Atualizado em 15/2/2021
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O que é mais importante, afinal? Armar os brasileiros sedentos de ódio e que acreditam em justiça com as próprias mãos? Ou garantir imunização para todos os brasileiros contra a COVID-19?
A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, já informou que a campanha de vacinação será interrompida na próxima quarta, 17/2, por falta de vacinas.
Para o presidente, o mais urgente é facilitar o acesso a armas e munições. Por isso, Bolsonaro publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, um pacote de quatro novos decretos que afrouxam a regulamentação sobre armamento no Brasil.
Fez isso no mesmo dia (12/2) em que o índice nacional de homicídios (atualizado pelo G1 e Fórum Brasileiro de Segurança Pública) divulgou o aumento de 5% nos assassinatos em 2020 e depois de uma semana em que o país registrou mais de mil mortes diárias por COVID-19.
Pra celebrar o Carnaval sem Carnaval, o presidente colocou mais pólvora “na avenida”. Na verdade, fez o que já havia anunciado após a vitória de Arthur Lira na disputa pela presidência da Câmara.
Como Lyra é seu aliado, Bolsonaro espera realizar uma de suas promessas de campanha: flexibilizar as regras que orientam o porte e a posse de armas no país. Ao máximo!
E ninguém pode acusá-lo de mentir ou de omitir sua posição porque, nesse quesito, desde a época em que era deputado federal e durante a campanha presidencial, ele foi muito claro: é a favor do armamento.
A questão é que existe uma lei contra o armamento no Brasil – Estatuto do Desarmamento -, de 2003, que não pode ser subvertida por decretos!
O que muda(ria) com os novos decretos
As novas medidas visam reduzir (ainda mais) os limites para compra e estoque de armas e cartuchos para pessoas autorizadas por lei. Agora, por exemplo, estas podem ter a posse de seis armas. Antes, eram quatro.
No caso de atiradores e caçadores, agora, podem ter até 60 e 30 armas, respectivamente. Se quiserem ir além dessa quantidade, terão que obter autorização do Exército. Pasme!
Bolsonaro também aumentou a quantidade anual de insumos para recarga de cartuchos por um atirador: duas mil para armas de uso restrito e cinco mil para armas de uso permitido, todas registradas em seu nome. Também alterou o estabelecimento da regulamentação da atividade dos praticantes de tiro recreativo, entre outras medidas.
De acordo com nota divulgada pelo governo, “o pacote de alterações dos decretos de armas compreende um conjunto de medidas que, em última análise, visam materializar o direito que as pessoas autorizadas pela lei têm à aquisição e ao porte de armas de fogo e ao exercício da atividade de colecionador, atirador e caçador, nos espaços e limites permitidos pela lei”.
Questão de prioridade
Vale lembrar que, em 1º de janeiro deste ano, o governo zerou a alíquota do imposto aplicado para a importação de revólveres e pistolas, que era de 20%. Ou seja, transferiu dinheiro público para favorecer os interesses de grupos pró-armas.
E ainda fez isso depois de aumentar o imposto da importação de cilindros de oxigênio, ainda em 2020. Na época, o país registrava quase 180 mil mortos pela pandemia e Manaus iniciava sua maior crise humanitária: pessoas morriam sem ar na porta dos hospitais.
Em meados de dezembro, o Ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu a resolução do governo (sobre a retirada do imposto de importação das armas), alegando que contradiz o direito à vida e o direito à segurança e viola o ordenamento constitucional brasileiro. O tema ainda vai ser debatido no plenário do STF.
Tudo é uma questão de prioridade. E está claro que o homem que desgoverna nosso país prioriza a morte, não a vida.
Campanha #NãoSomosAlvo reforça petição online
Com a decisão do presidente, o movimento Não Somos Alvo – iniciativa antipartidária lançada em 2019 – destaca a importância da participação de todos os brasileiros contrários ao armamento – são 73% de acordo com pesquisa Ibope de 2019 – e que se alinham com o propósito desta campanha.
A petição é um formulário/e-mail que pressiona diretamente os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Basta assiná-lo!
Até ontem à noite, apenas 6273 pessoas haviam aderido. Hoje, 15/2, 13h16, já são 7274. Vê lá!
“O Congresso Nacional e o STF precisam reagir diante dos abusos e ilegalidades que ameaçam a nossa segurança e a nossa democracia”.
Não Somos Alvo é resultado da união de cidadãos cansados de retrocessos no controle de armas e munições no país. Um ano depois, em setembro de 2020, se mobilizaram com nova campanha As Armas Que A Gente Precisa São As Que Não Matam. E, agora, resgatam a petição.
Acompanhe a campanha no Instagram e no Facebook e não deixe de participar. Compartilhe com seus amigos, parentes, colegas de trabalho, alunos…. quanto mais gente envolvida nesta causa, mais chances de derrubar os decretos insanos de Bolsonaro.
“Em uma democracia, não é com fuzil na mão que vamos reduzir as desigualdades, enfrentar o machismo, a LGBTfobia, a violência contra os povos indígenas e o racismo. Em uma democracia, não é com fuzil na mão que garantimos o emprego, a vaga na escola ou o atendimento no hospital!”, destaca a campanha Não Somos Alvo, em seu site.
Parlamentares se indignam e agem rápido
Logo que o Diário da União publicou as novas medidas sobre porte e posse de armas, as redes sociais foram tomadas por revolta e indignação.
Não só dos cidadãos comuns, como também de organizações e parlamentares. Alguns destes afirmaram que vão contestar a decisão de Bolsonaro, tanto na Câmara dos Deputados como no Supremo Tribunal Federal (STF).
O deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, por exemplo, escreveu, hoje, em seu perfil no Twitter:
“Urgente! Vou apresentar projetos para anular os quatro novos decretos de Bolsonaro que ampliam o acesso de civis a armas e munições e afrouxam a fiscalização. Também estou incluindo estas medidas na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que já protocolei no STF. O presidente não pode legislar sobre armas via decreto”.
Freixo compartilhou imagem do seu tweet no Instagram, onde acrescentou: “Estamos mobilizados para anular os decretos de Bolsonaro. O presidente deveria estar preocupado com vacina e auxílio emergencial, não com arma”.
No Twitter, ainda ironizou: “Imagina se Bolsonaro fosse tão eficiente em comprar vacina como é em liberar arma”. E fez alertas: “Bolsonaro está criando um arsenal para formar milícias políticas. Além de alimentar a violência e favorecer o crime organizado, o presidente ameaça a democracia. Nós da oposição estamos na luta para derrubar os decretos”.
Mais: “A política armamentista do presidente não é apenas sobre insegurança pública, é sobre democracia. Bolsonaro está armando seus apoiadores p/ ameaçar as instituições. O golpe está em curso”. É muito preocupante.
Também no Twitter, a deputada federal Perpétua Almeida, do PCdoB, chamou o o pacote de ” inconstitucional, ilegal e agride os direitos fundamentais à segurança e à vida, previstos na Constituição”.
E ainda declarou: “Ultrapassa todos os limites fixados na Lei nº 10.826/2003. E será contestado pelo PCdoB no STF”.
Chamando o pacote armamentista de Bolsonaro de “irresponsável”, a senadora Eliziane Gama, do Cidadania, ressaltou que o Congresso não pode concordar com a medida.
A deputada federal Talíria Petrone, líder da bancada do PSOL na Câmara, reforçou o discurso de Freixo e destacou que, nos últimos dez anos, cerca de 500 mil pessoas foram assassinadas com armas de fogo, “o que representa cerca de 70% dos homicídios”.
Fabiano Contarato, senador pela Rede, criticou o momento em que o presidente tomou tais medidas – durante pandemia – destacando que, enquanto isso, “pautas urgentes, como a falta de insumos, seguem sem resolução”.
Para organizações, não há justificativa para tais decretos
Em nota pública, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destacou que não existem argumentos válidos em favor “da liberação da compra de até 60 armas por um único colecionador, 30 armas por caçadores ou até 6 armas para cidadãos!”.
E acrescentou: “É inaceitável o desmonte dos mecanismos de fiscalização, sobretudo do trabalho do Exército brasileiro, seja pela liberação de produtos controlados ou mesmo pelo rastreamento de munição e concessão do porte“.
A organização não-governamental pró-desarmamento Instituto Sou da Paz, atuante desde 1997, também se manifestou por nota pública, destacando sua “indignação” contra a decisão de Bolsonaro.
Para seus membros, o governo federal declarou “seu desprezo pela ciência e sua falta de aptidão” para combater os “maiores desafios do Brasil”.
“Com esses decretos, já são mais de 30 atos normativos publicados nos dois últimos anos, que levaram ao aumento recorde de armas em circulação no ano passado – contrariando todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática“. Mais:
E mais: “Dados preliminares de 2020 já indicam que houve um aumento nos homicídios mesmo em ano de intenso isolamento social. Este governo parece ter conseguido reverter a pequena queda que tivemos a partir de 2018 e conquistada a muito trabalho”.
Em nota, o Instituto Igarapé, fundado em 2015 por Ilana Szabó, classificou os novos atos como “continuação do desmonte da política de controle de armas e munições do Brasil, que, não só tem efeitos letais para o país que mais mata com armas de fogo no mundo, como reforça possíveis ameaças à democracia e à segurança da coletividade“.
Na nota, a especialista em questões de controle de armas, política de drogas, violência policial, ação cívica e climática declara que as alterações propostas por Bolsonaro aumentam a “urgência” de julgamento pelo STF das ações sobre a constitucionalidade das medidas do Executivo (como destaca Freixo) e das votações dos projetos de decreto legislativo pelo Congresso, com a intenção de suspendê-las.
Corroborando o que diz o FBSP, a assessora especial do Igarapé e mestre em Segurança Internacional, Michele dos Ramos, destaca que “há muitas perguntas a serem respondidas pelas autoridades federais sobre as motivações políticas do descontrole de armas no país“.
Para ela, não existe justificativa ou “conhecimento técnico” que dê suporte para as mudanças que deseja o presidente.
Brasileiros cada vez mais armados
Logo que assumiu o poder, em janeiro de 2019, Bolsonaro publicou decreto para flexibilizar a posse de armas e prometeu fazer o mesmo com o porte, paulatinamente. Em maio, veio o decreto para alterar o porte de armas, provocando a reação de 13 governadores que, em carta aberta, declararam ser contra a medida.
Pesquisa realizada pelo Ibope, em março de 2019, revelou que 73% dos brasileiros são contra armas. Em seguida, o Senado rejeitou o decreto. Incansável, Bolsonaro revogou o decreto, mas editou três novos decretos e enviou projeto de lei para o Congresso.
Em 2020, o Brasil teve aumento de 90% nos registros para posse de armas de fogo. Em 2019, a Polícia Federal (PF) autorizou o registro de posse para quase 180 mil armas. Foram 179.771 novas armas, em comparação a 94.064 em 2019, um aumento de 91%. Um recorde, desde que esses dados começaram a ser disponibilizados em 2009.
Os números da reportagem da BBC Brasil confirmam que a “política armamentista” promovida pelo governo Bolsonaro está funcionando muito bem.
Quase 70% dos registros de posse das novas armas foram dados a pessoas civis, ou seja, cidadãos comuns (o restante diz respeito a órgãos públicos, como guardas municipais e portuárias, e servidores do Judiciário e Ministério Público).
Dois anos depois da primeira tentativa do presidente de “armar os brasileiros”, o país tem 1,151 milhão de armas legais nas mãos de cidadãos, segundo o jornal O Globo (via Lei de Acesso à Informação junto ao Exército e PF, em parceria com os Institutos Igarapé e Sou da Paz).
Os decretos tornam ainda mais declarada a visão do presidente sobre o tema. Ele é um incentivador do armamento, como sempre declarou quando era deputados federal, e enfatizou durante campanha presidencial.
Milícias, arminha e autoritarismo
Como destacou o deputado federal Marcelo Freixo, o perigo não reside apenas no armamento de cidadãos comuns – que já é uma temeridade -, mas das milícias, contra as quais o deputado luta há anos e que, com Bolsonaro, têm expandido seus limites.
O jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso fala sobre isso em seu livro A República das Milícias – dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro.
Ao anunciar que publicaria mais decretos sobre armas, o presidente voltou a defender o armamento no país. Seu argumento? “Nenhum governante vai querer dar uma de herói e impor uma ditadura” caso o povo esteja armado.
Para finalizar este texto, destaco a atitude nobre da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Ardern, em março de 2019, depois que um atirador supremacista branco protagonizou massacre em duas mesquitas em Christchurch, matando 50 pessoas.
Além de ignorar o criminoso e não citar seu nome (“ele queria notoriedade, mas não vai ter”) e dar apoio pessoal às famílias das vítimas, Ardern anunciou nova lei – muito rígida – para o uso de armas. Como resposta, os cidadãos neozelandeses se mobilizaram e entregaram suas armas e munições voluntariamente.
Essa é a diferença entre um governo humanista como o de Ardern – apontada como um dos líderes mais eficientes no combate à pandemia no mundo -, que zela pelo bem-estar e pela vida da população do país que dirige, e um governo autoritário e genocida como o de Bolsonaro.
Não é à toa que o presidente é campeão em pedidos de impeachment no Brasil – mais de 60, todos engavetados pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – e também em denúncias no Tribunal Internacional de Haia, na Holanda. Neste caso, uma delas já está sendo analisada.
Foto: Pixabay
Fontes: G1, UOL, Instituto Igarapé, Sou da Paz, Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Obrigada pelo envio da petição
Enviei para meus contatos. Esse homem é um perigo e sempre foi mas infelizmente, parte da população acéfala, lhe concedeu poder. O que acontece neste país, é indecente !!
Agora em 2023 as regras sobre armamento serão mudadas nos próximos dias com a edição do decreto presidencial do governo atual.