos R$ 580 milhões depositados no fundo em 2020, após sua paralisia completa por um ano e meio.

“Historicamente o setor apresenta crescimento significativo. No entanto, nos últimos anos é possível uma certa estabilidade das emissões. Isso indica um cenário de manutenção da situação atual, sem grandes avanços na gestão de resíduos e no cumprimento das metas climáticas setoriais”, disse Iris Coluna, assessora de Projetos do ICLEI — Governos Locais pela Sustentabilidade.

Brasil, entre os maiores poluidores

As emissões em 2019 colocam o Brasil na sexta posição entre os maiores poluidores climáticos do mundo – subindo para quinto lugar quando se exclui a União Europeia.

As emissões per capita do Brasil também são maiores que a média mundial. Em 2019, cada cidadão brasileiro emitiu 10,4 toneladas brutas de CO2e, contra 7,1 da média mundial.

Além do corte no desmatamento, em 2020, a lei nacional de clima comprometia o Brasil a reduzir suas emissões em 36,8% a 38,9% ao final deste ano em relação à trajetória que se imaginava que elas fossem seguir quando a política foi aprovada.

O cálculo da meta tem uma série de particularidades, mas já em 2019 o país perdeu seu limite mais ambicioso e tinha emissões exatamente coincidentes com o limite menos ambicioso. Estimativas do SEEG indicam que, mantida em 2020 a variação média das emissões dos últimos dez anos, o país ultrapassará em cerca de 9% o limite menos ambicioso da meta.

“O país já chega devendo em 2021, ano em que deveria ter início o cumprimento da NDC, nossa meta nacional no Acordo de Paris”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.

“Com um governo negacionista da mudança climática e que nem sequer entregou um plano de implementação da NDC até agora, nossa participação no Acordo de Paris se resume a uma assinatura num pedaço de papel. Isso terá consequências sérias para a inserção internacional do Brasil e para nosso comércio exterior nos próximos anos”.

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*Este texto foi originalmente publicado no site do Observatório do Clima (OC) em 6/11/2020

Foto: Mayke Toscano/Gecom (Reserva Legal em Tapurah, MT)

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Observatório do Clima

Fundado em 2002, o OC é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil