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Carros. Canudos. Vão.

Carros. Canudos. Vão.

Num sopro. E ele foi. Voou. E voltou. Muitos sopros. Vá. Imploramos. Não volte. Seremos, somos, muitas bocas para renegá-lo. Não o queremos senhor Canudo. Suma da face da terra. Voa da Serra. Estamos em guerra. Cuide cada um da sua boquinha. Compra cada um o seu canudinho de metal, ainda que com preço exagerado. Ou passa um álcool e toma no bico. Se vira. Nenhum planeta, seu xereta, é obrigado a aguentar. Fica curioso por notícia sobre plástico no estômago de animal, acha triste, nossa!, mas não faz nada que ameace seu conforto prático.

Que deixa boa, heim, esse homem Canudo, tão geométrico, do artista Jack Holmer? Parece tão leve, num voo sem pé, conectado por arestas que nem dão espaço para outras frestas, unido por tantos pontos sem valor. A verdade é que anda pesado dos matemáticos resultados. Só tem que andar pendurado. (Esse um, na Bienal do Pilarzinho, em Curitiba, organizada pelo artista Daniel Dach).

Vive (?), Senhor Canudo, apartado do bom senso. Quem é que ainda tem coragem de usar isso, de desrespeitar, desse jeito obtuso, a natureza? Que quadrado. Isolado no seu próprio quadrado. 

Robô marionete sem chão para colchonete. Cabeça sem travesseiro e paz de tanto leva e traz nessa estrada de manada. Vai. Mas, assim, com essa soberba e pedantismo, que não vá no caminho da lua, coitada. Que pesem idade, outras gravidades.

Vem outro homem, mais companheiro do planeta, consciente dos seus podres, transformando amarras, assentando liberdades, aparando vontades.

Vem. E aproveita os sensores de aproximação de um novo robô – siamês enraizado no humano, calcado no virtual cibernético – para criar outros laços mais humanos, outras formas mais suportáveis de se manter aqui.

Já que a ideia é dar sumiço no que assola o planeta, apresento meu outro pedido:

Carros. Canudos. Vão.
Combustível. Carvão na praia. Leitura na praia. Foto com celular: Karen Monteiro

Car.Vão. Cars, carros. Vão. Em inglês, em português, em chinês, em qualquer língua. Vão num sopro. Num soluço. Já passou a hora no cuco. Virem suco. Porque só nós? (Lembrei, assim de passagem, do Homem que Virou Suco, filme brasileiro de 1981, dirigido por João Batista de Andrade.)

Mas, continuando. Vão, cars, na carona dos canudos. Ou deem carona para os canudos. Não quero vocês lembrados nem nos desenhos a carvão. Já pensou esse mundão sem tanto dono de carro? Só veículo compartilhado. Usou. Pagou. Largou. E os ônibus funcionando, chegando no horário, baratinho. Sonha, mulher, sonha. Isso ainda não paga. 

Sonho, sim. À beira mar, no Rio Vermelho, em Florianópolis, na Praia do Moçambique onde encontrei um monte de pedaços de carvão. Perguntei para uma amiga bióloga, pesquisei na internet, mas não entendi direito de onde eles vêm. Sim… O mar trouxe, certo? Ainda mais ali em Santa Catarina, região sul, produtora de carvão.

Carros. Canudos. Vão.
Foto com celular: Karen Monteiro

Posso inventar historinhas lúdicas ou nem tanto? Presta atenção na foto. Repara nos pedaços de tronco. Não encarnam a representação – cômica, se quiser -, da clara falência fálica, encoberta por um caro automóvel, já que falamos neles. Nesses que, aliás, preferem mesmo é levar para casa uma enjoativa beleza grega, exibindo-se na praia.

E trazem algo mais esses troncos num vão. Parecem quase carvão. Um meio caminho na lúcida imperfeição. Estaria a ação do sol transformando aos poucos, no ritmo de poesia, a madeira? Não. O sol tem que baixar. Não sei se dá esse tempo para achar a rima. Se o tronco fica. Ou dá na louca e gira. Com ou sem mira. Não confira pensamento louco. Liberdade não confirma.

O mar, eu sei, não daria esse tempo para o sol. Maré vai, vem. Leva, traz. Molha de novo. Até secar e queimar, ô raios, demora. Não. Foi só uma fogueira do sarau da noite anterior.  Ou estava o material na beira de um rio – perto de uma mina – e desembocou com tudo no mar.  Só sei que é muito poético achar carvão, meio carvão, tronco, contrastando na areia branquinha.

Saber que a formação desse combustível fóssil ocorreu há 300 milhões de anos. Galhos, troncos, folhas e raízes de grandes árvores soterradas por sedimentos.  Aí com a alta pressão, as elevadas temperaturas viraram carvão nas profundezas. Bonito esse processo natural, né? Aí a gente vai lá e tira tudo, esburaca o planeta até a alma.

Carros. Canudos. Vão.
Minas de Carvão – Rubens Ferreira das Trinas

Mas, a vontade de fazer poesia acaba ao pensar nos mineiros que desde o século XVIII sofrem com o trabalho insalubre, responsável por movimentar as máquinas a vapor na época da Revolução Industrial. Trabalho que ainda hoje movimenta as termelétricas (ainda)… E o fogo das churrasqueiras.

Carvão, petróleo… E essa tendência mundial de substituir as fontes fósseis não renováveis que não se instala de vez? Sei… Carro elétrico, a hidrogênio são tão caros… Inviáveis.  É uma vergonha nos fazerem engolir esse argumento. Não pode ser normal a indústria ainda ganhar dinheiro com produto ambientalmente falido. É o fim a urgência de mudança do padrão de produtos não estar na linha de frente das discussões sobre produção nas fábricas. É um absurdo achar que transformação de hábitos pode ser deixada para depois. As ruas não suportam mais carros.

Não adianta reclamar do trânsito e sair todo dia sozinho com o carro vazio, sem dar carona para o vizinho, sem pensar em dividir o carro com o companheiro/companheira só porque vai andar umas quadras a mais. Há que se fazer novos arranjos, canso de dizer. Há que perceber que nosso conforto vai dar no abismo. Há que encontrar outros meios de estar no mundo.

É preciso encontrar outras réguas paradigmáticas. Não apenas a da riqueza e da pobreza. Do dinheiro ou da falta dele. Ser rico pode ser não precisar de dinheiro, como aponta, por exemplo, a sabedoria dos povos indígenas que pedem mais envolvimento e não desenvolvimento. De onde tiraram, os extratores, esses advogados do mundo de horrores, que destruir é evoluir?

Mesmo você sendo daqueles que prefere ver o mundo acabar num barranco para se encostar, olha que os barrancos estão desabando e vão, no final, soterrar quem está encostado.  É bom mudar a direção. E começar, entre outras coisas, a pensar em andar menos de carro.  E dar mais preferência para os pedestres. E virar pedestre. E ciclista. A cidade não pode continuar sendo esmagada pelos carros.

Almejar carro não precisa continuar no topo da insensata espiral de desejo de ricos e pobres. Consumir desse jeito que o capital impõe é o caixão para qualquer classe, mesmo para a que consome menos, mesmo para a que tem menos dinheiro. Essa é a dura realidade.

Valores e vontades. Nasçam diferentes. Respeito à natureza vem antes – ou junto, muito junto – com justiça econômica. Sem justiça ambiental não tem ar para respirar, água para beber. É questão de sobrevivência para não virar tudo suco de esgoto, risoto no engodo, se afogando em lixo no lodo. Não há saída a não ser mudar a mentalidade. E olha que bom: os motoristas apressadinhos para ganhar cinco minutos não vão precisar continuar irritados com os segundos a mais no sinal vermelho…

É mais do que necessário privilegiar quem encosta o carro, quem tem coragem de deixar o volante. Abaixo o reino das quatro rodas. Carros vão. Mesmo. Car vão. Virem tudo carvão, bem lá embaixo da terra. Não. Não. Enterrar tudo isso, o planeta não suporta. Desmonta tudo no ferro velho, amassa bem e faz negócio, já que é só a linguagem do dinheiro líquido que se entende mesmo. Já que só nos entendem enquanto pertencentes a uma faixa salarial.

Gostaram do discurso? Não é só discurso, não. Não tenho carro, ando de ônibus, a pé. E sei o que é ficar muito mais tempo esperando o sinal abrir para pedestre do que para o carro. Quem mais aí sabe o que é ter que correr no meio da travessia da rua, mesmo o sinal ainda não estando aberto para os carros? E andar mais para encontrar uma faixa porque ninguém facilita para pedestre?

Car.Vão. Alguém desenha mais uma faixa aí, vai, e deixa esse pessoal dos carros esperando. Por que motorista não pode esperar e pedestre pode se liquefazer no sol? Só porque são maiores? Essa lógica invertida e egoica é que mata. Maior é que protege menor até onde eu sei.

Car. Vão.  Vem chama da mudança. Vem responsabilidade. Vem vontade de saber. Vem vontade de ler. Mergulha nesse mar. Essa chama não se apaga. Não desfaz. Nem dá paz.  A chama quer reivindicar o poder transformador. Ela sabe que não é apenas a destruidora. Sabe que continua sendo usada para sumir com o que a ignorância faz temer e considerar perigoso.

Sabe do seu poder ancestral, simbólico, ritualístico. É fonte de energia, calor. É hipnotizante. Transforma tristeza, raiva, dor e tanta injustiça em cinza. Das cinzas, acho até bom não se cansar de dizer, renasce a nossa intrínseca fênix. Pode-se rever até a gênesis. Pode-se questionar, sim, o princípio de tudo. É a nossa saída. Não dá para ficar mudo, inferno. Não. Pra terno de caixão, um fogueirão terreno mesmo. Lá pra lá é invenção de grandão para controlar cada lar e fazer desaparecer a chama no ar.

Entre tratamentos desiguais, os ditos normais vão construindo suas bases, vão desligando fases, mascarando suas faces. Tanta palavra, maldição, sendo usada como lei. E tantos sendo calados pela saliva que, tsch, apaga a vela. Na escuridão, vai-se permanecendo, com a difusa impressão de que se está sendo respeitado… 

Mas tá tudo bem. Toda hora a gente encontra arte para fazer respirar. Para tentar ir para frente. Para transmutar em alguma outra coisa. Para tentar esquecer no fogo magnetizante. E para não esquecer na chama nosso planeta, nossa casa. Chama é para fundir, amalgamar, verter, derramar em novas páginas, novas ideias, novas escritas, novas cenas, novos acordes como inspira a obra do Daniel Dach.

Que bom se só as coisas boas renascessem. Essas que a gente quer eternas, mas que também morrem na roda dessa vida que sabe ser injusta.  Agarra-se à fênix para não se olhar as cinzas e cair em desespero. Essa batida fênix que nos faz voar em asas douradas para outras paragens.

Faz virar sol e nascer todo dia.  E morrer todo dia. E ser lua para ficar na rua em todo azul do anoitecer. E estar nua para não se esquecer de que se é feito. Voltar sempre à carne crua para burilar o jeito e o pretexto.  Um outro cesto. Para guardar penas e outras coisas pequenas. E as cinzas. Pintadas com qualquer tinta, tilintando fagulha. Negociando na agulha com os pulhas.

Mergulha, chama, mergulha. E vai. E não apaga o cerne nem lá com os vermes. Leva para lá o calor do nosso inferno que fica mais quente a cada ano, embora, ô diabo, tenha gente que diga que é besteira. Desculpa. Mas não dá para congelar de vez esses daí – já que a cabeça já está congelada e parada no tempo – e só descongelar quando acharem a cura para quem acredita que mudança climática é uma ideia abstrata e futura e não um presente em colapso?

Fotos: LP. Bienal do Pilarzinho no Atelier Dach – Curitiba (abertura), divulgação e arquivo pessoal

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