Brincar com fogo: deixe as crianças explorarem este mistério da natureza!


Diz o ditado que criança que brinca com fogo faz xixi na cama. Que bobagem! Não deixar as crianças brincarem com fogo é mais um tabu. O fogo é um elemento que, desde os primórdios da humanidade, nos fascina nossos olhares. E já reparou no olhar das crianças quando acendemos uma vela? Seus olhinhos permanecem atentos, vidrados na chama.

Ter o fogo como companheiro junto com crianças foi uma experiência constante que a Ana Carol (uma das autoras deste blog) viveu durante o tempo em que esteve visitando escolas da floresta na Inglaterra. Foi no início de 2015, portanto, época de frio. Por estarem todos sempre do lado de fora e sob baixas temperaturas, ter o fogo aceso era sempre essencial. Mas as educadoras faziam questão de usar diferentes maneiras para acender o fogo, que não fossem com fósforo ou isqueiro.

O tempo muito úmido pedia o uso da pederneira, um instrumento que gera faíscas por meio do contato de uma superfície de magnésio e outra de ferro (que o garoto segura na foto acima). As crianças ajudavam a recolher folhas secas e a fazer um monte com elas para rechear a fogueira. A professora tirava algumas faíscas sobre uma porção de folhas bem secas e produzia a chama. Enquanto algumas crianças observavam esta ação, outras ficavam próximas arriscando produzir suas próprias chamas, utilizando o mesmo instrumento.

Os pequenos, de apenas três anos, empunhavam suas pederneiras apoiados sobre um toco de tronco, onde havia um pedaço de algodão. Produzir as faíscas não é uma tarefa fácil, e é algo que você consegue apenas experimentando. É uma combinação de força, pressão e velocidade e – tasc! – uma faísca aparece. Quando alguma criança conseguia fazer a faísca surgir, era um alvoroço geral! E quando a faísca pulava para o algodão e este magicamente pegava fogo? Os olhos brilhavam, as crianças vibravam juntas: era um momento cheio de encanto e aprendizagem.

O filme Território do Brincar apresenta muito bem esse encantamento. nele, há inúmeras cenas nas quais as crianças brincam com fogo, contam histórias próximas à fogueira, ou fazem suas comidinhas em fogão com fogo de verdade. Nos encontros do Ser Criança é Natural (nossa iniciativa que dá nome a este blog) já fizemos fogo usando folhas secas e lupa.

Se perguntarmos a nossos avós ou, mesmo, aos nossos pais sobre a relação que tinham com o fogo na infância, certamente ouviremos relatos parecidos destacando o medo, que, aqui, tem importante função. No livro Casa Redonda – Uma Experiência em Educação, Maria Amelia Pereira, a Peo, explica: “A aquisição desse reconhecimento de risco trazido pelo próprio elemento age como uma experiência de autocontrole que repercute positivamente na ação daquelas crianças que necessitam viver situações que evolvam aceitação de limites e controle de gestos impulsivos”.

O fogo esquenta, transforma a matéria, ilumina. Para que as crianças fiquem próximas ao fogo com segurança, precisam aprender a ter muito cuidado. É importante que um adulto sempre esteja próximo, mas este cuidado deve vir delas mesmas, acima de tudo. E que o adulto as oriente e nunca iniba o desejo da experiência.

O desafio de se relacionar com tal elemento possibilita que as crianças aprendam a controlar os movimentos, a ter atenção focada no que estão fazendo e a ter cuidado com o próprio corpo e com o de quem está próximo. Brincar com fogo é uma atividade que combina ação, controle e encantamento com o mistério das forças da natureza!

Foto: Ana Carol Thomé

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Ana Carolina Thomé e Rita Mendonça

Ana Carolina é pedagoga, especialista em psicomotricidade e educação lúdica, e trabalha com primeira infância. Rita é bióloga e socióloga, ministra cursos, vivências e palestras para aproximar crianças e adultos da natureza. Quando se conheceram, em 2014, criaram o projeto "Ser Criança é Natural" para desenvolver atividades com o público. Neste blog, mostram como transformar a convivência com os pequenos em momentos inesquecíveis.