PUBLICIDADE

Ministro do STF suspende MP de Bolsonaro sobre demarcação de terras indígenas e pede que a Corte vote a pauta com urgência

Texto atualizado em 24/6/2019

Na quarta-feira da semana passada, 19 de junho, o Diário Oficial da União publicou nova Medida Provisória 886/2019, editada por Bolsonaro na véspera para “devolver” a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina, “a musa do veneno”, exatamente como ele havia decidido com a MP 870, de janeiro. Nesta, ele também entregou a Funai para o Ministério do Trabalho, de Damares Alves. Só que, quase no final de maio, o Congresso derrubou as duas pautas e devolveu a Funai para o Ministério da Justiça e a competência da demarcação para a Funai. Bolsonaro não se conformou. Como medida provisória tem força de lei, sua nova MP passou a valer no mesmo dia da publicação e deixou parlamentares e indígenas revoltados e preocupados.

Mas, hoje, o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar que suspende a validade da MP de Bolsonaro. E pediu que o caso seja pautado com urgência no plenário da Corte, que decidirá se mantém ou não a liminar. Se ela for mantida, a MP não precisará ser votada no Congresso. Cruzando os dedos!

Uma vitória temporária, sim! Mas que, a priori, protege as terras indígenas de invasões já que a demarcação volta a ser competência da Funai, portanto, não está sujeita aos interesses do Ministério da Agricultura.

Abaixo, está a matéria publicada no dia 19, na íntegra. Com ela, é possível entender melhor a inconstitucionalidade da nova MP de Bolsonaro, que parece desesperado para colocar as terras indígenas nas mãos dos ruralistas. Boa leitura!

Bolsonaro ignora Congresso e edita nova Medida Provisória para manter demarcação de terras indígenas no Ministério da Agricultura – 19/6/2019

O que Bolsonaro fala, não se escreve. Ontem, ele disse que respeitaria a derrota, caso seu decreto sobre armas não passasse no Senado, porque “sou um democrata, não um ditador”. Pois, hoje, 19 de junho, o Diário Oficial publicou nova medida provisória – MP 886/2019 – editada por ele de forma arbitrária e assinada também por seus ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para ressuscitar o que havia definido na polêmica MP 870 de sua posse: transferir a responsabilidade da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura

Ou seja, o presidente ignorou o que foi definido no Congresso, desrespeitou o trabalho dos parlamentares e colocou “o galinheiro nas mãos das raposas” de novo. Como se trata de uma medida provisória, tem força de lei e vale a partir de hoje, mas precisa da aprovação do Congresso – em até 120 dias – para continuar valendo. 

Pra quem não lembra… em 23 de maio, a Câmara dos Deputados reiterou o que a Comissão Especial Mista (senadores e deputados) já havia aprovado: a volta da Funai para o Ministério da Justiça e da demarcação de terras para a Funai. Só faltava o Senado votar e todos – parlamentares e indígenas – estavam muito otimistas já que seu presidente, David Alcolumbre, havia se comprometido com algumas lideranças e parlamentares durante encontro realizado na mesma época do Acampamento Terra Livre, em abril. 

Agora, vem Bolsonaro com essa medida. Inesperada? Em se tratando dele e da bancada ruralista, não é surpresa. Claro que eles não se dariam por vencidos. 

Em maio, lideres ruralistas e sua bancada chegaram a divulgar carta para declarar que iriam reverter a decisão do plenário, mas foram derrotados por parlamentares. Eles chegaram a atacar o general Franklimberg Freitas, presidente da Funai, que foi demitido do cargo por Damares, no inicio deste mês. Freitas declarou que seu afastamento aconteceu por pressão de Nabhan Garcia, secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura. Imagina… 

Conflito entre poderes

Óbvio que a notícia sobre a nova MP repercutiu rapida e negativamente no Congresso, entre indígenas e indigenistas. 

Joênia Wapichana, da Rede/AP, primeira deputada federal indígena e coordenadora da Frente Parlamentar Indígena, disse ao jornal Folha de São Paulo, que seu partido está preparando uma ação direta de inconstitucionalidade para pedir a anulação da nova MP. “A palavra do dia é AFRONTA. Ele está afrontando e desrespeitando a separação dos poderes, definida na Constituição. Já há decisões no Supremo dizendo que o Executivo não pode reeditar duas vezes a mesma matéria em MP. Nós vamos questionar a constitucionalidade disso”. E completou: “A volta da demarcação para o Ministério da Justiça é matéria vencida. Em maio foi uma posição do Poder Legislativo relacionada à atribuição constitucional da demarcação de terras indígenas. O Legislativo fez prevalecer o sentido da Constituição de prever a demarcação como tarefa da União”. 

Marcio Santilli, um dos fundadores do Instituto Socioambiental, também disse à Folha que “persiste o conflito de interesses em subordinar direitos territoriais indígenas a ruralistas, mas, com a reedição da MP, a questão assume proporções de conflito entre os poderes da República, já que o Executivo ignora a decisão do Legislativo que devolveu a Funai ao Ministério da Justiça.

Em seu perfil no Instagram, o deputado federal Alessandro Molon, do PTB/RJ, um dos parlamentares mais aguerridos na luta contra as insanidades do governo Bolsonaro, publicou: “Depois de 28 anos na Câmara dos Deputados, Bolsonaro ainda não entendeu como funciona a democracia e a separação dos poderes: ele editou nova Medida Provisória para entregar a demarcação de terras ao Ministério da Agricultura. O Congresso já definiu isto recentemente. É uma afronta! Apresentei requerimento ao presidente do Senado para que ele devolva a MP ao governo”.

A situação das terras indígenas e a nova MP

No governo Dilma, a demarcação de terras indígenas não foi tratada a contento, é verdade. Lembro que, pouco antes de seu impeachment, a presidenta assinou demarcações pendentes, talvez como um dos últimos atos positivos de sua gestão ou para espezinhar seu sucessor. O fato é que, no governo Temer, a demarcação praticamente parou. No final de 2018, havia muitos estudos, processos e ações pendentes. 112 terras indígenas aguardavam análise da Funai (Fundação Nacional do Índio) para serem demarcadas e 42 outras terras já estavam identificadas e delimitadas e aguardavam o governo (Ministério da Justiça ou Planalto) para efetivar a demarcação. Além disso, os povos indigenas já reivindicavam mais 500 terras. E tudo ficou completamente paralisado quando Bolsonaro assumiu, também porque os indígenas não reconheceram a transferência da Funai e da demarcação para os ministérios de Damares Alves e de Tereza Cristina (a “musa do veneno”), respectivamente.  

E vale, aqui, uma observação. A nova medida provisória de Bolsonaro estabelece que a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal e as terras quilombolas são “áreas de competência do Ministério da AgriculturaPecuária e Abastecimento“. E inclui as terras indígenas, que não faziam parte da MP anterior. O texto afirma que “a competência de que trata o inciso XIV do caput [acima] compreende a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas”.

Mais: não só a demarcação de terras indígenas diz respeito ao Ministério da Agricultura, como também todos os seus direitos, incluindo ações de saúde, e o Conselho Nacional de Política Indigenista (que estava entre os conselhos participativos que Bolsonaro tentou liquidar). Isso nunca aconteceu! É surreal.

A grande questão é que a Constituição Federal proíbe a reedição –“numa mesma sessão legislativa” ou período de trabalho no Congresso: 2/2 a 17/7 e 1/8 a 22/12 – de uma MP que tenha sido rejeitada ou perdido a eficácia. Em resumo: o que Bolsonaro fez é ilegal, como boa parte do que propõe e faz em seu governo. Não se sustenta. Espero. 

Foto: Renato Soares

Comentários
guest

1 Comentário
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Sebastiao Gomes
Sebastiao Gomes
4 anos atrás

Um governo, cujo presidente jura cumprir a Constituição Federal, a independência dos Poderes e os interesses da República, se prestando a pisar na Carta Magna com reedição de medida provisória sem cunho de urgência e no interesse unicamente de oligarquia ruralista, já deu motivo bastante para sofrer impeachment.

Notícias Relacionadas
Sobre o autor
PUBLICIDADE
Receba notícias por e-mail

Digite seu endereço eletrônico abaixo para receber notificações das novas publicações do Conexão Planeta.

  • PUBLICIDADE

    Mais lidas

    PUBLICIDADE