Bolsonaro veta projeto de lei, de autoria da deputada Joenia Wapichana, que altera o ‘Dia do Índio’ para ‘Dia dos Povos Indígenas’

Atualizado em 6/7/2022
Parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado derrubaram veto de Bolsonaro: agora, 19 de abril é Dia dos Povos Indígenas. Vitória! Saiba mais aqui.
___________________________________

Mais um ataque aos povos indígenas! Ontem, Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei (PL 5546/2019), de autoria da deputada federal Joeani Wapichana, que altera o Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas

Vetou uma proposta legítima aprovada, por unanimidade, pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias (2019), de Cultura e de Constituinte, Justiça e Cidadania (2021) – todas da Câmara dos Deputados – e no Senado, em 4 de maio deste ano (como contamos aqui). 

Sua justificativa? O documento assinado por ele e dirigido ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, diz:

“Em que pese a boa intenção do legislador, não há interesse público na alteração contida na proposta legislativa, uma vez que o Poder Constituinte Ordinário adotou, no capítulo VII da Constituição, a expressão ‘dos índios’, tratando de termo consagrado no ordenamento e na cultura pátrias, não havendo fundamentos robustos para sua revisão”.

Ele também declara que o Ministério da Justiça e Segurança foi ouvido e, também, se manifestou pelo veto, que foi publicado na edição de hoje do Diário Oficial da União (DOU).

Índio é um termo pejorativo!

Vale destacar que o PL em questão revoga o Decreto Lei 5540 de 2 de junho de 1943, ou seja, que foi criado numa época em que os povos indígenas estavam sendo massacrados pelo governo, com o objetivo de domá-los e de neutralizar sua cultura e identidade. Mais ou menos o que faz Bolsonaro.

A reivindicação da única parlamentar indígena no Congresso Nacional não é um capricho e deveria ser tratada com respeito pelo presidente porque chama a atenção para um costume que fere a identidade desses povos e sua cultura.

ÍNDIO tem significado pejorativo: o termo foi inventado para designar povos que os brancos queriam dominar. INDÍGENA carrega dignidade: fala de quem é “natural do lugar onde vive”, o que dá ainda mais poder para a luta pelos direitos dos indígenas sobre suas terras.

“Esta é uma questão legal, de respeito, constitucional!”

Indignada, Joenia Wapichana se manifestou, pela manhã, em sessão no plenário da Câmara: 

“O presidente Bolsonaro vetou um projeto de lei aprovado por unanimidade em comissões da Câmara e no Senado que troca a terminologia que é reconhecida pela Declaração da ONU sobre os povos indígenas e pela Convenção 69 da OIT – Organização Internacional do Trabalho”.

Ela explica que o termo ‘índio’ se limita a um indivíduo e que o significado do termo proposto é mais adequado porque reconhece sua diversidade cultural. “Os povos indígenas são uma coletividade, cada povo vive sua própria vida, tem sua própria cultura, há uma diferença cultural. Por isso, há muito tempo esses povos se designam como ‘povos indígenas’: não se trata apenas de um povo”.

E completou: “Somos 305 povos com diferentes culturas, diferentes línguas, diferentes formas de se organizar. Essa terminologia não e simplesmente uma questão política, é uma terminologia correta, antropológica, e que merece ser reconhecida”.

Joenia também pediu aos parlamentares presentes – entre eles o presidente Arthur Lira e a deputada federal Luiza Erundina -, que ajudem a derrubar o veto presidencial

“Assim que o veto chegar nesta casa, que a gente o derrube por unanimidade, por respeito e por cumprimento à nossa Constituição e por toda a legislação que dá garantia de que sejamos reconhecidos como diferentes povos”.

Joenia ainda destacou a importância de sua presença no Congresso: “Se o problema é porque o termo ‘índio’ tem sido utilizado há muito tempo, é porque não havia uma parlamentar indígena que pudesse propor e questionar da melhor forma. Por isso, não podíamos avançar nos direitos dos povos originários”. 

(Joenia foi eleita em 2018, nas mesmas eleições que colocaram Bolsonaro na presidência, e tem sido uma representante incansável e inabalável dos povos indígenas. Em 198 anos de Câmara, ela é a única mulher indígena eleita. Até, então, esses povos haviam sido representados apenas pelo cacique Juruna, de 1983 a 1987. Joenia também foi a primeira mulher indígena a se pronunciar no plenário do STF, quando se discutia os limites da Reserva Raposa Serra do Sol. Como advogada, ela representou diversas comunidades de sua etnia. Veja, no final deste post, algumas das reportagens que publicamos sobre a deputada)

Em sua fala indignada no plenário da Câmara, Joenia concluiu: “Os povos indígenas estão muito revoltados com esse posicionamento! Que o presidente não coloque, aqui, uma vingança contra os povos indígenas porque ele tem interesse em saquear nossas terras. Esta é uma questão legal, questão de respeito, é uma questão constitucional!”.
_________________________

Em tempo: Vale destacar que a imagem que ilustra este post foi feita durante a cerimônia de entrega da Medalha do Mérito Indigenista (outro absurdo!), que causou revolta não só entre os povos indígenas, mas também entre indigenistas, como o antropólogo Sydney Possuelo, que devolveu a medalha que recebeu em 1972, quando foi criada (contamos aqui).

Bolsonaro usa um cocar e está rodeado por indígenas que o apoiam – sim, eles existem! -, que aceitam a exploração de seus territórios, comercializando seu uso, mas não são reconhecidos pelos povos representados pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil, a APIB.

Leia também:
Joenia Wapichana, advogada e primeira deputada federal indígena, recebe prêmio da ONU de Direitos Humanos
Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas é relançada com Joenia Wapichana
Em Projeto de Lei, Joenia Wapichana propõe que multas ambientais sejam revertidas para os povos indígenas


Foto (destaque): Clauber Cleber/Divulgação Presidência da República

Deixe uma resposta

Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.