‘Como vou saber da terra, se eu nunca me sujar?’

Você já reparou que só aprendemos algumas coisas por que vivemos, sentimos e percebemos? E que, quando ‘criamos intimidade‘ com a natureza, temos a sensação de que já conhecíamos aquilo e dizemos “eu já sabia!”?

Por isso, queremos desafiar pais e educadores a observar que aprendizados as crianças absorvem quando estão livres, do lado de fora de casas e apartamentos, das salas de aula…

Outro dia, conversando com uma das crianças que participava de um de nossos encontros, ela contou que sentia ‘cheiro de chuva’. Perguntamos, então, como é que ele sabia que o que sentia era ‘cheiro de chuva’ e a resposta veio rápido: por causa do ‘cheiro de terra’. Disse que, quando passeava com sua família na natureza – no parque, numa fazenda, num sítio – e sentia esse cheiro, depois de um tempo a chuva chegava.

Outra atividade curiosa de observar é quando as crianças empinam pipa. Como é que eles sabem a direção do vento? Como prestam atenção aos diferentes planos de vento e como sabem para onde correr para que a pipa voe mais alto?

Você vai dizer que eles apostam na ‘tentativa e erro’. É verdade, mas depois da experiência, fica o conhecimento que pode garantir que possam ir além, nas próximas vezes, para que estas sejam mais desafiadoras e interessantes.

E de que vale saber sobre a direção do vento ou saber empinar pipa, se compararmos seu aprendizado com todo o conhecimento escolar transmitido nas aulas pelos professores? Que atributos foram desenvolvidos, ali, que essa criança levará para a vida?

Vamos contar uma história para responder a essas questões.

Em diversas escolas pelo Brasil, é comum as professoras colocarem uma régua atrás de um vaso com planta e darem uma missão para as crianças: todos os dias elas devem medir a planta para registrar seu crescimento. Geralmente, a régua é semelhante àquela que se usa para acompanhar o crescimento dos pequenos. E, assim, elas entram em contato com o próprio processo vivo que ocorre com todos nós, seres vivos. Sejam plantas, animais ou seres humanos.

Nas escolas da florestasobre as quais já contamos um bocado, aqui -, enquanto as crianças andavam pelo espaços, contavam para a Carol (uma das autoras deste blog) sobre que árvores iriam ter folhas logo (era inverno e quase todas estavam desfolhadas). Não demorou muito para que, em suas observações e conversas, elas revelassem porque sabiam disso: elas observavam os brotos prestes a sair dos galhos.

Carol também aprendeu com seu tio avô, que morava no litoral sul de São Paulo, a olhar para o céu e saber se vai esfriar. De tanto olhar o horizonte e ficar ao ar livre, ele percebeu que, quando o dia amanhece com nuvens bem avermelhadas, é sinal de que vem frio por aí.

Ao visitar uma cidade que tinha muitos pés de lavanda plantados nas ruas, Carol observou como as crianças se encantavam em ver as abelhas rechonchudas fazendo seu trabalho de polinização. Você já viu uma criança que, depois de observar a abelha, se melou no pólen e continuou observando até que a flor se transformou em fruto?

E observar lagartas se transformarem em borboletas, sem ter que aprisioná-las, apenas vendo esse momento mágico de transformação/metamorfose acontecer?

Muitos saberes só existem se vividos, observados e percebidos. As crianças (e nós adultos) aprendemos muito, vivendo! Pedro Bandeira é que sabe das coisas. Veja o que ele revelou em seu poema Vai já pra dentro, menino!

(…)
Se eu me fecho lá em casa,
Numa tarde de calor,
Como eu vou ver uma abelha
A catar pólen na flor?

Como eu vou saber da chuva
Se eu nunca me molhar?

Como eu vou sentir o sol,
Se eu nunca me queimar?

Como eu vou saber da terra,
Se eu nunca me sujar?

Como eu vou saber das gentes,
Sem aprender a gostar?
(…)

Precisamos de exemplos bem práticos sobre esses aprendizados, e relacioná-los com o que realmente importa para o desenvolvimento intelectual e sadio das crianças.

Edição: Mônica Nunes / Foto: TuneChick83/Pixabay

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Ana Carolina Thomé e Rita Mendonça

Ana Carolina é pedagoga, especialista em psicomotricidade e educação lúdica, e trabalha com primeira infância. Rita é bióloga e socióloga, ministra cursos, vivências e palestras para aproximar crianças e adultos da natureza. Quando se conheceram, em 2014, criaram o projeto "Ser Criança é Natural" para desenvolver atividades com o público. Neste blog, mostram como transformar a convivência com os pequenos em momentos inesquecíveis.