Em meio à pandemia, 72% do garimpo na Amazônia foi aberto em “áreas protegidas”: terras indígenas e unidades de conservação

São duas as epidemias que assolam as áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) da Amazônia brasileira: a causada pela Covid-19 e a do garimpo. Confirmando a tese de que não fazem home-office durante a pandemia, garimpeiros continuam a trabalhar, a todo vapor, na região, nos últimos meses. 

Segundo os alertas do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 72% de todo o garimpo realizado na Amazônia – entre janeiro e abril de 2020 – ocorreu dentro dessas áreas – que deveriam ser “protegidas”. 

Nesses quatro primeiros meses de 2020, a área de desmatamento para garimpo aumentou 13,44% dentro das terras indígenas da Amazônia brasileira em relação ao mesmo período do ano anterior, passando de 383,3, em 2019, para 434,9 hectares em 2020. 

Em relação às unidades de conservação, o garimpo destruiu 879,8 hectares de floresta, entre janeiro e abril deste ano, o que representa um aumento de 80,62%, quando comparado ao mesmo período de 2019, quando foram desmatados 487,12 hectares. 

Em sobrevoo realizado em 12 e 13 de maio, o Greenpeace comprovou que a atividade garimpeira ocorre de modo bastante intenso no nordeste da Terra Indígena (TI) Munduruku, no Pará. Também foi identificada a recente abertura de um garimpo dentro dos limites da Terra Indígena Sai Cinza.

Foto: Marcos Amend

Tratores e PCs (escavadeiras hidráulicas), além de estradas de acesso recentemente abertas, foram registrados nestes dois territórios tradicionais do povo Munduruku, localizados na região de Jacareacanga (PA). Juntas, as TI Munduruku e Sai Cinza totalizam 60% dos alertas de desmatamento para garimpo em terras indígenas da Amazônia, identificados pelo Inpe no período de janeiro a abril de 2020. 

Através da análise dos dados de satélite foi possível constatar que houve um aumento de 58% no desmatamento para garimpo na TI Munduruku nos primeiros quatro meses de 2020 comparado ao mesmo período do ano anterior.

O garimpo avança de modo devastador na Terra Indígena Munduruku, impactando o povo, os rios e a floresta, que foi desmatada em mais de 240 hectares apenas entre os meses de janeiro e abril de 2020, um aumento de 57% em relação ao mesmo período do ano anterior
Foto: Marcos Amend
Apesar de proibido em terras indígenas pela Constituição Federal, o garimpo avança nessas áreas.
A Terra Indígena Sai Cinza (PA) é uma das áreas em que esta atividade ilegal tem se alastrado.
Invasores são potenciais transmissores da Covid-19 para o povo Munduruku que, secularmente, habita aquela região.
Foto: Marcos Amend
Foto: Marcos Amend

Infelizmente, essa realidade atinge severamente também o povo Yanomami, em Roraima. Há décadas seu território ancestral é invadido por garimpeiros. Eles conhecem de perto os severos impactos desta atividade ilegal na natureza, no seu modo de vida e na saúde da sua população.

Em meio à pandemia, os Yanomami temem que os mais de 20 mil garimpeiros ilegais que hoje exploram a TI Yanomami possam devastar suas famílias pela contaminação da Covid-19 e reivindicamque o Estado os retire, urgentemente, de seus territórios, por meio da campanha #ForaGarimpoForaCovid (assista ao vídeo produzido pelo Greenpeace para apoiar essa campanha, no final deste post).

Durante um sobrevoo realizado em 9 de maio, o Greenpeace também documentou atividade garimpeira dentro dessa área.

Os resultados do Sirad (sistema de monitoramento por satélite do Instituto Socioambiental – ISA) mostram que 1.925,8 hectares de florestas já foram degradados pelo garimpo ilegal (valor acumulado) na TI Yanomami. Somente em março de 2020, os garimpeiros destruíram cerca de 114 hectares de floresta

Em sobrevoo realizado em 9 de maio, em Roraima, Greenpeace registra invasão de garimpeiros
na Terra Indígena Yanomami / Foto: Chico Batata/Greenpeace
Foto: Chico Batata/Greenpeace
Foto: Chico Batata/ Greenpeace Brasil
Foto: Chico Batata/Greenpeace

O monitoramento aéreo flagrou também a exploração de garimpo em duas unidades de conservação localizadas no estado do Pará: a Floresta Nacional (Flona) de Altamira e o Parque Nacional (Parna) do JamanximEste último é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, onde é vedada por lei a realização de exploração mineral (em 2017, o Observatório do Clima já indicava que a devastação dessa floresta era a maior da história).

Veja abaixo a localização das áreas de garimpo nas terras indígenas e unidades de conservação no Pará, registradas nos sobrevoos realizados em maio: 

Em 29 de maio, o Greenpeace encaminhou denúncia ao Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), solicitando a urgente e definitiva retirada dos garimpeiros das TI Munduruku e Sai Cinza.

Em 16 de junho, o MPF ajuizou uma ação solicitando que a Polícia Federal (PF), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) combatam a mineração ilegal em terras indígenas do sudoeste do Pará e identifiquem aqueles que “de forma recorrente vem demonstrando desprezo pelo cumprimento das leis que reconhecem os direitos indígenas e que garantem a proteção do meio ambiente”.

Genocídio anunciado

“Infelizmente, o que os dados e as imagens aéreas explicitam é que o garimpo é um determinante vetor de destruição de áreas que, por lei, deveriam ser de proteção da floresta e de seus povos na Amazônia. Considerando que os garimpeiros são potenciais transmissores da Covid-19 para os indígenas, se medidas urgentes não forem tomadas, a realidade será catastrófica na região”, alerta Carol Marçal, da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Segundo o Artigo 231 da Constituição Federal, qualquer atividade de garimpo dentro de terras indígenas é ilegal. Nas unidades de conservação, o garimpo pode ser desenvolvido somente em algumas categorias de uso sustentável, com as devidas autorizações, como prevê o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc)Lei 9.985/2000

“Desde o início desta pandemia, os povos vêm exigindo que o Estado brasileiro garanta a proteção de suas terras, retirando imediatamente os invasores. Mas nada avançou neste sentido. 

Esta é uma das medidas mais efetivas e necessárias para evitar que um novo genocídio aconteça neste país em pleno século 21 – o que seria totalmente inaceitável e imoral!”, lamenta Carol. Segundo sistematização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) feita até o dia 18 de junho, 110 povos já haviam sido atingidos pela Covid-19, contabilizando 7.208 contaminados e 332 óbitos.

NOTA DO CONEXÃO PLANETA: de acordo com a APIB, até 24/6, 113 povos haviam dito atingidos pela Covid-19, com 8847 infectados e 365 mortes.

Abertura para boiadas, soja, pasto… 

Existe uma clara ação do governo federal para aprofundar a exploração predatória da Amazônia, através de diversas medidas que flexibilizam a legislação ambiental. Não faltam exemplos:  o Projeto de Lei (PL) 2633/2010, conhecido como PL da Grilagem; o PL 191/2020, que pretende abrir as terras indígenas para exploração de recursos minerais e hídricos; a Instrução Normativa (IN) 09/2020, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que coloca em risco centenas de territórios que aguardam a fase final do processo de demarcação

Em vídeo divulgado em 22 de maio, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles explicitou qual é o real compromisso da pasta que ocupa no atual governo. “Mas ele está enganado. Os povos indígenas e a sociedade civil não permitirão que a ‘boiada’, mencionada por ele, passe”, afirma Carol Marçal. 

Em vídeo, a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, salienta que “a mineração é um projeto de morte da vida dos povos indígenas”. 

O garimpo causa impactos devastadores para a floresta e seus povos. Para além dos prejuízos  ambientais, como contaminação e assoreamento dos rios, desvio dos cursos fluviais e morte de animais, essa atividade causa graves efeitos sociais, como prostituição, condições insalubres de trabalho, aumento do consumo de drogas e perturbações severas na organização social e política dos povos que vivem naquela região.

Uma das piores consequências do garimpo é a contaminação por mercúrio. Utilizado para facilitar a mineração de ouro, este metal pode causar irreversíveis danos ao sistema nervoso. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Socioambiental (ISA), de 2016, revelou que, em algumas aldeias Yanomami, o índice de pessoas contaminadas por mercúrio chegava a 92%.

Agora, assista ao vídeo produzido pelo Greenpeace para apoiar a campanha #ForaGarimpoForaCovid, do ISA, com imagens das terras Yanomami:

Foto de destaque: Marcos Amend/Greenpeace Brasil

Deixe uma resposta

Greenpeace Brasil

O Greenpeace Brasil faz parte da organização não-governamental internacional, sem fins lucrativos, com mais de 30 anos de luta pacífica em defesa do meio ambiente. Atua no Brasil desde 1992 (Eco92) e em 30 países por meio de ativismo e de protestos pelo meio ambiente