Em anúncio, entidades empresariais defendem desmonte ambiental de Salles, mas associadas repudiam apoio nas redes sociais

O Brasil inteiro ficou chocado na semana passada com o conteúdo do vídeo da reunião ministerial realizada no dia 22 de abril, que integra o inquérito que investiga a tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, de acordo com as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro. Além do linguajar chulo do presidente e a verbalização da intenção de ataque a várias instituições que garantem os processos democráticos no país, um dos pontos que mais chamou a atenção no encontro foi a fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (leia mais aqui).
Completamente à vontade, ele deixou clara sua vontade de passar por cima do Congresso Nacional, e se aproveitar desse momento, quando a imprensa está focada na morte de milhares de brasileiros, vítimas da COVID-19, para “a canetadas”, deixar a “boiada” passar e liberar, de vez, o caminho para o agronegócio e o desmatamento no país.
Consternadas com as declarações e a audácia de Salles, rapidamente organizações da sociedade civil, como Greenpeace Brasil, WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, ClimaInfo, Instituto Socioambiental (ISA) e o Observatório do Clima (OC), se uniram e publicaram um anúncio de página inteira, nos jornais de grande circulação do país, com o seguinte texto:
“Hora de passar a boiada”
Para o Ministro do Meio Ambiente, mais de 20 mil mortos são uma oportunidade.
#ForaSalles
A fala de Ricardo Salles comprova a importância da imprensa livre e comprometida com a correta apuração dos fatos”.

Mas, hoje, os apoiadores das atitudes do atual governo e de seu (des)ministério do Meio Ambiente fizeram o contra-ataque.
Também em anúncio de página inteira, vieram a público apoiar Ricardo Salles. Com o título “No meio ambiente, a burocracia também devasta”, o texto diz o seguinte:
“As entidades abaixo reafirmam seu compromisso com a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, condenando os infratores que, além de causarem prejuízos ambientais e à imagem do país, praticam concorrência desleal às empresas regulares e responsáveis.
Condenamos, também, a agenda burocrática que utiliza a bandeira ambiental como instrumento para o travamento ideológico e irrazoável de atividades econômicas cumpridoras das leis e essenciais ao desenvolvimento econômico do país. Tal agenda afasta investimento e subtrai empregos, gerando grande pobreza em vez de respeito ao meio ambiente.
As ações do Ministério do Meio Meio Ambiente, na defesa da legislação e dos interesses ambientais com sensibilidade ao desenvolvimento do país de forma sustentável e legítima, contam com nosso total apoio”.

Assinam o anúncio quase 90 entidades empresariais e associações brasileiras*, entre elas, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, a Associação Brasileira de Frigoríficos, dentre várias outras.
Feliz da vida com o apoio, Salles usou sua conta no Twitter para agradecer. “Cerca de 90 entidades, do Brasil todo, que juntas empregam dezenas de milhões de brasileiros, manifestaram-se acerca da necessidade de combater a burocracia e os gargalos regulatórios que emperram de maneira irracional o desenvolvimento sustentável em nosso país”, escreveu.
Repúdio e pedido de retratação
Depois do anúncio polêmico, muitas empresas que pertencem a essas associações e entidades, não compartilharam da mesma ‘alegria’ de Salles. Através de suas redes sociais e em comunicados oficiais, revelaram que não foram consultadas e reafirmaram seu posicionamento a favor da preservação do meio ambiente.
O parque aquático Beach Park, de Fortaleza, por exemplo, disse que pedirá sua desfiliação da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil.

A Natura, uma das maiores fabricantes de cosméticos do mundo, repudiou a nota de apoio a Ricardo Salles. “Como integrante do Conselho da ABIHPEC, a Natura não aprovou e nem foi consultada sobre este anúncio. Os índices de desmatamento no Brasil são alarmantes e existe uma urgência real por mais fiscalização e cumprimento da legislação. A gente discorda dessa manifestação de apoio”, ressaltou.
Outra marca do mesmo setor, a Avon, também enfatizou que não foi consultada. “Manifestamos o repúdio a esta declaração de apoio. Não aprovamos ou sequer fomos consultadas sobre este anúncio. É extremamente necessário manter o respeito à legislação e reforçar os instrumentos de fiscalização ambiental diante do atual cenário”.

A Mauricio de Sousa Produções também se manifestou pelo Twitter
Em inglês, a rede hoteleira internacional Accor, deu destaque ao ocorrido. “A Accor está fortemente comprometida em reduzir sua pegada ambiental, por meio do programa Planet21. Este anúncio não representa os valores do grupo nem seu envolvimento diário. Estamos em contato com a associação e pedimos uma retratação oficial”.
O Greenpeace Brasil está pressionando outras empresas que fazem parte dessas associações a se manifestar sobre o assunto. Você pode acompanhar quais já responderam na página do Facebook da organização.
Em momentos como este, em que o Brasil já tem quase 25 mil mortos pela pandemia do coronavírus, o desmatamento no país atinge níveis recordes e órgãos de proteção ambiental são sucateados, companhias e marcas que se omitem ou são coniventes com esse cenário não merecem o respeito e muito menos, o dinheiro, de seus clientes e consumidores.
E não basta que as empresas digam que não foram consultadas. Se elas pagam para serem representadas por essas associações e não concordam com o que foi dito, devem deixar de fazer parte dessas entidades. Já!
*Abaixo a lista completa das entidades e associações que assinaram o anúncio:
CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil | CNC – Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo | CNI – Confederação Nacional da Indústria | CNS – Confederação Nacional de Serviços | CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção | AABIC – Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo | ABIFER – Associação Brasileira da Indústria Ferroviária | ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – João Carlos Basílio | ABRA – Associação Brasileira de Reciclagem Animal | ABRAINC – Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias | ABRAFRIGO – Associação Brasileira de Frigoríficos | ABRAFRUTAS – Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados | ABRINSTAL – Associação Brasileira pela Conformidade e Eficiência de Instalação | ACEBRA – Associação das Empresas Cerealistas do Brasil | ACSP – Associação Comercial de São Paulo | ADEMI-BA – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia | ADEMI-DF – Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal | ADEMI-RIO – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro | ADEMI-PE – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco | ADIT BRASIL – Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil | ADVB – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil | AEERJ – Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro | AELO – Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano | AFCESBA – Associação dos Fornecedores de Cana do Extremo Sul da Bahia | AFCP – Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco | ALSHOP – Associação Brasileira de Lojistas de Shopping | ALCOPAR – Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná | APEOP PR – Associação Paranaense dos Empresários de Obras Públicas | APROFIR – Associação dos Produtores de Feijão, Trigo e Irrigantes de Mato Grosso | APROSOJA BRASIL – Associação Brasileira dos Produtores de Soja | Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara | ASPIPP – Associação do Sudoeste Paulista de Irrigantes e Plantio na Palha | ASPLAN – Associação dos Fornecedores de Cana de Alagoas | ASPLANA RN – Associação dos Fornecedores de Cana do Rio Grande do Norte | ASPLANA SE – Associação dos Fornecedores de Cana de Sergipe | ASSOVALE – Associação Rural do Vale do Rio Pardo | ASBRACO DF – Associação Brasileira de Construtores | BRASINFRA – Associação Brasileira dos Sindicatos e Associações de Classe de Infraestrutura | CANASOL – Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara | COAF – Cooperativa dos Produtores de Cana – PE | CBDFP – Conselho Brasileiro do Feijão e Pulses | Federação de Serviços do Estado de São Paulo | FENAPC – Federação Nacional dos Pequenos Construtores | FEPLANA – Federação dos Plantadores de Cana do Brasil | FIABCI-BRASIL – Federação Internacional Imobiliária | IBRAFE – Instituto Brasileiro De Feijão e Pulses e Colheitas Especiais | IE – Instituto de Engenharia | ORPLANA – Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil | SECOVI-SP – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo | SECOVI-PB – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado da Paraíba | SIAPAR – Sindicato da Indústria do Açúcar do Estado do Paraná | SIALPAR – Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool do Estado do Paraná | SIBIOPAR – Sindicato de Indústria de Produção de Biodiesel do Estado do Paraná | SINAENCO – Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva | Sindicato Rural De Sorriso – Mato Grosso | SINDUSCON-AL – Sindicato da Indústria da Construção do Estado de Alagoas | SINDUSCON BLUMENAU – Sindicato da Indústria da Construção Civil de Blumenau | SINDUSCON CAXIAS DO SUL – Sindicato da Indústria da Construção Civil de Caxias do Sul | SINDUSCON COSTA ESMERALDA – Sindicato das Indústrias da Construção Civil da Costa Esmeralda | SINDUSCON-GO – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Goiás | SINDUSCON ITAJAÍ – Sindicato da Indústria da Construção Civil dos Municípios da Foz do Rio Itajaí | SINDUSCON JOINVILLE – Sindicato da Indústria da Construção Civil de Joinville | SINDUSCON-JP – Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa | SINDUSCON MG – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Minas Gerais. | SINDUSCON MG – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Centro Oeste de Minas. | SINDUSCON MS – Sindicato Intermunicipal da Indústria da Construção do Estado de Mato Grosso do Sul | SINDUSCON MT – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Mato Grosso. | SINDUSCON-PA – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Pará | SINDUSCON-PB – Sindicato da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado da Paraíba | SINDUSCON-PE – Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Pernambuco | SINDUSCON-PI – Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Piauí | SINDUSCON-PR – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná | SINDUSCON/PR NOROESTE – Sindicato da Indústria da Construção Civil da Região Noroeste do Estado do Paraná | SINDUSCON/PR NORTE – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Norte do Paraná | SINDUSCON/PR OESTE – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Oeste do Paraná | SINDUSCON RJ – Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro | SINDUSCON-RN – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Norte | SINDUSCON-SP – Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo | SINDUSCON-VALE DO ITAPOCU (SC) – Sindicato da Indústria da Construção Civil e de Artefatos de Cimento Armado do Vale do Itapocu | SINDUSCON VALE UBERABA MG – Sindicato da Indústria da Construção Civil de Uberaba | SINICESP – Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo | SISTEMA COFECI E CRECI Conselho Federal de Corretores de Imóveis | SIRAN – Sindicato Rural da Alta Noroeste | SOBRATEMA – Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração | SRB – Sociedade Rural Brasileira | SRP – Sociedade Rural do Paraná | ÚNICA – União da Indústria de Cana de Açúcar | UNIDA – União Nordestina dos Produtores de Cana.
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Imagem: montagem com reprodução da internet
Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.
O povo tem sede e fome de liderança e, às vezes, equivocado, segue como o gado segue para o matadouro, atrás justamente da qual deveria fugir porque, não raro, costuma ser o caminho da morte.
E assustador a quantidade de empresários no Brasil. Deus do céu, esses empresários será que tem filhos, netos? Querendo destruir nossa fauna e flora! Para quem acredita em Deus, eles vão prestar contas. E a conta é enorme.