Biofilia e o colo que a natureza sempre nos dá


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Pode reparar: quando estamos meio baixo astral, desanimados ou simplesmente precisando tomar um fôlego ou uma decisão importante, algo dentro de nós parece clamar por natureza. Um passeio no bosque do parque, uma pausa para o pôr do sol, um minuto para regar a plantinha meio esquecida sobre a mesa de trabalho, um mergulho no mar, uma fruta colhida e saboreada no pé. Qualquer coisa. Qualquer tipo e nível de contato. Qualquer mesmo.

Cada vez mais a ciência tem descoberto o óbvio: mais do que ancestral, nossa relação com a natureza é fisiológica e fundamental à nossa saúde, tem um quê e tanto de poder de cura e, em questão de minutos, pode nos oferecer alento, relaxamento e uma profunda sensação de bem-estar.

Até os ambientes mais hostis já perceberam isso. Empresas ‘fofinhas’ – e, claro, de olho na produtividade dos funcionários – já sabem que a presença de plantas no ambiente de trabalho ajuda na performance e até na criatividade das pessoas, e que a incidência de luz natural nos escritórios combate o cansaço e a falta de atenção. Algumas, vejam só, já promovem semanalmente o que chamam de dia do pet, em que é possível levar o bichinho para o trabalho, para criar um ambiente mais agradável e “humanizado” e, com isso, deixar todo mundo um pouquinho mais feliz. Em tempo: é claro que isso não resolve tudo e que, às vezes, iniciativas desse tipo servem apenas para esconder outras circunstâncias nada saudáveis que ocorrem nos ambientes de trabalho, mas a questão aqui é simplesmente não negar o bem que os bichinhos nos fazem.

São inúmeras as pesquisas que apontam benefícios nas conexões entre nós e os lugares de natureza preservada. Já se sabe que mexer na terra, por exemplo, é uma espécie de antidepressivo natural, porque nela existem micro-organismos que liberam substâncias capazes de aumentar nossa sensação de bem-estar. E o que dizer de um banho de cachoeira ou de uma trilha na floresta?

O que a ciência está fazendo atualmente é transformar sensações, experiências e intuições que já moravam dentro de nós, sem muitas considerações racionais, em estatísticas e justificativas mais cartesianas. Para que servem essas pesquisas? Bom, tem gente hoje sofrendo de síndrome de falta de natureza, causada pelo intenso distanciamento e também por ambientes extremamente (mal) urbanizados, sem áreas verdes, sem árvores nas calçadas, sem rios abertos, tudo cinza e… triste. Pesquisas desse tipo podem estimular as pessoas a buscar uma reconexão com elas mesmas e com a natureza e, mais que isso, incentivam a reflexão sobre como é ou deveria ser o mundo em que queremos viver.

De uns tempos pra cá, pesquisadores têm usado bastante o termo biofilia, que anda meio na moda, para falar dessa relação incrível que existe entre seres humanos e outras formas de vida. O conceito ou ideia da biofilia vem dos anos 1980 e, em resumo, tenta traduzir essa afeição, amor ou atração inatos que sentimos pelas diferentes formas de vida (daí o prefixo ‘bio’ do termo), algo que é mais pulsante em algumas pessoas e que, para outras, chega em algum momento tardio, quase que como uma receita médica…

Na prática, o fato é que, de alguma maneira, todos nós sentimos que, quando precisamos tomar uma decisão, refletir um pouco, acalmar o coração ou apaziguar a mente, a natureza é boa conselheira, boa ouvinte, boa presença. Às vezes, basta uma brisa morna no rosto para nos sentirmos acolhidos pelo mundo. Ou, quem sabe, avistar um tucano na cidade, coisa que muitos de nós interpretariam como bom presságio, sinal de esperança. Um átimo de luz no meio da multidão insana, alguns segundos de gratidão que nos fazem enxergar que a vida tem lá sua magia, sempre e sempre.

Falando das plantas, você sabia que as plantas são capazes de absorver mais de 900 gases poluentes? Elas têm uma qualidade depurativa do ar que é incrível. Hoje em dia, com o grave problema da poluição atmosférica (que mata 50 mil pessoas no Brasil por ano, segundo a OMS), as plantas são ainda mais fundamentais, como já sabemos, ainda que de maneira intuitiva.

Talvez a novidade seja a seguinte: de acordo com estudos recentes, em ambientes fechados, onde passamos cerca de 90% do nosso tempo, o ar pode ser até dez vezes mais contaminado e poluído do que o ar externo, por causa da presença de materiais e produtos químicos que liberam substâncias tóxicas e bastante prejudiciais à nossa saúde.

Entrando mais nesse assunto, tintas, colas, carpetes e vernizes, por exemplos, liberam os chamados compostos orgânicos voláteis (COVs), que persistem no ar mesmo quando não sentimos mais o cheiro desses produtos. Pisos, painéis e chapas de madeiras quase sempre contêm formaldeídos, outro vilão para quem passa horas do dia em ambientes fechados.

E há ainda os ftalatos dos plásticos, os campos eletromagnéticos, as bactérias, fungos e outros micro-organismos presentes em sistemas de ar-condicionado que não recebem a devida manutenção, e a alta concentração de dióxido de carbono em ambientes mal ventilados. Tudo isso pode desencadear uma série de problemas de saúde, embora ainda seja de pouco conhecimento da maioria da população.

O que fazer com tudo isso? A boa notícia é que as plantas – sempre tão generosas! – podem contribuir muito para melhorar a qualidade do ar interno também. Cerque-se delas por todos os lados! Elas filtram o ar que respiramos, trazem mais beleza, aconchego, frescor e uma sensação quase inexplicável de bem-estar. Experimente!

A tal da biofilia é isso: você nem sempre precisa ir até um lugar de natureza mais selvagem ou viajar horas até um parque nacional e, com isso, restringir os momentos de contato com a natureza a essas oportunidades. É também nos pequenos momentos que aproveitamos as maravilhas dessa tão especial conexão.

Biofilia é tirar proveito das plantas, é buscar abrigo no som da água do rio (ou da pequena fonte que você colocou na sala, ao lado da poltrona de leitura). É ter ouvidos para sentir alegria com o canto dos pássaros, estar aberto para a gratidão de um almoço feito com produtos da terra, cultivados por famílias no campo ou na cidade. É ver graça na lua, brincar com as nuvens, curtir o cheiro da chuva, a areia da praia, o calor da fogueira e do sol. É sentir a vida de uma flor, de uma pedra, de uma árvore, pulsando dentro de você também. É permitir ser parte desse todo sem começo nem fim, mas que nos oferece a dádiva do presente durante todo o caminho.

Foto: Luke Bender / Unsplash

Um comentário em “Biofilia e o colo que a natureza sempre nos dá

  • 7 de agosto de 2018 em 1:08 PM
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    Realmente, qualquer pedaço verde em uma área de apartamento já nos reporta para nossas raízes ancestrais onde habitávamos florestas ao invés da Selva de Pedra Urbana em que nos alojamos.No entanto há que se enaltecer, igualmente, à par dos benefícios da natureza e das plantas, a necessidade de preservarmos o meio ambiente da nossa Casa Planetária, enfatizando a importância dos animais que nela vivem, tanto quanto nós, apreciando respirar e ser felizes, contribuindo para a proteção das reservas, dos rios e dos mares onde, infelizmente baleias estão morrendo entupidas com o plástico que fabricamos sem pensar nas consequências. Escritórios com uma pequena área verde ou mesmo um vasinho de plantas em cada mesa, já conseguem passar a mensagem de que ali respiram pessoas que amam a natureza. Por mais civilizados nos orgulhemos em ser, nossas raízes estão plantadas ao lado de árvores que crescem na direção do céu, porque esse é o nosso destino.

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Giuliana Capello

Jornalista ambiental e permacultora, escreve sobre bioconstrução, arquitetura e design sustentáveis, economia solidária, consumo consciente, alimentação orgânica, maternidade e simplicidade voluntária. É autora do livro Meio Ambiente & Ecovilas (Editora Senac São Paulo).