Conceição Evaristo perde eleição na Academia Brasileira de Letras e expõe falta de representatividade

Mesmo apoiada pela maior campanha popular da história da Academia Brasileira de Letras (ABL) a escritora mineira Conceição Evaristo não tinha a menor chance de vencer a eleição de ontem, que colocou o cineasta Cacá Diegues na cadeira 7, antes ocupada por Nelson Pereira dos Santos, que faleceu em abril.

A gente torcia, tinha esperança, mas, no fundo, sabia que não ia ser desta vez. Foram onze candidatos, todos homens e brancos e ela. Os dois favoritos – Cacá e Pedro Corrêa do Lago – tiveram 22 e 11 votos, respectivamente. Evaristo teve um. Um dos imortais se absteve e os demais não compareceram. E, assim, mais um homem branco foi eleito.

Mas, celebremos! Com sua candidatura, Evaristo provocou um fuzuê danado nas redes sociais e na frente do Petit Trianon (onde fica a sede da ABL, no Rio de Janeiro): destacou a questão da representatividade de negros e mulheres na instituição, expondo sua fragilidade. E, assim, ganhamos mais uma oportunidade para falar desses temas, e escancarar o preconceito e o elitismo.

Perdeu a Academia? Sim, perdeu a oportunidade de se renovar. Mas a eleição de ontem é absolutamente coerente com as práticas da instituição, desde que foi fundada por Machado de Assis, em 20 de julho de 1897. Trata-se de uma entidade privada, sem fins lucrativos, que mais parece um clube de amigos. E, mesmo tendo sido fundada por um negro, o fato é que a instituição tem uma trajetória marcada pela exclusão de mulheres e de negros. E Evaristo representa os dois.

Aliás, a visibilidade que a ABL ganhou nos últimos meses, por conta desta candidatura, é inédita também. Antes, a eleição não passava de pauta no noticiário tradicional e alguns comentários nas redes.

Perdeu Conceição Evaristo? Não, muito pelo contrário! Por conta da campanha que se espalhou na internet – primeiro, a partir da declaração da jornalista Flavia Oliveira ao colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, em abril, de que votaria em “Nei Lopes ou Martinho da Vila. Sem falar na Conceição Evaristo”e que estava “faltando preto na Casa de Machado de Assis”, e também da carta-manifesto que a pesquisadora Juliana Borges publicou, que resultou em dois abaixo-assinados online -, ela ficou ainda mais conhecida. E querida.

O site The Intercept Brasil conta que, em apenas dois dias, as petições para promover sua eleição na ABL, angariaram 6,5 mil assinaturas. Até a eleição, ontem, mais de 40 mil apoiadores espalharam a hashtag #ConceicaoEvaristoNaABL. Com tal repercussão, a escritora se rendeu aos apelos e se inscreveu na academia, seguindo apenas o protocolo: entregou seu pedido acompanhado de toda sua obra publicada. São seis livros (basta um para se candidatar!), sendo um vencedor do Prêmio Jabuti de 2015. E nada de bajular os imortais!

Sim, são eles que escolhem os próximos companheiros e é preciso muita conversa e influência (Cacá circulava pelos corredores da academia desde 1983) para conquista-los. Não basta um currículo como o de Conceição Evaristo.

A negra mineira, que foi empregada doméstica em sua terra natal, mudou sua história quando chegou ao Rio de Janeiro. Virou escritora, mestra em Letras e doutora em Literatura Comparada. Ganhou o Prêmio Jabuti – o mais tradicional prêmio de literatura no país – em 2015, com seu primeiro livro, Olhos d’Água (categoria Contos e Crônicas), foi tema da Ocupação Itau Cultural, de 2016 a 2017, em São Paulo, e homenageada da Flip 2018.

Claro que ela gostaria de ser eleita, mas, ciente da dinâmica que cerca as eleições na ABL, Evaristo optou por se candidatar para fazer juz ao movimento que se iniciou em seu nome, colocando as mobilizações pelas mulheres e pelos negros na pauta, mais uma vez. Queria aproveitar a oportunidade para dizer que ela tem direito, que os negros e as mulheres têm direitos. Mas, em diversas entrevistas que deu antes da eleição, fez questão de destacar que a falta de representatividade está em todo lugar, em todas as instituições, não só na ABL, claro.

As mulheres e os negros na Academia

Foi em 1930, a primeira vez que uma mulher lançou sua candidatura à imortal da ABL, mas Amélia Bevilacqua foi rejeitada. Nos anos 50, Dinah Silveira de Queiroz também tentou e seu pedido foi negado.

Só em 1977, uma mulher foi aceita no clube: Raquel de Queiroz. Até então, era claro que os membros da instituição relacionavam talento literário a gênero.

Em 1980, depois de quase trinta anos da primeira tentativa, Dinah Silveira de Queiroz (que não era parente de Raquel) se tornou imortal, mas curtiu a honraria por pouco tempo, já que faleceu em 1982. Nesse período, ocupou a cadeira 7, disputada ontem.

A terceira mulher a entrar para a ABL foi Lygia Fagundes Telles, em 1985. Quatro anos depois, Nélida Piñon ocupou a cadeira 30 e foi a primeira mulher a presidir a instituição, de 1996 a 1997.

Em 2001, Zélia Gattai assumiu a cadeira 23, que foi do escritor Jorge Amado, seu marido. Em 2003, foi a vez de Ana Maria Machado. Em 2009, de Cleonice Bernardelli e, em 2013, Rosiska Darcy Silveira.

Hoje, há seis mulheres (Lygia, Nelida, Zelia Ana Maria, Cleonice e Rosiska) e um negro (Domício Proença Filho, ex-presidente da academia) entre os imortais.

Entre os homens negros rejeitados na história da ABL estão o escritor Lima Barreto – autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma -, que se candidatou duas vezes, em 1917 e 1921, e o compositor e cantor Martinho da Vila que tentou uma vaga na academia em 2010.

No caso do primeiro, suas passagens por sanatórios e hospitais psiquiátricos devem ter sido levados em conta. Já Martinho, que queria ocupar a cadeira deixada por José Mindlin quando de sua morte, tem uma carreira brilhante, fez campanha, mas não recebeu nenhum voto. Quatro anos depois, “virou o jogo” quando foi eleito para a Academia Carioca de Letras. Este ano, pensou em concorrer novamente na ABL, mas quando soube da candidatura de Evaristo, resolveu apoia-la.

Se a escritora tivesse sido eleita, seria a primeira mulher negra da história da Academia Brasileira de Letras. Não seria nada mau, claro. Mas a visibilidade que seu nome e a causa da representatividade ganharam com esta eleição também é uma vitória.

Juro que não conseguiria vê-la enredada na rotina de uma instituição tão cheia de regras e de hábitos tão antigos. A começar pelo uso daquele fardão medonho. Um clube de amigos de elite.

Conceição, seus amigos estão nas ruas, nas redes sociais, em busca de suas ideias e de suas palavras. Você sabe.

___________________________________

Fonte: The Intercept Brasil, Folha de São Paulo, site Academia Brasileira de Letras

Foto: Divulgação 

Deixe uma resposta

Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.