Davi Kopenawa, líder e xamã Yanomami, recebe o primeiro título de Doutor Honoris Causa concedido pela Unifesp

Um dia antes do líder e pensador indígena Ailton Krenak receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília (Unb), em cerimônia no campus (como contamos aqui), o conselho da Universidade Federal de São Paulo (Consu/Unifesp) aprovou, por aclamação, a concessão do mesmo título à Davi Kopenawa, líder e xamã Yanomami.

Com mais um detalhe importante: este é o primeiro diploma de Doutor Honoris Causa concedido pela instituição que, a partir de agora, pretende reconhecer, anualmente, personalidades eminentes, nacionais ou internacionais, que tenham se destacado nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos. Muito auspicioso!

Para o antropólogo Renzo Taddei, docente integrante do grupo que iniciou o processo da concessão do título, “Davi Kopenawa é uma das vozes mais lúcidas e importantes a respeito dos problemas contemporâneos, no nosso contexto brasileiro e no que tange aos desafios planetários, como a emergência climática“.

E acrescentou: “É de fundamental importância que suas ideias sejam disseminadas e discutidas. Espero que o título ajude, ainda, na mobilização da sociedade contra os ataques brutais que o povo Yanomami tem sofrido em seu próprio território”.

Ativista, escritor, roteirista…

Defensor aguerrido da Amazônia, dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos, Kopenawa é também presidente da Hutukara Associação Yanomami, palestrante internacional e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), desde dezembro de 2020 (como contamos aqui).

Com o antropólogo Bruce Albert, escreveu o livro A Queda do Céu – Palavras de um Xamã Yanomami, bastante celebrado pela comunidade antropológica internacional. Publicado originalmente em francês em 2011, foi traduzido para o português, inglês e italiano.

No filme A Última Floresta, de Luiz Bolognesi, lançado em 2021, Kopenawa participou como um dos personagens da história (foto acima), mas também como coautor do roteiro, que dividiu com o diretor (contamos aqui e aqui).

A obra conta a história do povo Yanomami, sua cultura e identidade, e o perigo das ameaças constantes dos invasores, mas a situação não estava como hoje (falo mais sobre isto no final deste post). Participou de diversos festivais nacionais e internacionais e conquistou nove prêmios.

Cerimônia sem data marcada

De acordo com a Unifesp, a cerimônia para a entrega do título será divulgada assim que Kopenawa confirmar sua disponibilidade. Mas a julgar pelo cenário tenebroso vivido pelos Yanomami com as invasões de suas terras por garimpeiros e tanta violência é possível que esse encontro demore a acontecer.

O povo Yanomami sofre com ataques e invasões desde os anos 70, principalmente de garimpeiros. Mas, nos últimos seis anos, elas têm se intensificado brutalmente.

Com a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, a vida dos Yanomami tem sido ameaçada como nunca. A crescente invasão de garimpeiros tem levado muita violência às comunidades como assédio sexual e estupros (coletivos) de meninas, jovens e mulheres – muitas vezes seguidos de morte – e homicídios, como também suicídios, principalmente praticados por mulheres.

Sem falar da exploração dos indígenas para serviços do garimpo e a cooptação de jovens.

Recentemente, o estupro seguido de morte de uma menina de 12 anos da comunidade Aracaçá, por garimpeiros, e o desaparecimento dos integrantes da aldeia, que foi abandonada, causou indignação e tomou as redes sociais. Carmem Lúcia, do STF, cobrou providências das autoridades.

Mas, depois de uma diligência no local – acompanhada porJunior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY) -, o delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, Daniel Pinheiro Leite Pessoa Ramos, declarou à imprensa que não há provas do crime (o corpo pode ter sido cremado pelos Yanomami), mas que continuaria com as investigações.

Desde então, nenhuma notícia da PF. E Junior Yanomami tem sido ameaçado pelo líder dos garimpeiros, inclusive de denúncia no Ministério Público. Um absurdo!

O acampamento dos garimpeiros próximo da aldeia Aracaçá / Foto Bruno Kelly, Hutukara Associacao Yanomami

O aumento das invasões se deve às declarações do presidente, que apoia e quer a liberação das terras indigenas para exploração econômica, e também à mudança no perfil dos garimpeiros – muitos são apoiados ou integram organizações criminosas, que se sentem muito à vontade por acreditarem na impunidade. O ex-ministro Ricardo Salles os recebia no Palácio do Planalto e os defendia, assim como madeireiros.

O presidente tem feito de tudo – incluindo a desestruturação dos órgãos de fiscalização – para que a destruição aconteça rápido. E se revela bastante competente: nunca a devastação e a contaminação de rios em terras Yanomami foram tão impactantes e velozes.

Medo de morrer

Em uma de suas últimas entrevistas (ao jornal O Globo), o líder e xamã Davi Kopenawa declarou que tem “medo de morrer de bala” e que estima que a Terra Indígena Yanomami já esteja ocupada por 100 mil garimpeiros.

É a primeira ver que ele fala em ter medo. E, com medo, como pode fortalecer os Yanomami para o combate às invasões e garantir segurança? Em sua comunidade os invasores ainda não conseguiram entrar. Até quando?

Este mês, a TI Yanomami completa 30 anos de homologação, mas não há nada a celebrar. A demarcação e a homologação realizadas de acordo com a lei não impedem que criminosos a invadam e a devastem em busca de ouro.

“Em 2022, há muita gente envolvida como autoridades e grandes empresários (como o “caçador de jazidas”). As autoridades brasileiras não estão preocupadas com a gente. Nem Funai e nem governo. Pelo contrário, (eles) querem tirar o ouro da terra Yanomami”, destacou.

Leia também:
– ‘A Mensagem do Xamã’: filme faz alerta e resume reflexões de Davi Kopenawa em ‘A Queda do Céu’
– E o ‘Nobel Alternativo’ vai para…. o líder Yanomami e xamã Davi Kopenawa

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Foto (destaque): Victor Moriyama para o Instituto Socioambiental (ISA), durante o encontro Amazônia – Centro do Mundo, em novembro de 2019

Fonte: Unifesp

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.