Educação não se faz só na sala de aula

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Qual era o seu local preferido na escola? Para mim, uma gruta, envolta por palmeiras, escondida do burburinho do pátio movimentado da escola confessional. Ponto de encontro no horário do lanche para divisão do pão com queijo, segredos de paixões platônicas, opiniões sobre livros de aventura e, até mesmo, da vida privada das freiras da escola.

O que todo pai deveria saber ao visitar a escola de seu filho? O espaço educa tal qual um educador e a sua importância vai além de proporcionar acolhimento e segurança às crianças. A sala de aula pode representar muito pouco no processo de aprendizagem.

O meio, a escola como um todo, suas dependências e o entorno potencializam os processos de aprendizagem. A área externa é ativadora de estímulos sensoriais essenciais a vinculação entre a criança e o meio a qual pertence, à construção do senso estético e do sentido de pertencimento e cuidado com o espaço.

O direito que todo menino, toda menina brasileira tem de frequentar uma escola, deveria vir acompanhado do direito de frequentar um espaço vivo. Bem diferente das construções cimentadas e fechadas que estamos habituados a ver por aí.

Aliás, observe se a escola do seu filho não adaptou um corredor a um parque, revelando a pouca importância que se dá à aprendizagem com o corpo todo.

Infraestrutura das escolas brasileiras

A má gestão de recursos públicos, a ausência de planejamento e de discussão multidisciplinar na construção e na reforma de escolas públicas são alguns dos fatores que explicam o triste cenário atual: somente 24% das escolas públicas brasileiras têm suas dependências acessíveis a toda criança. 36% conta com biblioteca. Espaço para descobertas, investigação e experimentação, laboratórios de ciências são encontrados em irrisórios 11% dos equipamentos. Espaços para expressões artísticas não chegam a constar das informações do Censo Escolar do INEP, atualizado ano após ano.

O descaso com as áreas livres e verdes é tão evidente que faltam dados dos órgãos oficiais. Contudo, é possível traçar um paralelo, por exemplo, com a relação área verde por habitante nas cidades. Em São Paulo, a proporção é de 2,6 m². A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda uma metragem de 12 m².

Imagine se, ao contrário de reservar áreas para estacionamentos, cada escola se comprometesse a plantar uma ou mais espécies de árvores nativas em sua área livre? Sem dúvida, um gesto de grande gentileza humanitária.

Creches e escolas de educação infantil, por exemplo, buscando atender às longas filas por demanda de vagas, priorizam um grande número de salas de aula, em detrimento de espaços ao ar livre. Além disso, cercam os espaços com muros altos e inúmeras câmeras de segurança. No livro Confiança e medo na cidade, o pensador Zygmunt Bauman, argumenta sobre a busca desenfreada por segurança e vigilância compreendida como um sinal do isolamento das pessoas e instituições de suas vizinhanças e comunidade.

Agora imagine: argumentos assim têm influenciado a permanência de bebês e crianças pequenas por 8, 9, 10 horas por dia em ambientes fechados.

A condição precária dos espaços escolares não configura apenas uma violação ao direito de acessar “insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem”, tal como manifestado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, 9.396/96. Pode igualmente dificultar a experiência com outras linguagens e a convivência entre diferentes pessoas e gerações.

Bons exemplos de lá e de cá

As escolas-parque, da década de 30, ainda preservam um oásis verde na São Paulo edificada. De lá para cá, muitas mudanças ocorreram, embora persistam os grandes parquinhos, sombreados de espécies frutíferas, muros baixos e abertos para a curiosidade das crianças sobre a vida dos bairros paulistanos.

No norte da Itália, escolas da Reggio Emilia, integram suas cozinhas à experiência cotidiana das crianças. A cozinha não é vista como um espaço perigoso. Suas paredes envidraçadas favorecem a observação, a convivência e a valorização do trabalho das merendeiras, tratadas com tanto respeito quanto os educadores.

Na Saunalahti School, as portas entre as salas se abrem e criam espaços de intercâmbio entre diferentes turmas. Outro destaque da escola finlandesa são os grandes parapeitos nas janelas para desfrutar de momentos de leitura. A biblioteca da escola funciona à noite, mostrando que a relação com a comunidade se constrói além da sua programação normal.

Por todo o Brasil, há escolas de crianças bem pequenas que ousam tirá-las de dentro da sala de aula, mesmo quando ainda não dão os primeiros passos. Para brincar, usam caixotes adaptados com rodas, carrinhos de mão, carriolas que carregam um, dois, três ou até cinco bebês. Em São Paulo, estes são usados para os pequenos circularem pelos pátios, piscinas, bibliotecas dos Centro de Educação Unificados. Já em Santa Catarina, na cidade de Guabiruba, os bebês da Escola Municipal Professora Edite Bozano Alves de Souza são levados para tomar o sol da manhã enquanto passeiam pelas ruas do bairro. Vizinhos, comerciantes e transeuntes interagem com os bebês encantados com o vasto universo que se abre ao sair de um ambiente fechado.

Acupuntura escolar

Jaime Lerner, arquiteto e urbanista, tantas vezes prefeito de Curitiba e governador do Paraná, defende a curiosa ideia de que cidades mal cuidadas e adoecidas merecem ser curadas.  Feito pessoas que se tratam com acupuntura. Agulhadas em pontos capazes de despertar a energia necessária à área e a todo seu redor. É o que ele chama da Acupuntura Urbana.

Assim como Lerner, defendo agulhadas na política educacional brasileira: toda escola tem o direito de ter uma biblioteca, uma quadra, um laboratório, mas não em detrimento das áreas livres e verdes, essenciais à aprendizagem.

Por esse motivo deixo aqui o convite. Reflita na próxima vez que olhar para a escola de seu filho, sobrinho, ou para alguma escola do seu bairro: o que esse espaço, com seus elementos e características, ensina aos bebês, crianças e adolescentes?

Foto: Stock Snap/Pixabay

3 comentários em “Educação não se faz só na sala de aula

  • 12 de março de 2016 em 2:00 PM
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    Gostei do seu artigo, concordo que é preciso melhorar a infraestrutura, e que todos deveriam refletir mesmo a questão do “olhar”, a escola que queremos para nossos filhos.
    Parabéns Raquel, que bom ter vivenciado este discurso com você.

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  • 15 de março de 2016 em 8:36 PM
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    Ao descrever o espaço escolar ideal faltou a sala de artes ambientada para o aluno experimentar materiais e técnicas, aguçando as diversas linguagens artísticas …

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Raquel Franzim

Educadora desde 1995, atuou como professora, coordenadora pedagógica e formadora de professores. Destes, 14 anos dedicados ao ensino público na rede municipal da cidade de São Paulo. Especializou-se em educação infantil e trabalhou com adolescentes e jovens em medida sócio-educativa e qualificação profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social. No Instituto Alana, coordena a área de educação e o programa Escolas Transformadoras do Brasil, uma correalização com a Ashoka