Bolsonaro quer acabar com taxa ambiental cobrada no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha

Bolsonaro quer acabar com taxa ambiental cobrada em Parques Nacionais Marinhos de Fernando de Noronha

Mais uma polêmica envolve o presidente Jair Bolsonaro e a preservação ambiental. No último final de semana, em sua página no Facebook, ele afirmou que a taxa ambiental cobrada na ilha de Fernando de Noronha para a visitação às praias do Parque Nacional Marinho é um “roubo”.

“Isso explica porque quase inexiste turismo no Brasil. Isso é um roubo praticado pelo GOVERNO FEDERAL (o meu Governo). Vamos rever isso”, escreveu.

Composto por 21 ilhas e ilhotas, o arquipélago de Fernando de Noronha foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do ministério do Meio Ambiente.

Como a ilha não tem capacidade e nem estrutura para receber um número muito grande de visitantes (pouco mais de 50% das casas tem sistema de esgoto) e a conservação de sua biodiversidade pode ser impactada pelo turismo em larga escala, há um limite máximo de pessoas que podem ficar nela por dia.

Por esta razão, paga-se uma taxa diária de permanência ao governo de Pernambuco, que serve para cobrir custos como a coleta do lixo, por exemplo. O valor da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) por um dia é de R$ 73,52 e assim, ela vai aumentando progressivamente. Quem ficar uma semana, pagará R$ 467,59.

Além disso, desde 2012, existe ainda uma segunda taxa, federal, cobrada na entrada ao Parque Nacional Marinho, onde estão localizadas algumas das praias mais conhecidas de Noronha, como a Praia do Leão, Praia da Atalaia, Praia do Sueste, Praia do Sancho e Baía dos Porcos.

Esta segunda taxa é a que Bolsonaro chamou de “roubo”. Ela custa R$ 106,00 para turistas brasileiros e R$212,00 para estrangeiros e é válida por dez dias. Esse valor é pago à empresa Econoronha, contratada pelo ICMBio.

A Econoronha é uma concessionária que presta serviços de manutenção e oferece todo o apoio necessário para a visitação pública. Nos últimos anos, colocou placas de sinalização, construiu passarelas e mirantes para facilitar o acesso dos turistas e instalou banheiros secos nas praias e totens para o agendamento de visitação a algumas atrações. Por determinação dos órgãos ambientais, a piscina de Atalaia só pode receber 96 visitantes por dia, divididos em seis grupos de 16 pessoas.

Bolsonaro quer acabar com taxa ambiental cobrada no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha

Placas ajudam os turistas a se guiar pelas trilhas da ilha

De acordo com o ICMBio, 70% do valor arrecadado com a taxa federal é utilizado com esses tipos de serviços.

“Acho que precisa ficar claro que não é uma taxa, mas um ingresso. Assim como se paga pelo transporte público ou para ir ao cinema, se paga para entrar em um parque nacional marinho. O valor já era cobrado pelo Ibama, mas de uma forma desorganizada, sem conhecimento da área do turismo”, explica Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, organização não governamental que trabalha, em conjunto com outras entidades e pessoas, com a missão de proteger, fortalecer e ampliar o conjunto das Unidades de Conservação da Natureza no Brasil.

Preservação em risco

Especialistas da área ambiental e turística criticaram a intenção do presidente Bolsonaro de extinguir a taxa federal de visitação.

“Fernando de Noronha é um arquipélago com fragilidades muito sérias e um turismo maior vai prejudicar o local. A visitação tem que ser limitada. A concessão à iniciativa privada permite ter estrutura de apoio com muito mais qualidade do que a precária qualidade com orçamento enxuto”, disse Claudio Maretti, vice-presidente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas, em entrevista à revista Exame.

Apesar do plano de manejo de Fernando de Noronha prever a entrada de cerca de 89 mil turistas por ano, em 2018, estimativas apontaram que mais de 100 mil pessoas estiveram ali, um recorde.

A ilha é um dos destinos mais visitados do país, por isso mesmo, não faz sentido nenhum a crítica do presidente Jair Bolsonaro, alegando que as taxas impediriam o crescimento do turismo ali.

“Pagar R$ 106 para garantir o acesso à região por dez dias, vamos combinar que não é nada demais, né? São R$ 10 por dia. Certamente não é isso o que espanta o turista de Noronha, muito pelo contrário”, acredita Angela Kuczach.

Bolsonaro quer acabar com taxa ambiental cobrada no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha

O aumento do turismo pode causar sério impacto à vida marinha

Biólogos destacam que não é saudável para os ecossistemas e a vida marinha do arquipélago que aumente ainda mais o volume de visitantes no local.

Quanto maior o número de gente lá, maior a demanda por energia, saneamento, coleta de lixo e água (que vem de um dessalinizador instalado na década de 90). Aumenta ainda a procura pelos passeios de barco, e com eles, o impacto no meio ambiente.

Existe uma lista de animais ameaçados de extinção que vivem em Fernando de Noronha e são protegidos em sua Unidade de Conservação (UC), entre eles, tubarão-limão, corais, estrelas-do-mar e diversas espécies de tartarugas (verde, cabeçuda, pente).

Desde 1984, por exemplo, o Projeto Tamar realiza em Noronha um dos mais importantes trabalhos de proteção e estudos das tartarugas marinhas no país.

“Se houver a finalização da cobrança do ingresso, primeiro existirá uma questão jurídica a ser resolvida. Haverá um grupo de empresários muito insatisfeito, que tem um contrato assinado, com objetivos a serem cumpridos. A partir daí, como se irá defender concessões em áreas protegidas se a de Noronha for encerrada”, diz a diretora da Rede Nacional Pró-UCs.

“E do ponto de vista de preservação ambiental, toda a estrutura deixará de existir e isso pode provocar um impacto enorme em diversos setores, só para citar um, por exemplo, na proteção da área de desova das tartarugas marinhas”, completa.

Número de visitantes de Noronha já passou do limite

No ano passado, técnicos do ICMBio alertaram que a ilha já ultrapassou sua capacidade de receber turistas. “Se continuar no ritmo de crescimento que está, a gente vai transformar isso aqui em qualquer outra praia, em qualquer lugar”, ressaltou Silmara Erthal, do instituto, em entrevista ao portal G1.

Há algum tempo, o Ministério Público Federal de Pernambuco determinou que o estado não emita mais licenças para a construção de pousadas e hotéis em Fernando de Noronha.

Golfinhos rotadores: um dos espetáculos naturais da ilha

*Com informações do ICMBio

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Fotos: reprodução site EcoNoronha

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Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.