O bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) é um dos quatro macacos brasileiros na lista dos 25 primatas mais ameaçados do planeta. Assim como outras centenas de espécies de animais, ele foi sendo expulso e desaparecendo de seus habitats à medida que o homem avançou sobre as florestas. Foi o que aconteceu na Ilha de Santa Catarina, que representa mais de 95% do território da capital Florianópolis.
Desde a ocupação européia em meados do século XVIII até os anos 70, a ilha perdeu mais de 70% de sua cobertura vegetal. E com ela sumiram grandes mamíferos de médio e grande portes, como a onça-parda, a jaguatirica, a anta e o bugio-ruivo. A última vez que avistou-se um desses primatas ali foi em 1763, ou seja, ele é considerado extinto localmente há 260 anos.
Mas em breve, muito em breve, famílias dessa última espécie poderão ser avistadas novamente em áreas protegidas da Ilha de Santa Catarina, graças a um projeto de reintrodução liderado pelo Programa Silvestres SC, e que acaba de receber a aprovação para a soltura de bugios-ruivos, a primeira espécie para iniciar o processo de refaunação da região.
As primeiras solturas devem acontecer no começo de 2024. Foram escolhidas duas Unidades de Conservação (UC’s) de Florianópolis, uma ao norte e outra ao sul da ilha. Serão seis famílias de bugios-ruivos – cada família é composta por cerca de dois ou três animais – e atualmente eles vivem no Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS-SC)* localizado na capital.
“Esse sonho começou em 2019 quando eu era coordenadora geral do CETAS-SC. Esses bugios estavam lá sem uma destinação certa porque pertencem a uma espécie ameaçada e isso envolve um processo mais complicado para a soltura”, conta Vanessa Kanaan, coordenadora do Silvestres SC. “Todavia, começamos uma parceria com o Fauna Floripa , que passou mais de dois anos fazendo o levantamento de fauna aqui da Ilha de Santa Catarina e identificou a extinção do bugio-ruivo ali, assim como várias outras espécies”.
A bióloga explica que por se tratar de uma ilha, as barreiras físicas impostas pelo mar não permitem que algumas espécies extintas localmente repovoem a área a partir de populações que ocorrem no continente.
“Então acabamos unindo ‘a fome com a vontade de comer’. Temos animais que precisam ser destinados e uma ilha sem esses animais”, diz ela.
Antes da soltura no ano que vem, os bugios do CETAS já passaram por um importante passo para tornar possível a reintrodução. Eles foram vacinados contra a febre amarela, que atualmente é uma das principais ameaças à espécie. Além disso, todos os animais escolhidos foram avaliados tanto nos quesitos de saúde, como de comportamento, para que se tenha certeza de que são os candidatos ideais para conseguirem sobreviver e se reproduzir em vida livre.
Um dos critérios analisados, explica Vanessa, é que os bugios devem todos fossem de Santa Catarina, já que existe uma unidade genética entre esses primatas encontrados no território catarinense, no Rio Grande do Sul e na Argentina.
Um dos bugios-ruivos sendo vacinado contra a febre-amarela
(Foto: Daniel De Granville)
Após a soltura, os bugios serão monitorados por cinco metodologias diferentes e durante um período de dois a três anos.
“Nossa equipe fará a busca direta em campo, utilizaremos ainda drones termais e gravadores, além do emprego de armadilhas fotográficas e ciência cidadã”, revela a coordenadora do projeto. “Por isso mesmo já estamos fazendo um trabalho de educação ambiental com as comunidades do entorno para que elas aprendam mais sobre o bugio-ruivo”.
O bugio-ruivo é um primata endêmico da Mata Atlântica. Ele tem um importante papel nos ecossistemas que habita, como por exemplo, fazer a regulação de populações de presas e de vegetação e a dispersão de sementes.
O bugio-ruivo está entre as espécies de primatas mais ameaçadas do Brasil
(Foto: Daniel de Granville)
*O CETAS-SC é cogerido pelo Instituto Espaço Silvestre e pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina
Foto de abertura: Daniel De Granville