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“Contar histórias da cultura indígena, neste cenário político, é uma forma de resistência”, diz Renato Soares

Quando, há mais de trinta anos, o fotógrafo Renato Soares pisou, pela primeira vez, numa aldeia indígena, sentiu que aquele era seu lugar, que ali estava a sua essência. E não demorou muito para decidir que dedicaria sua vida a registrar todas as etnias brasileiras

Seu intuito era não só contribuir para o reconhecimento desses povos, mas também ajudá-los financeiramente. Desde então, todas as imagens que registra desses povos pelo Brasil, comercializadas pela agência que o representa, rendem 1/3 do valor total para o povo documentado. Justo.

Renato Soares na aldeia Yawalapiti, em 2013, quando foi feita a imagem
de destaque, que ilustra este post

Assim é com o livro que ele acaba de lançar – ‘Yawalapiti’, pela Editora Origem – uma homenagem ao cacique Aritana, a esse povo e ao Xingu, que completa 60 anos – e assim será com a coleção que em breve começará a ser divulgada pelo país e pelo mundo, com a novíssima Editora Afluente, que acaba de ser fundada e da qual ele faz parte. 

Nesta conversa, Renato fala sobre sua relação natural com os indígenas, os novos projetos e como vê sua produção em meio a um cenário político e socioambiental tão inóspito.  

Yawalapiti é a realização de um sonho?

Desde o início do meu projeto Ameríndios do Brasil, decidi que publicaria livros. Queria muito começar pela etnia Yawalapiti porque foi a primeira que conheci no Xingu, há mais de 20 anos, junto com Orlando e Mariana Villas-Bôas

Foi com o povo Yawalapiti que conheci as demais etnias no Xingu. Tenho grande apreço por esse povo e pelo cacique Aritana, que  se tornou um grande amigo. 

Aritana e Renato proseando na Oca dos Homens, na Aldeia Yawalapiti, em 2017
Foto: André Leite

Aritana faleceu no ano passado devido à Covid-19 e, este ano, o Xingu completa 60 anos. É a primeira reserva indígena demarcada. Então, este livro é uma homenagem a ele, a seu povo e à Terra Indígena do Xingu (deixou de ser Parque em 2011), a todos os seus povos. A Orlando e Marina! 

(leia sobre a morte do cacique Aritana, aqui; o texto tem poesia de Ailton Krenak e conta, de forma mais detalhada, sobre a relação entre Renato e o líder indígena)

E dá pra celebrar com tanta pressão econômica sobre essa terra? 

Os indígenas do Xingu, mesmo com sua terra homologada, sempre viveram sob pressão constante de mineradores, madeireiros, fazendeiros. Piorou com Bolsonaro. É até meio redundante falar sobre isso.

E o pior é que alguns índígenas foram cooptados por essa gente para fazer a cabeça dos que vivem lá dentro. Sem falar na entrada de religiosos.

Os que cedem são fracos como qualquer ser humano. Mas a maioria dos indígenas não tem interesse nenhum nessas atividades nem em religião. A maioria quer que nós respeitemos sua cultura, sua vida, suas terras. 

Este é o cenário ideal para lançar um livro como esse? 

Não sei se existe um melhor momento para se lançar um livro, nem se este é o ideal. Mas a gente não pode só gritar de alegria e lançar algo bonito quando está feliz! Vejo a realização deste livro como um ato de resistência, de oposição. Mostro que eles não estão derrotados, que são muitos. 

A história dos Yawalapiti é ainda mais emblemática porque eles quase desapareceram no século 19. Sobraram entre 18 e 20 indivíduos dessa etnia. Hoje, são 500. Este livro é pra dizer que eles lutaram contra a morte, resistiram. E, mesmo com mais perdas e desamparos – seu cacique se foi devido à negligência do Estado -, continuarão lutando. Eles existem como Nação e, por meio das fotos e do livro, contam sua história.

O tamanho do livro Yawalapiti é um ato de resistência também? 

O último livro que produzi, até agora, foi em 2012. O primeiro foi em 1994, sobre os Krahô. O dos Yawalapiti é o meu melhor livro!

Fui mudando a maneira de fotografar e meu pensamento. Fui moldado pelos indígenas, pelas viagens que fiz, pelo tempo que passei nas aldeias. 

Este livro reflete a maturidade do meu trabalho e da minha trajetória. Com ele, traduzo o que vi, o que vivi, o que escutei de forma que eu leve o leitor pra dentro da aldeia. Ele é pequenino e não precisa ser grande para mostrar tudo isso. 

É engraçado porque muita gente, quando recebe o livro, me liga e comenta que se surpreendeu com o tamanho porque ele é “menos do que esperava”, mas que, quando o abre, parece muito maior por tudo que revela.

Ele é pequeno, mas grandioso. Se tornará uma referência, em breve. A impressão é impecável, o papel é lindo e é uma viagem a um outro mundo.

Você diz que jamais fotografaria os indígenas em situações-limite, que só lhe interessa a beleza…

Minha fotografia não é de denúncia. Nunca vou ganhar um prêmio por fotografar um indígena depauperado, nem em guerra. 

Eu vejo a beleza de todos os indígenas em qualquer momento ou situação, sua rica cultura, seus costumes: existe harmonia e poesia em tudo, também em etnias que estão empobrecidas pela influência dos brancos.

Por isso, acho importante produzir livros para mostrar ao mundo sua essência, seja em que contexto for.

Ninguém preserva nem protege o que não conhece e eu mostro tudo isso pelo viés do belo. Os indígenas gostam e se reconhecem assim.

Retrato de indígena Kuikuro, no Xingu, em 2012 – Foto: Renato Soares

E a nova coleção de livros? Quando será lançada? 

Fui procurado por amigos e profissionais que se interessaram pelo meu projeto e me convidaram para fazer parte de uma nova editora, a Afluente. Eles querem lançar uma coleção de livros sobre os povos originários brasileiros. Topei na hora! 

Serão dez títulos, que apresentarão etnias como Waurá (a primeira!!), Kuikuro, Apalai, Kalapalo, Krahô, Pataxó, Yawlalapiti (sim, farei mais um livro sobre eles) e rituais como Yamuricumã, Metora (a dança das mulheres Kayapó), Kuarup e Djawari

Este ano, a ideia é lançar cinco títulos. No ano que vem, mais cinco, que podem ser todos de uma vez ou espaçados. Serão editados em cinco idiomas, além do português – inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e japonês – porque a intenção é vender no mundo todo, pela internet, no sistema on demand, de pronta-entrega. 

Queremos mostrar a cultura indígena e a riqueza dessa diversidade humana para o mundo todo. E aproveitar que, no ano que vem começa a Década Internacional das Línguas Indígenas promovida pela ONU.

Contando histórias para os Waurá – Foto: Luciola Zvarick

Seus livros contam histórias em imagens e palavras

Como no livro Yawalapiti, teremos a apresentação de um antropólogo, que contará a história da etnia (ou do ritual) e a contextualizará no país.

Cabe a mim, contar – por meio da fotografia e também de um texto autoral, quase como uma conversa com o leitor – histórias que vivi com cada povo.

É muito precioso conviver com cada cultura, dormir com eles, acordar com eles, comer a mesma comida, caçar, pescar, banhar, ouvir histórias – eles têm muitas. E contar também.

Na foto acima, por exemplo, eu contava histórias para os indígenas Waurá, no Xingu, e eles se divertiam. E eram histórias que eu já tinha contado diversas vezes, mas eles queriam ouvir de novo.

Um momento como esse te dá vivências e sensações inimagináveis fora desse mundo. Quero falar desses momentos com cada etnia, complementar o que as imagens revelam. Sou um contador de histórias nato, não importa a plataforma.

Explique como funciona a parceria com os indígenas

Como em todos os meus trabalhos com os indígenas, nessa coleção, cada etnia receberá 1/3 do valor cobrado por cada livro. Nunca explorei as imagens desses povos sem que eles tivessem direito a uma parte do que ganho. Isso é justo!

Inaugurei esse sistema com eles e sei que muita gente não gostou. Mas não vou explorá-los. Tenho negócios com eles, os respeito e valorizo. Eles confiam em mim, me respeitam.

Por isso, tenho boa entrada nas aldeias e já fiz expedições fotográficas muito bacanas, que ainda vou retomar, assim que a pandemia passar e eles estiverem seguros.

As flautas Uruá / Foto: Renato Soares

Pra terminar, conte como adquirir o livro Yawalapiti. 

Sim!!! Este livro só foi possível graças ao sistema de crowdfunding ou financiamento coletivo. E está sendo um projeto muito particular. Mas, devido à procura, decidi investir e imprimir mais mil exemplares.

Ainda tem 500. E estou autografando todos. Quem quiser comprar, tem que falar comigo por e-mail (renato@renatosoares.com.br). Quando acabar, acabou!
__________ 

A seguir, veja mais algumas imagens mais icônicas da trajetória de Renato Soares:

Pintura corporal na aldeia Afukuri Kuikuro, no Xingu, em 2012 – Foto: Renato Soares
Casa Ticuna, na Terra Indígena Evaré, AM, em 2018 – Foto: Renato Soares
Na Aldeia Xuxuimene, o homem prepara cocar chamado de Tamoko para ritual. O cocar é feito de penas de várias espécies de aves como Arara, Tucano, Japiim, e outros e é montado encima de uma estrutura feita de fibra de cipó. Foto: Renato Soares
Foto: Renato Soares
Retrato de criança Kayapó – Foto: Renato Soares
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