Coordenador da Funai no Vale do Javari ameaça “meter fogo” em indígenas isolados e incita violência entre eles e os Marubo

Coordenador da Funai no Vale do Javari ameaça "meter fogo" em indígenas isolados e incita violência entre eles e os Marubo

Desde que Bolsonaro assumiu a presidência, a vida dos povos da floresta – que nunca foi um paraíso – se tornou um inferno. Os ataques são praticamente diários. Ontem, 22/7, o jornal Folha de São Paulo divulgou áudio que denuncia a grave ameaça do coordenador da Funai no Vale do Javari, no Amazonas, Henry Charlles Lima da Silva – que é tenente da reserva do Exército (!) – de “meter fogo” nos povos isolados que vivem na região.

A declaração foi feita em 23 de junho durante uma reunião na aldeia Paulinho, na Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, quase fronteira com o Peru, próxima ao Rio Ituí.

Mas ele não se limitou a ameaçar: também encorajou líderes indígenas Marubo a se voltarem contra os isolados, com os quais compartilham o território, caso fossem “importunados” por eles. “Vocês têm que cuidar dos isolados porque, senão, eu vou junto com os Marubo meter fogo neles”, disse, acrescentando que pressionaria a Frente de Proteção Etnoambiental que atua na região.

Isolados são alvo constante

O Vale do Javari é a região que abriga a maior quantidade de indígenas em isolamento voluntário no mundo. E o Estado deve garantir esse isolamento, garantir a liberdade de quererem se manter assim, além de zelar por sua integridade e a manutenção de atividades tradicionais. Isso está garantido na Constituição de 1988.

Como acontece com diversas etnias brasileiras, os indígenas Marubo dividem seu território com outros povos, entre eles os Korubo, Matis, Mayá, Matsé, Kanamari, Kulina Pano, a maioria isolados. 

As Frentes de Proteção Etnoambiental atuam em pontos afastados da Amazônia brasileira e são responsáveis pela proteção de indígenas isolados. De acordo com o Instituto Socioambiental, a frente do Vale do Javari sofre ataques recorrentes desde 2019: em setembro desse ano, o colaborador Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado e a situação só tem piorado.

Lideranças Marubo repudiam coordenador da Funai

Logo após a divulgacão do áudio, a Organização das Aldeias Marubo do Rio Itui (OAMI) divulgou carta de repúdio contra o coordenador da Funai, afirmando que “o extermínio nunca será a solução” e denunciando o descaso do órgão com os povos indígenas.

No texto, as lideranças explicam que a política interna do Povo Marubo é proteger toda coletividade que habita o Vale do Javari, e repudiam as palavras de Henry:

“A orientação de guerra declarada pelo atual Coordenador da CR-Vale do Javari não será processada em nossas mentes. Temos ciência de que o Javari é um território compartilhado por distintos povos, e a nossa maior guerra é combater o descaso e a inoperância da Funai. E a arma que os povos indígenas usam é o diálogo”.

E os signatários cobram ainda que “o mesmo entusiasmo declarado pelo Coordenador da CR do Vale do Javari fosse usado para combater a invasão de nosso território pelos madeireiros, caçadores, narcotraficantes que usam nosso território para suas práticas ilícitas”.

Sobre o sequestro de uma mulher da aldeia dos Marubo por indígenas isolados – ocorrido há pouco mais de 15 dias -, a organização relata que, “por inúmeras vezes”, informou a Coordenação Regional Vale do Javari/Funai e a Frente de Proteção Etnoamabiental, a respeito da presença de índios isolados próximo às aldeias do Alto Rio Ituí. Mas que a “morosidade institucional” impediu o pronto atendimento.

“Infelizmente, nossos argumentos sobre o assunto não foram recepcionados pelos órgãos indigenistas como prioridade, e, somente após o ocorrido no dia 7/6/2021 (quando os índios isolados levaram uma mulher da aldeia Paulinho) foi que a coordenação da Funai resolveu acreditar”.

Foi então que, “com o intuito de criar uma estratégia de proteção aos povos ‘Isolados’, que habitam nosso território, a OAMI marcou uma reunião in loco, com a CR-Vale do Javari, “na qual nossa intenção divergiu das declarações do atual coordenador”.

De acordo com reportagem da Folha de São Paulo, do mês passado, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), tentou resolver a situação do sequestro de forma independente, mas foi atacada pela Funai: o órgão acusou seus integrantes de desrespeitarem a quarentena.

Vale destacar, aqui, que, em outra ocasião, em reunião em Brasilia, Henry Silva teria criticado a atuação da Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que é – obviamente – contra a conduta armamentista da Funai.

“O governo está com problemas por questões ideológicas: existe uma oposição que tudo que o governo tenta fazer, bate no contra. Você manda proposta de armamento, proíbe. A Apib vai, denuncia”.

Fonte e foto: Apib

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.