Além do meu trabalho como fotógrafo, atuo também organizando e guiando expedições fotográficas Brasil afora. Nestas ocasiões, minha tarefa é propiciar aos meus clientes fotógrafos as melhores oportunidades para eles conseguirem as imagens que estavam procurando quando planejaram sua viagem. Esses anos todos em campo renderam muitas histórias memoráveis, como a que resolvi compartilhar aqui hoje, sobre o Sr. Richardson, um médico australiano cuja vida daria um roteiro de filme.
Antes de iniciar meu trabalho guiando-o pela região de Bonito em um roteiro privativo, tive a oportunidade de conhecer o Sr. Richardson no Pantanal, onde ele estava com um grupo procurando onças-pintadas liderado por outro colega meu. Aproveitei para tentar entender quais eram as espécies que ele mais gostaria de registrar. Quando perguntei, ele foi categórico: “Eu nunca vi uma anta, meu sonho é ver e fotografar uma anta!”.
Por incrível que pareça, naquela região é bem mais fácil encontrar uma onça do que uma anta, então talvez a tarefa de realizar o sonho do Sr. Richardson fosse sobrar para mim e não para meu colega guia Giuliano. Logo pensei nas antas que eventualmente cruzavam nosso quintal lá em Bonito e acionei a Naíra, minha esposa e parceira de trabalho, pedindo para ela redobrar a atenção nas próximas noites e ficar de olho se elas apareciam.
Duas noites depois, a gente ainda no Pantanal, chega a mensagem da Naíra pelo WhatsApp: “A anta apareceu!”. Fiquei super animado, mas decidi guardar a empolgação só para mim, evitando gerar uma expectativa antecipada. Seguimos o roteiro e logo estávamos desembarcando em Bonito, onde ficaríamos fotografando pelos próximos dois dias. Normalmente, os clientes se acomodariam em seus apartamentos e no início da noite eu os buscaria para jantarmos em algum bom restaurante da cidade.
Porém, já conhecendo o perfil deste cliente – uma pessoa simples e que adorava uma cervejinha bem gelada – tive uma ideia e decidi arriscar: “Sr. Richardson, eu moro em uma casa no meio da mata e, nesta época do ano, às vezes aparece uma anta ou algum outro bicho no nosso quintal à noite. Que tal se, ao invés da gente jantar no centro da cidade, eu comprasse umas cervejas locais, mais umas pizzas, e a gente fosse lá na varanda de casa tentar a sorte? Vai que…”.
Ele topou na hora, e – câmera na mão – lá fomos.
Mal deu para terminar o primeiro pedaço de pizza, escuto ao longe um barulho de folhas secas sendo pisoteadas. Saí cuidadosamente com a lanterna e lá vinha ela! Chamei o Sr. Richardson, que largou seu copo pela metade, agarrou a câmera e pulou da cadeira.
Comigo e a Naíra ajudando a iluminar o caminho e a anta, fomos nos aproximando. O homem respirava ofegante e tremia de emoção, a ponto de nem conseguir operar a câmera direito… Mas ainda conseguiu algumas fotos, antes do bicho desaparecer por entre a mata escura. Continuamos nosso jantar improvisado até a hora de levá-lo para a pousada, já que no dia seguinte começaríamos cedo nossas atividades.
Na manhã seguinte, ele me encontra com um ar de sentimentos ambíguos: muito feliz por ter visto a tão sonhada anta, mas meio frustrado pelas fotos que não saíram como ele imaginava. Seguimos a programação do dia, vimos e fotografamos uma sucuri acasalando (!) e tudo corria muito bem – exceto pelas tais fotos da anta. Terminado o dia, perguntei – meio que em tom de brincadeira – se ele topava repetir a dose para o jantar. Sem relutar, ele disse “Claro!”.
Daí pra frente, a sensação foi de absoluto déjà-vu: teve cerveja gelada, teve pizza, teve anta de novo. Só que, desta vez, Sr. Richardson deixou de lado seu orgulho de fotógrafo, me entregou sua câmera e implorou “Daniel, por favor tire as fotos para mim, eu te dou todos os créditos!”.
Assim fizemos. Tirei fotos da anta sozinha, da anta com Sr. Richardson e, pra acabar com a ansiedade, fomos conferir as imagens na câmera enquanto brindávamos no meu quintal o sucesso absoluto da nossa expedição, com sonho realizado e cliente feliz.
Sr. Richardson fotografando um raro momento do acasalamento de sucuris:
mas o pensamento estava lá nas antas!